O Menino e o Poço

🇧🇷Leonardo_Marques
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Synopsis

Capítulo 1

Nem sempre foi fácil para Vicky, uma criança de apenas oito anos, que já começaria cedo a enfrentar os desafios da vida. Apesar das constantes provocações na escola, ele mantinha uma serenidade incomum diante do sofrimento. Contudo, nada mexia tanto com seu coração quanto o amor pelos pais, um sentimento que se tornou um ponto vulnerável diante da separação iminente. Vicky sofria em silêncio toda vez que testemunhava as discussões acaloradas entre seus pais. Sentada em sua cama em uma noite fria, abraçando seu ursinho de pelúcia, ele ouvia atentamente os gritos ecoando pela casa.

— Eu não aguento mais essa vida... toda vez é isso... — Jéssica desabafava, sua voz carregada de raiva. — Você nunca está em casa, não presta atenção em mim, nem mesmo no seu filho que precisa de você.

— O que quer que eu faça?! Passo o dia inteiro suando em um escritório, trabalhando como um louco. — Ramiro retrucava, sua frustração evidente.

— Será que é só isso mesmo?! Será que não há outra explicação?! — Jéssica questionava, insinuando o pior. — Será que você não tem outra mulher, outra família que está deixando para trás?

Essas palavras dolorosas eram trocadas sem que eles percebessem o impacto que causavam na criança.

— Jéssica... Por favor, eu estou trabalhando, é só isso... — Ramiro tentava se justificar, mas as palavras pareciam vazias aos ouvidos de Vicky.

Com o coração pesado, Jéssica deixou o quarto em silêncio, ignorando os apelos desesperados de Ramiro.

— Jéssica, por favor... volte... — Ramiro chamava em vão, enquanto a solidão se instalava no ambiente.

Assim, em meio às brigas dos pais, Vicky enfrentava sua própria batalha, carregando o peso da dor silenciosa que apenas uma criança poderia compreender. No pé da escada, Vicky segura seu urso de pelúcia com carinho, mas um deslize de sua mão faz com que o ursinho caia lentamente degraus abaixo.

No dia seguinte, Jessica está na cozinha, preparando o café da manhã e a lancheira escolar de Vicky.

— Vicky! Onde você está? Estamos atrasados para a escola e eu já estou terminando de arrumar sua lancheira —, chama Jessica enquanto fecha a lancheira.

De repente, três batidas ecoam do banheiro, um código entre mãe e filho indicando que Vicky está lá dentro.

— Está tudo bem, eu sei que você está no banheiro. Quando sair, venha aqui pegar sua lancheira —, diz Jessica.

Após alguns segundos, Vicky emerge da porta do banheiro e para diante de sua mãe. Ele abre a boca para falar, mas apenas sons ininteligíveis saem.

— Vicky, nós já conversamos sobre isso. Não force demais, lembre-se do que o médico disse. Você vai falar no seu tempo —, diz Jessica, abraçando-o e beijando-o.

— Seu aniversário está chegando, logo você fará 9 anos. Que tal comemorarmos em uma pizzaria? — sugere Jessica.

Um sorriso radiante ilumina o rosto de Vicky, que ergue as mãos em entusiasmo. Jessica aplaude animada.

— Fico feliz que tenha gostado da ideia. Está combinado então —, confirma Jessica.

Vicky pega sua lancheira e sua bolsa, enquanto Jessica pega as chaves do carro.

— Estamos atrasados, vamos logo para a escola que tenho muito trabalho —, diz Jessica, apressada.

De repente, Vicky pega um porta-retrato de seu pai e mostra para Jessica. Ela respira fundo, um misto de tristeza e saudade, e se ajoelha diante dele, olhando-o nos olhos.

Jéssica observou Vicky com um misto de preocupação e ternura: — Você quer muito que o seu pai venha para sua festa de aniversário, né? —, perguntou com um tom suave, enquanto Vicky assentia vigorosamente.

— Para falar a verdade, meu filho, eu não sei se daqui para lá o seu pai vai estar com a gente —, admitiu Jéssica, sua voz carregada de melancolia. Vicky sentiu o peso da incerteza e baixou a cabeça, desanimado.

— Por favor, meu filho, não fique assim. Eu vou fazer de tudo para que sua festa de aniversário seja a melhor do mundo —, prometeu ela, envolvendo-o em um abraço reconfortante.

Após essa conversa, mãe e filho partiram em direções distintas.

Enquanto isso, no escritório de trabalho de Ramiro, ele estava imerso na revisão de alguns documentos quando uma secretária sedutora adentrou, chamando sua atenção.

— Trabalhando muito, Ramiro? —, provocou a secretária, com um sorriso sugestivo.

— Estou quase terminando de revisar alguns papéis... Daqui a pouco será meu horário de almoço, e pretendo encontrar com meu filho —, respondeu Ramiro, tentando manter o foco.

— Bem, se quiser, posso fazer uma massagem para você relaxar um pouco —, ofereceu a secretária com uma pitada de provocação.

— Não acho necessário, obrigado —, respondeu Ramiro, desconfortável com a situação.

— Deixe de coisa... eu sei fazer uma massagem excelente —, insistiu ela, aproximando-se e iniciando a massagem nos ombros de Ramiro.

A secretária dá a volta na mesa se aproxima e começa a fazer uma massagem nos ombros de Ramiro. 

— É sério, por favor não precisa, pode parar... — diz Ramiro, pegando nas mãos da secretária. 

— Calma, você tá muito tenso. As suas costas estão muito dura, deixa eu continuar —, insistiu a secretária. 

Apesar de suas objeções iniciais, Ramiro permitiu-se relaxar aos poucos, entregando-se à sensação reconfortante da massagem.

O sol ainda não tinha alcançado seu ponto mais alto quando Vicky, um menino de alma gentil, iniciou sua jornada diária rumo à escola. Seus passos eram um misto de determinação e apreensão, pois hoje, mais do que nunca, ele carregava consigo o peso de uma conversa que mudaria tudo. Na porta da escola, Jéssica aguardava ansiosamente pelo filho, determinada a enfrentar os desafios que se apresentassem pela frente.

— Eu vim pensando no caminho todo e vou falar com seu pai, tá bom. Não fique triste, meu filho... —, as palavras reconfortantes de sua mãe ecoavam em sua mente, como um bálsamo para a alma atormentada.

Ao alcançar os portões da escola, Vicky fez um esforço consciente para reprimir a tristeza que ameaçava dominá-lo. Ele sabia que precisava enfrentar mais um dia, mais um desafio, e seu coração se encheu de determinação.

Adentrando a sala de aula, Vicky escolheu um assento nos confins do recinto, buscando um refúgio temporário da tormenta que o aguardava. No entanto, seu desejo por tranquilidade logo foi interrompido pela chegada de alguns colegas, cuja presença anunciava uma tempestade de zombarias e crueldades.

— Olha quem está aqui de novo, se não é o esquisito —, provocou um colega de dez anos, desferindo o primeiro golpe.

Ele sempre fica assim em silêncio porque a voz dele é de mulher , acrescentou outro, de onze anos, sua risada carregada de malícia.

A troca de insultos e deboches continuou, como um ciclo interminável de dor e humilhação.

— Se a voz é de mulher, imagine o que ele tem por debaixo das calças —, zombou outro, arrancando risos cúmplices dos demais.

E assim, mais um dia começava para Vicky, envolto na sombra implacável do bullying e da intolerância. Mas em meio à escuridão, uma faísca de esperança ainda brilhava em seu coração, alimentada pela promessa de que ele não enfrentaria essa batalha sozinho.

Com um gesto repentino, o menino de 11 anos circunda a mesa e prende os braços de Vicky, enquanto seu comparsa mais jovem agarra o tubo de cola e o despeja implacavelmente na boca de Vicky.

— Agora vamos ver se ele continua tagarelando — o menino desafiador pronuncia, enquanto a cola se espalha dentro da boca de Vicky.

Nesse exato momento, a porta se abre e a professora entra na sala, fazendo com que os meninos recuem rapidamente para seus lugares. Enquanto Vicky, tossindo e lutando para expelir a cola, sofre em silêncio. A professora, observando a cena de longe, aproxima-se da mesa de Vicky com expressão preocupada.

— Vicky! Pare com isso! Por favor, não coma essa cola, meu Deus! — a professora exclama, temendo o pior.

Vicky levanta-se bruscamente e foge da sala, correndo até o banheiro, onde finalmente se permite parar. A professora, perplexa com a situação, observa-o partir enquanto os dois meninos travessos trocam olhares maliciosos, satisfeitos com sua travessura.

Ramiro estava de volta ao seu escritório, sentindo-se totalmente relaxado. Com os olhos fechados, ele desfrutava da massagem reconfortante que sua secretária lhe proporcionava.

— Está gostando da minha massagem? —, perguntou a secretária suavemente.

— Realmente é muito boa —, respondeu Ramiro, seus olhos permanecendo fechados em tranquilidade.

A massagem cessou quando a secretária se posicionou na frente de Ramiro.

— Agora eu vou te oferecer algo ainda melhor do que uma massagem —, disse ela misteriosamente.

— E o que seria? —, indagou Ramiro, curioso.

A secretária silenciou suas dúvidas ao beijá-lo intensamente, segurando-o com firmeza. Ramiro ficou atordoado com a surpresa, seus olhos se abriram rapidamente. Nesse momento, Jéssica, sua esposa, abriu a porta do escritório e flagrou a cena.

— Ah, então é esse o trabalho que você tanto faz —, comentou Jéssica ao entrar, sua voz carregada de desaprovação.

Ramiro afastou gentilmente a secretária e levantou-se rapidamente, desesperado para explicar.

— Calma, Jéssica, eu posso explicar... —" começou ele.

— Não precisa se explicar —, interrompeu Jéssica com firmeza. — Eu já entendi tudo.

— Não é o que você está pensando, por favor... —, implorou Ramiro, mas suas palavras se perderam no ar tenso do escritório.

Jéssica estava irada, sua voz carregada de frustração ecoava pelo ambiente tenso: — Ah então você vai me dizer que eu estou ficando maluca —, proferiu com desdém, encarando Ramiro com olhos que faiscavam indignação.

— Eu apenas estava recebendo uma massagem, nada mais —, tentou justificar Ramiro, seus olhos buscando desesperadamente algum vestígio de compreensão nos de Jéssica.

— Desde quando um beijo na boca é considerado uma massagem? —, retrucou Jéssica, as palavras carregadas de descrença.

Antes que a tensão pudesse ser dissipada, a secretária se aproximou, como se desejasse acalmar a tormenta que se formava.

— Por favor, senhora, não me leve a mal. Eu estava apenas fazendo meu trabalho —, implorou, suas palavras em um tom de súplica.

Jéssica deixou escapar uma risada sarcástica, como se a ironia da situação a tivesse atingido em cheio.

— Então esse é o seu trabalho? —, inquiriu, os lábios crispados em desdém.

— Sim —, respondeu a secretária, sua voz baixa e repleta de resignação.

— PI-RA-NH-A! —, Jéssica disparou a palavra com um veneno palpável, como se cada sílaba carregasse o peso de sua fúria. Sem mais delongas, ela desferiu um tapa sonoro no rosto da secretária, um gesto impulsionado por uma mistura de raiva e desespero.

— Isso é para você aprender a não mexer com meu marido... Ops, eu quis dizer ex-marido —, declarou Jéssica, suas palavras carregadas de amargura e desilusão.

— Espera aí, Jéssica! Eu não tenho culpa —, tentou se explicar Ramiro, seus olhos suplicantes buscando compaixão na mulher que um dia amara.

Jéssica sentiu o coração apertado ao deixar o escritório. As palavras do marido ecoavam em sua mente, mas sua determinação era firme. Ela não estava disposta a ceder dessa vez. O sol já começava a se pôr quando ela chegou em casa. Com gestos rápidos, começou a arrumar suas coisas e as do filho. Cada objeto guardado no carro era um passo a mais em direção à liberdade que buscava.

Enquanto dirigia pelas ruas iluminadas pela luz alaranjada do entardecer, Jéssica passou pela escola. O rosto cansado de Vicky apareceu em sua mente, e ela não pôde evitar um aperto no peito. Mais uma vez, o filho havia sido vítima de bullying, mas Jéssica estava tão absorta em seus próprios dilemas que não percebeu. A estrada estendia-se à sua frente, uma promessa de novos horizontes e possibilidades. Jéssica sabia que não seria fácil, mas estava determinada a seguir em frente, deixando para trás um passado de mágoas e arrependimentos.

Jéssica caminhava com passos decididos em direção à casa na floresta, seu coração pesado pela decisão que tomara, mas determinada a seguir em frente. O filho, Vicky, seguia ao seu lado, confuso e sem entender completamente a reviravolta em suas vidas. Ao chegarem à casa, Jéssica descarregou as malas do carro, olhando para Vicky com um sorriso forçado.

— Meu anjo, tivemos algumas mudanças e vamos ficar aqui por um tempo —, anunciou, tentando manter a calma diante da incerteza que pairava sobre eles.

Vicky, ainda perplexo, obedeceu ao pedido da mãe para ir brincar no quintal espaçoso da nova casa. Enquanto ele explorava o ambiente desconhecido lá fora, Ramiro, seu pai, chegou, exalando raiva e confusão.

— Você está ficando louca?! —, explodiu Ramiro, confrontando Jéssica. — Cheguei em casa e você não estava lá, nem suas coisas, nem nosso filho. Passei na escola e ele também não estava. Você quer sumir e levar meu filho junto?

Jéssica encarou Ramiro com determinação, respondendo com firmeza: — Se depender de mim, você nunca mais verá nosso filho.

A tensão no ar era palpável, carregada com anos de desentendimentos e mágoas acumuladas. Ramiro, ciente de seus direitos como pai, insistiu: — Você não pode fazer isso... eu também tenho direitos sobre nosso filho.

— Que direito?! Deixa que eu respondo para você... você não tem mais direito nenhum desde quando eu vi você beijando aquela secretária. Você perdeu até o posto do homem da casa.

— Você não vai se aproximar do meu filho.

Enquanto os adultos se engalfinhavam em suas mágoas, uma presença silenciosa observava de longe. Vicky, o garoto de olhos curiosos e mente inquieta, estava fascinado com o antigo poço de madeira que ficava no canto do quintal. Seus passos cautelosos o levaram mais perto, seu coração pulsando com uma mistura de medo e fascínio.

Foi então que dois meninos, conhecidos de sua escola, surgiram diante dele como sombras na penumbra do entardecer.

— Olha o que nós encontramos aqui. — O mais velho falou, seu tom carregado de malícia.

— E o que esse comedor de cola tá fazendo aqui? — O outro garoto rosnou, seus olhos estreitando-se em desdém.

— Este quintal é ligado pelo quintal da casa da minha avó e a gente sempre brinca por aqui... e vocês esquisito não é bem-vindo aqui.

— Vamos dar uma lição neste esquisitão para ele realmente ver quem somos nós.

O garoto mais velho se aproximou do poço, suas mãos ágeis afastando as folhas secas da tampa de madeira com uma determinação sombria.

— Sabe, a minha avó conta uma lenda para mim que nesse poço morreu uma menina. E todas as noites a gente escuta ela chorando aqui dentro desse poço. — Seus olhos se fixaram em Vicky, uma faísca de desafio brilhando em seu olhar.

Mas, além do medo, Vicky sentiu uma centelha de curiosidade acender dentro dele. O que poderia estar escondido nas profundezas escuras daquele poço antigo? A lenda era apenas uma história inventada para assustar crianças ou havia alguma verdade por trás dela?

Com o coração pulsando freneticamente no peito, Vicky recuou lentamente, os pés arrastando-se sobre o chão de terra batida. Seus olhos arregalados buscavam desesperadamente uma rota de fuga enquanto o medo se apossava de sua mente.

— Eu preciso sair daqui —, pensou Vicky, mas antes que pudesse tomar qualquer decisão, mãos frias e implacáveis fecharam-se em torno de seus braços, prendendo-o com firmeza.

Ele tentou desesperadamente se soltar, mas os dedos dos meninos eram como garras de aço, mantendo-o preso em seu lugar.

— Por favor, me soltem! —, Vicky implorou, sua voz tremendo de pavor.

Um dos garotos se aproximou rapidamente, seu rosto distorcido por um sorriso cruel.

— Calma, esquisitão —, disse ele com uma risada sinistra.

Enquanto Vicky lutava em vão contra seus captores, o outro garoto se aproximou, um brilho malicioso em seus olhos.

— Vamos ver se a tampa ainda é resistente —, disse ele com um tom de desafio.

Com um empurrão brutal, Vicky foi lançado sobre a tampa do poço. O impacto foi doloroso, e ele sentiu-se preso em um pesadelo angustiante. As lágrimas brotaram em seus olhos enquanto ele tentava desesperadamente se levantar, apenas para ser empurrado de volta pelos meninos que agora riam dele.

— Está com medinho, é? — provocou o garoto mais novo.

— Não precisa ficar com medo. Você é tão esquisitão que ninguém vai sentir a sua falta —, zombou o outro garoto, com um sorriso sádico.

Mas antes que pudessem desfrutar completamente de sua crueldade, um som estrondoso cortou o ar. Os meninos se entreolharam, perplexos, enquanto um estalo sinistro ecoava pelo ar. De repente, a tampa do poço se partiu ao meio, abrindo um abismo negro sob os pés de Vicky. Um grito estrangulado escapou dos lábios de Vicky enquanto ele despencava na escuridão. O suspense pairava no ar, carregado de tensão e mistério, enquanto os meninos observavam impotentes o destino terrível que haviam desencadeado.