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Chapter 18 - A Morte da Justiça

Na Biblioteca Estadual no norte de Dynami, Zarek finalmente chegou, caminhando calmamente, alisando as mãos e sorrindo enquanto se aproximava do portão de entrada. 

— Até que enfim.

Para a surpresa de Zarek, que imaginava estar sozinho, o portão da Biblioteca se abriu e alguém saiu de dentro. Era Tramen, o responsável pela invocação e aparição dos Gyakus na cidade e o mesmo que encontrou Koji na Avenida do Porto.

— Não esperava que demoraria tanto — disse Tramen, descendo as escadas da entrada do local, despretensiosamente entregando as chaves que precisavam a Zarek.

— É... Eu quis me distrair na metade do caminho, você me entende bem — Zarek respondeu alegremente, pegando as chaves e dando uns tapas no peito de Tramen em forma de parabenização pela missão cumprida.

Seus olhos brilhavam com a possibilidade nas mãos que ele e Tramen tinham de cumprir o objetivo que a Fundação lhes deu.

Observando a falta de presença na cidade além deles, Tramen perguntou a Zarek, enquanto arrumava o cabelo com um gesto despreocupado.

— E os lixos da Torre? Eles apanharam tanto que nem vão vir aqui, foi?

— Considerando que o único membro da Torre que lutou foi o Nahome, basicamente nem tentaram lutar de verdade — respondeu Zarek, sorrindo e subindo as escadas rumo à entrada. Sua preocupação era mínima e sua tranquilidade era imensa, como sempre.

Mas um som repentino, que parecia uma música lenta e elegante, ecoou de dentro da biblioteca e chamou a atenção de Zarek e Tramen.

— Que som é esse? — estranhou Tramen, ainda calmo e sem querer dar muita importância.

— Está vindo de dentro — Zarek observou com um sorriso levemente forçado, olhando para o portão da biblioteca.

O som lindo que os guiava emergia de toques perfeitos de um piano. Zarek abriu o portão, e Tramen estava logo atrás, acompanhando-o, quando a resposta de quem estava por trás desse som enfim apareceu.

— Olá, vocês não querem me ajudar? Estou aceitando doações baixas — disse o talentoso músico que continuava a tocar o piano lindamente enquanto falava.

Sua simpatia, refletida em seus olhos brilhantes e vivos, destacava-se. Esse músico era S. James.

— Ué? Como esse cara entrou aqui? E de onde veio esse piano? — Tramen perguntou a Zarek.

Com poucos passos se aproximando do piano e do músico, Zarek queria tirar algumas dúvidas com o pianista, pois estava curioso, e sua face minimamente confusa demonstrava isso.

— Poderia me dizer o que faz aqui?

De maneira animada, carismática e até cômica, o músico, S. James, respondeu a Zarek.

— Eu realmente não sou famoso como você, Zarek... você é um cara bem temido mundo afora. No caso, meu nome é S. James e sou o que estão vendo, mas sei muito bem o que estão buscando.

— S. James? Que diabo de nome é esse? — comentou Tramen, zombando e rindo do nome do músico, enquanto Zarek apenas olhava atentamente com um sorriso de canto.

— Não é por isso que vieram até aqui? 

S. James puxou, com a mão direita enquanto tocava o piano somente com a mão esquerda, a capa de um livro com o título "Os Demônios de Oxford," escrito pelo jornalista britânico Lenny Chesterton em 1931.

Foi instantâneo. Ao mostrar apenas a capa do livro, ficou claro que esse era o objetivo de Zarek e da Fundação. Os olhos de Zarek espelharam seu desejo no momento em que viu a capa antiga.

Por isso, Zarek rapidamente impôs sua voz com seriedade, mas com um sorriso maldoso, ao músico que continuava tocando o piano.

— Me entregue a capa e eu não o matarei.

Sem medo ou temor de Zarek, apenas com sua serenidade enquanto fazia o som do piano abrilhantar a cidade abandonada, S. James respondeu.

— Me matar... acho que aquele não deixaria, ele me ama muito — disse ele, apontando para a porta da biblioteca aberta e alguém que acabara de abri-la.

Quem era?

Era Sam. Com a face fechada, olhos concentrados e postura segura. Antes que Zarek ou Tramen tentassem algo, ele logo exclamou.

— Vide: Ambiente!

Essa técnica "Ambiente" permitia ao usuário manipular e controlar o ambiente ao seu redor de diversas maneiras. Esta técnica conferia ao portador a capacidade de alterar as condições ambientais para criar vantagens estratégicas em combate, defesa e outras situações. As habilidades vertentes de "Ambiente" incluíam a manipulação do clima, terreno, e a criação de ilusões ambientais.

E em seguida, Sam terminou falando.

— Pleno Nada!

Pleno Nada é uma habilidade vertente dentro da técnica "Ambiente". Esta habilidade dava ao usuário a criação de áreas onde todas as formas de energia, incluindo magia, força vital e até mesmo luz e som, são completamente anuladas. Essas zonas de "Pleno Nada" são como vácuos energéticos, onde qualquer atividade ou habilidade é suprimida, criando um ambiente de completa neutralidade.

De repente, com a aplicação do Pleno Nada, todo o ambiente em que estavam se transformou em uma ambientação escura e infinita, sem nada. Sam, com sua habilidade, levou Zarek e Tramen para o Pleno Nada enquanto S. James foi deixado na realidade comum.

— Como está, Sam? — Zarek reconheceu Sam, mostrando o laço de amizade e conhecimento entre os dois portadores.

— Eu não sei se eu te bato ou te abraço — falou Sam, aparecendo na sala infinita, com um sorriso discreto e expressão amigável para Zarek.

— Eu não sabia que sua técnica estava tão avançada assim. Parece que o relacionamento com o seu demônio está andando muito bem, não é?

Com uma expressão mais séria, Sam respondeu.

— Eu e Vide (demônio com o qual Sam possui pacto) estamos bem. Minha técnica está avançando, mas ainda está longe da sua amplitude.

Amplitude era um termo utilizado exclusivamente pelos portadores, referindo-se ao auge de suas técnicas. Basicamente, Amplitude era o nome dado ao momento em que um portador finalmente atingia o máximo de poder que sua técnica podia proporcionar. Tal feito permanecia inalcançável, pois nenhum portador no mundo inteiro havia conseguido alcançar a sua Amplitude total.

Sem confundir este termo que servia para se referir ao máximo das técnicas dos portadores com a Amplitude Natural de Tahiko, que o diferenciava dos demais. Tahiko, naturalmente, já possuía a amplitude (por isso é Amplitude Natural), ou seja, o máximo de sua técnica. No entanto, ele precisava evoluir fisicamente e mentalmente como um portador para desfrutar do máximo de sua técnica.

Isso era diferente dos demais portadores, que enfrentavam uma dificuldade muito maior em alcançar a amplitude. Não é à toa que nenhum portador no mundo possuía a tal expressividade de sua técnica, segundo as informações públicas repassadas pela Alliance e a Torre.

Sam se posicionou com firmeza, seu rosto refletindo uma seriedade inabalável, enquanto seus olhos não deixavam de observar atentamente cada movimento de Zarek.

— Eu não posso deixar que faça o que quiser, muito menos que cumpra algo a mando da Fundação. Tenho certeza que precisarei usar a Recolocação com vocês — declarou ele, a determinação visível em sua postura segura e a voz carregada de convicção.

A Recolocação era uma avançada habilidade do "Pleno Nada", com a capacidade do usuário de decidir a recolocação geográfica dos oponentes dentro da zona. Como o "Pleno Nada" instigava a negação absoluta de energias, poderes e até mesmo a geografia dos corpos, o adversário, ao se encontrar no Nada, podia ser recolocado em qualquer parte do mundo. Isso significava que o usuário podia, por exemplo, enviar o oponente instantaneamente para a China ou qualquer outra localização desejada.

Zarek riu levemente, um sorriso cínico se formando em seus lábios. Ele inclinou a cabeça para o lado com uma mistura de desafio e diversão.

— Tá me achando com cara de idiota, é Sam? Eu já sei dessas coisas e blá blá, você só quer ser o homem da justiça, não é? — disse ele, suas palavras permeadas de sarcasmo.

— Se puder sair da cidade, fazer outra coisa ou simplesmente parar de fazer coisas para a Fundação, eu estarei devendo uma... mas se nada das coisas que eu citei você fizer, eu vou começar a estranhar sua presença — suas feições serenas contrastando com a provocação de Zarek

Zarek deu uma rápida e alta gargalhada, e sua expressão se suavizou por um momento. 

— Ha! Ha! Ok, Sam. Será bom te reencontrar em outro momento — disse ele com aquele sorriso insolente nos lábios. 

O ambiente estava carregado de tensão, mas Zarek apenas gesticulou com a mão direita, fazendo o clássico sinal de positivo, enquanto a sala infinita começava a se desfazer lentamente ao seu redor e sua recolocação era aplicada.

— Recolocação! 

Quando Sam reapareceu, Zarek e Tramen já haviam sidos recolocados e assim sumiram, desaparecendo da biblioteca. O pianista, S. James, ainda estava sentado na cadeira em frente ao piano, bebericando um chá com uma expressão de surpresa em seu rosto.

— Mas já? Mandou eles para onde? — perguntou ele, levantando uma sobrancelha inquisitivamente.

Sam deu um sorriso discreto, ainda com a mesma calma que exibira durante toda a situação.

— Mandei eles para bem longe. Acho que eles vão gostar de turistar no Egito.

No céu, os barulhos das hélices dos helicópteros das Forças Especiais da Torre chegavam atrasadíssimos, com o caos de Dynami já terminado e centenas de milhares de mortos espalhados pela cidade.

Os jatos militares emprestados pela Alliance também atravessaram o céu nublado e escuro de Dynami, suas sombras projetadas nas nuvens densas. 

No solo, o agente Nahome estava ao lado de Saik, ambos mal conseguindo se manter de pé após os intensos combates com Zarek. Eles observavam as rápidas e tecnológicas aeronaves sobrevoarem a metrópole devastada, morta e abandonada.

— Por que só chegaram agora? — questionou Saik, com os olhos fixos no rastro deixado pelos jatos nas nuvens e sua voz impregnada de frustração e incredulidade.

Nahome permaneceu em silêncio, a culpa o corroendo por dentro, apesar da fachada de segurança que tentava manter. Ele se lembrava amargamente do que dissera à comandante Ava quando rejeitara os reforços para um possível confronto com Zarek.

"Comandante, não será necessário. Eu não vou demorar e, mesmo que eu precise de ajuda, darei um jeito de sobreviver."

Nahome, Cap 11.

Na Biblioteca Estadual, Sam e S. James saíram do edifício para verem a chegada dos apelidados "falcões da justiça".

— Olha só, os falcões da justiça chegaram um pouco tarde — zombou S. James, dando um leve soco no braço de Sam e começando a descer as escadas da entrada.

— Eles não aprendem — afirmou Sam, com um olhar de desaprovação, referindo-se à Torre e à Alliance.

Os jatos e caças sobrevoavam a cidade, procurando estupidamente por sobreviventes e aliados, mas sua demora era gritante.

Sam desceu as escadas, acompanhando S. James para deixarem a cidade de vez. No entanto, ao passar por uma das poucas casas que ainda tinham o teto intacto, Sam avistou uma televisão ligada através da janela. Ele parou, intrigado, e se aproximou.

— O que foi? — perguntou James, achando estranho o comportamento de Sam. 

Ambos se aproximaram da janela para ver o que estava sendo transmitido na TV. O noticiário estava no ar, mostrando imagens do caos e mostrava uma jornalista irritada e apontando as falhas federais sobre os eventos recentes em Dynami.

A jornalista, Sara Wanderick, esbravejava com sua voz cheia de raiva e indignação no jornal da maior emissora do país.

— É inconcebível, absolutamente revoltante, a irresponsabilidade e a insensibilidade demonstradas pelo Governo Federal, pela Torre e pela Alliance em relação ao caos em Dynami. A demora absurda na chegada dos reforços especiais é uma afronta à memória de todos aqueles que perderam suas vidas. Como podem justificar essa falta de ação?

Ela respirou fundo, tentando conter a emoção, mas sua fúria era palpável em cada palavra.

— Não houve um alerta sincero por parte da Torre ou da Alliance sobre a verdadeira ameaça que enfrentávamos. Seis Gyakus foram vistos destruindo tudo em seu caminho, matando, engolindo, esfarelando e esmagando pessoas indiscriminadamente. Crianças, bebês, mães grávidas, homens de bem... todos foram vítimas dessa atrocidade. Mais de 2 milhões de pessoas perderam suas vidas! Isso é mais do que um número, são histórias, famílias, sonhos desfeitos.

A jornalista socou a mesa com o punho cerrado e seu rosto estava vermelho de tanta raiva.

— E onde estavam nossos chamados 'falcões da justiça'? Chegaram atrasados, quando já era tarde demais. As Forças Especiais da Torre e da Alliance apareceram apenas para sobrevoar uma cidade devastada, uma cidade morta. As Forças Armadas foram varridas, incapazes de deter a catástrofe.

— Em quem vamos acreditar agora? Quem vamos ouvir? No que vamos nos apegar se aqueles que deveriam nos proteger, aqueles que se autodenominam nossos falcões da justiça, chegam tarde demais e não demonstram a mínima preocupação com a morte de mais de 2 milhões de pessoas?

O estúdio estava em silêncio absoluto, a gravidade de suas palavras ecoavam no ar. 

— Estamos sozinhos, deixados à nossa própria sorte. É um momento sombrio para todos nós, e precisamos exigir responsabilidade, ação e compaixão daqueles que detêm o poder. Não podemos mais aceitar promessas vazias e desculpas esfarrapadas. Precisamos de verdadeiros guardiões, de verdadeiros heróis, não de farsantes que aparecem apenas para recolher os destroços.

Ela encerrou a transmissão com um olhar firme e determinado, sabendo que sua mensagem ressoaria em cada lar, em cada coração que ainda buscava justiça e segurança em um mundo que parecia desmoronar.