Chapter 3 - Capítulo 02

LETTIE

— GOHAN!!!!!!!! NÃO!!!!!!!! — Ouvi Goku gritar ao vermos Raditz voar para longe da ilhota. Isso doeu mais do que o chute que levei no peito.

Ainda caída na água, ouvi Mestre Kame ordenar da orla da praia:

— Rápido! Precisamos socorrê-los! Bulma, ajude a Lettie. Kuririn, levante Goku. Vou buscar um pouco de Água Sagrada! — E disparou casinha adentro numa velocidade impressionante para um idoso.

— Lettie! Oh, minha nossa! — Bulma correu até mim aos pulinhos na água e se abaixou para me apoiar. — Você está bem? Se machucou?

— A-Acho que… — Falei com dificuldades, segurando minha lateral. — Acho que quebrei alguma coisa.

— Consegue se levantar? — Ela me abraçou de lado e me ergueu.

Cada passo era uma facada em minhas entranhas. Ao chegarmos na orla, me assustei ao ver Goku em pleno estado de fúria, esmurrando o chão e espalhando água pelos ares enquanto punha pra fora sua cólera. Nunca vi um homem tão bravo.

— QUE DROGA! QUE DROGA! QUE DROGA! — urrou ele. Eu, Bulma e Kuririn nos entreolhamos, preocupados. No entanto, mesmo ainda com muitas dores, ao perceber minha presença ao seu lado, Goku levantou-se e me segurou pelos braços: — Lettie! Como você está?! Está doendo muito?! ARGH!!! — Ele deu uma volta em torno de si, passando as mãos no rosto. — Como não pude proteger meu próprio filho e minha irmã?! DROGA! DROGA!!! — Ele voltou-se para mim. — Me diga, não minta para mim, aquele desgraçado te fez algum mal?

— Bom… — Ofeguei, ainda sem conseguir respirar direito. — Além do que você viu aqui, ele só me nocauteou na cabeça antes de me sequestrar.

— "Só"? — repetiram Bulma e Kuririn.

Apenas dei de ombros. Não achei prudente me tornar o alvo de toda compaixão quando tínhamos uma criança nas mãos de um maníaco psicopata e a ameaça da destruição completa do planeta Terra.

Goku então me abraçou e disse:

— Apesar do que aconteceu com Gohan, saiba que estou muito feliz por descobrir que você é minha irmã. Obrigado por tentar nos ajudar.

Eu estava para quase gritar de dor ao ser abraçada pelo que agora era o meu irmão, mas, não pude deixar de sentir uma onda de acalento adentrando meu coração com um calor fraterno que, para pessoas que cresceram sem uma família ou solitárias como eu, no fundo, sempre desejaram receber.

Dei meu máximo para abraçá-lo de volta e, apesar das terríveis circunstâncias em que nos encontrávamos, agradeci em pensamento que, ao menos, tirei algumas coisas boas disso tudo. Porém, acima de todos esses sentimentos, a ira pelo que Raditz causou a nós e, sobretudo, a Gohan, me fez voltar a dar atenção ao que importava no momento. Não nego que pensei no meu quartinho alugado lá na arena clandestina, a qual provavelmente estava destruída pelos estragos de Raditz. Eu poderia muito bem me desculpar com essas pessoas e retornar para a minha antiga rotina. Mas, vasculhando bem meu íntimo, não encontrei motivo algum para eu voltar para aquela vida miserável.

Depois de anos e anos procurando por uma resposta, por um objetivo, enfim encontrei alguém por quem lutar.

Ao nos afastarmos, ambos caímos no chão, sem forças. Bulma e Kuririn se abaixaram para nos segurarem.

— Preciso… fazer… alguma coisa… — disse Goku, entredentes. — Não posso deixar meu filho nas mãos de Raditz. — Ele então olhou para cima: — NUVEM VOADORA! VENHA AQUI!

Uma pequena nuvem amarela entrecortou os céus, deixando um rastro também amarelo pelo caminho. Sacudi a cabeça, não acreditando que estava vendo uma nuvem… mágica!, e cheguei a conclusão de que, após tudo o que vi e ouvi naquele dia, nada mais me impressionava. Eu ia apenas aceitar todas as esquisitices que me cercavam.

A nuvem parou ao nosso lado, e meu irmão tentou se levantar para ir até ela, mas caiu de novo.

— Não se precipite, Goku! — Mestre Kame saiu correndo da entrada da casinha segurando um frasco redondo e azul, encrustado com pedras preciosas. — Vocês precisam recuperar as forças antes de tomarem qualquer decisão!

Ele se ajoelhou na nossa frente e tirou a tampinha do frasco, o entregando a Goku, o qual deu uma boa golada no conteúdo e então o ofereceu para mim.

— O-O que tem aí dentro…? — Franzi o cenho.

— É Água Sagrada do Templo de Kami-sama — respondeu Mestre Kame.

— Hã… Tradução, por favor? — O olhei com dúvida.

— Considere isso como o melhor remédio do mundo. — Kuririn me deu um sorriso confiante. — Pode tomar, é seguro.

Confirmando suas palavras, Goku ergueu-se num salto, com um semblante iluminado pela vitalidade recuperada. Ele então me deu um aceno de cabeça, me incentivando a ir em frente.

Meio receosa, molhei os lábios com o líquido daquele frasco, percebendo que tinha gosto de água normal, e arrisquei tomar um gole.

Uma sensação refrescante desceu pelo meu esôfago, se espalhando por cada centímetro do meu corpo. A dor no meu peito sumiu por completo, assim como… a dor no final da minha coluna.

Parecia que eu havia renascido!

Mal percebi quando também me levantei num pulo, encarando minhas mãos e tateando meu corpo, fascinada e impressionada com uma repentina combustão de energia.

Olhei para os outros e desembestei a rir. Aquela Água Sagrada teria me feito economizar muitos anti-inflamatórios, analgésicos e relaxantes musculares que precisei tomar durante todos os meus anos nas arenas!

— Uau…! — ofeguei, só que não mais de dor. — Incrível…!

Entretanto, meu sorriso logo se desmanchou quando me lembrei da nossa situação, e a melancolia logo nos abateu mais uma vez, especialmente em Goku.

— Como vou resgatar meu filho e combater Raditz? — lamentou ele. — Mesmo com minhas forças recuperadas, o que posso fazer? 

— Pensar, Goku — respondeu Mestre Kame. — Precisa pensar.

Mordi o interior da boca, com minha mente num turbilhão, ainda processando todas as informações que ouvi nas últimas horas. Goku tinha razão. O que poderíamos fazer?

— Isso é tão terrível! — suspirou Bulma. — Agora que encontrou pessoas da sua família, um deles é tão cruel e sem sentimentos!

— Esse irmão de vocês, esse… Raditz — Kuririn nos olhou —, ele… é muito poderoso. Precisam ser cautelosos.

— Lettie — Goku apertou meu ombro —, será que, se unirmos nossas forças, não podemos derrotar Raditz? Afinal, de acordo com ele, somos os guerreiros mais fortes do Universo… os Saiyajins. Isso deve contar como alguma coisa!

— Olha, Goku… — Esbocei uma expressão triste. — Como Raditz mencionou, eu sei lutar, é o que faço da vida para o meu sustento, mas, como ele também pontuou, não tenho treinamento. Nunca tive. Tudo o que sei sobre lutas aprendi durante anos observando outros lutadores, participando de torneios e de, talvez, algum tipo de intuição própria. — Inspirei fundo. — Desculpe te relembrar, mas ele nos derrotou com um só golpe. Esse cara é barra pesada. Ouso dizer que é um assassino profissional.

Todos ficaram cabisbaixos, remoendo minhas palavras.

— Porém — retomei a fala, devagar —, como qualquer raça que exista, ele deve ter alguma fraqueza. A pergunta é: qual é a fraqueza de um Saiyajin?

Goku de repente arregalou os olhos.

— A… A cauda…!

— O quê? — Eu e os outros nos entreolhamos.

— A cauda de Raditz! — Goku bateu o punho fechado na palma da mão. — Pelo que ele falou, parece que a força máxima de um Saiyajin vem da cauda! Se conseguirmos prender a cauda dele, tenho certeza de que ele perderá toda a força! Já aconteceu uma vez comigo quando eu tinha a minha!

— É mesmo! — concordou Mestre Kame. — Você tem razão!

— Mas, você acha que podemos prender a cauda de um homem tão forte como ele? — ponderou Kuririn.

— Eu não poderia fazer isso sozinho. — Goku me olhou com um sorriso ousado e, apesar do medo, comecei a sentir a familiar adrenalina que me invadia quando eu ia lutar, e sorri de volta.

— Farei todo o possível para ajudá-los. — Mestre Kame deu um passo a frente, apoiado em seu cajado. Kuririn, no entanto, não se mostrou muito animado com a ideia.

— V-Vocês têm certeza disso? — questionou ele.

— É claro que sim! — Mestre Kame lhe direcionou um olhar repreensivo. — Nem Yamcha ou Tenshinhan estão aqui, então somos nós quem temos que ir!

Não faço ideia de quem eram esses dois que Mestre Kame mencionou, mas não pude negar que, quem quer quem fossem, sua ajuda viria bem a calhar.

— É-É… — Kuririn ficou esfregando as mãos numa postura ansiosa. — É verdade. B-Bom, se nós quatro lutarmos, faremos alguma coisa pra… pra… — Ele estremeceu. — Eu… Mas, hã… — Ele então virou-se para Bulma. — Escuta, se eu morrer, por favor, você me revive com as Esferas do Dragão?

As Esferas de quem?

Externalizei minha pergunta.

— São sete Esferas laranjas — respondeu Bulma. — Quando se juntam todas, pode-se fazer um pedido a Shenlong. Deve ter visto uma no chapéu de Gohan.

— Sim… Verdade. Mas, quem é Shenlong?

— Um dragão gigante que concede um desejo para quem juntou as Esferas. — Bulma então me deu um meio sorriso compreensivo. — Não se preocupe, Lettie. Uma hora, você se acostuma com tudo isso.

Assim esperava.

— Kuririn — Goku tomou a palavra —, sinto dizer, mas não será possível fazer o que você pediu. Kami-sama me disse que não se pode pedir o mesmo desejo a Shenlong. Você e o Mestre Kame já foram ressuscitados uma vez, então será impossível da próxima.

Não sei quem ficou mais perplexo, Kuririn e Mestre Kame por descobrirem que não poderiam voltar à vida caso morressem na luta contra Raditz, ou eu por descobrir que havia um dragão por aí concedendo desejos, e que o rapaz e velho careca à minha frente já haviam morrido e ressuscitado no passado.

É… Eu precisava me atualizar nessa história com urgência.

— Mesmo assim… — suspirou Goku. — Vocês me ajudariam?

— É claro! — respondeu Mestre Kame.

— Isso é óbvio! — Kuririn fechou os punhos. — Chegou a nossa vez de ajudá-lo, Goku. Você é nosso amigo!

Logo em seguida, vi o rosto de Kuririn se entristecer profundamente, com os ombros caídos e chegando a até lacrimejar. O cara estava desolado com a possibilidade de morrer na luta contra Raditz. Que dó.

— Ei… — Bulma tentou cortar o clima mórbido. — Por falar nas Esferas do Dragão, e se as reunirmos e pedirmos a Shenlong que salve o mundo de todas as atrocidades?

Kuririn ficou empolgadíssimo.

— SIM!!! — exclamou ele. — Excelente ideia, Bulma!!!

— E você acredita mesmo que conseguiremos reunir todas as Esferas em um só dia? — Mestre Kame o olhou com seriedade.

Kuririn ficou pior do que antes.

— Não… Acho que não…

— Como funciona esse esquema de encontrar as Esferas do Dragão? É possível saber onde elas estão? — questionei.

— Depois que Shenlong nos concede o pedido — explicou Bulma —, elas se espalham ao redor do mundo de forma aleatória. É uma busca bem cansativa…

— Esperem! — disse Goku. — Mas, nós temos o Radar do Dragão, lembram-se?

— Radar do Dragão? — repeti.

— OH! É mesmo! — Bulma abriu um grande sorriso. — O Radar do Dragão é um aparelinho que construí para rastrear a localização das Esferas.

— Bom… — Coloquei a mão no queixo, pensativa. — Já que, pelo visto, demora muito tempo para rastrear todas as Esferas para se fazer um pedido, podemos ao menos rastrear a que está no chapéu de Gohan. Isso seria possível?

— Com certeza! — replicou Goku. — Excelente ideia, Lettie! Podemos atacar Raditz agora mesmo. Ele deve estar se sentindo muito confiante e não esperará que façamos isso. Bulma, onde está o Radar do Dragão?

— Pra sua sorte, deixo ele sempre guardado no meu helicóptero. — Ela então se dirigiu a um mini helicóptero amarelo estacionado num canto escondido perto da casinha cor-de-rosa, o que me deixou de queixo caído de como eu ainda não tinha visto um trambolho daqueles lá, mas que sua existência sanou muitas dúvidas que eu tinha de como as pessoas chegavam nesta ilhota.

Quando Bulma voltou, fizemos uma rodinha ao seu redor, a qual mostrou um pequeno objeto redondo acinzentado, um mini radar mesmo, exibindo um visor preto com linhas quadriculadas verdes. 

— Aqui! — Ela apontou para um pontinho brilhante no visor. — Aí está a Esfera de Gohan!

— Está se movendo muito rápido! — acrescentei.

O pontinho brilhante de repente parou, nos fazendo arquejar em espanto.

— Ufa! — suspirou Bulma. — Ele não foi para o espaço, continua na Terra.

Ergui minha cabeça num súbito para encará-la quando a ouvi dizer que "ele não foi para o espaço", mas logo disfarcei, coçando atrás da cabeça ao me relembrar de que, helloooo!, somos alienígenas, esqueceu?

— Muito bem, vamos! Ainda temos uma chance! — Goku se empertigou, de punhos cerrados. — Gohan, meu filho, aguente só mais um pouco…

— Vai dar certo — encorajou Mestre Kame. — Vamos recuperá-lo.

— É verdade! — concordou Kuririn. — Provavelmente poderemos vencê-lo, embora… hã… as possibilidades não sejam muitas. — E sua voz sumiu.

— Bom — disse eu —, já que Raditz e seu grupo querem eliminar os seres humanos de qualquer maneira, é melhor ao menos tentarmos fazer algo para impedi-los, não é?

Nos entreolhamos em silêncio, mas concordando com grande determinação.

— VOCÊS NÃO VÃO CONSEGUIR! — Uma voz bradou acima de nós.

Olhamos para os céus e avistamos alguém flutuando sobre a ilhota, com uma capa branca esvoaçando pelo vento que soprava.

Então, eu não tinha alucinado!

Contudo, me assustei quando ouvi os demais exclamarem:

— É O PICCOLO!!!

Foi instantâneo. Uma áurea sinistra e de terror se espalhou por aquele lugar quando os outros começaram a tremer ao contemplarem aquele tal Piccolo lentamente descer e pousar na areia à nossa frente.

Eu mesma prendi a respiração ao analisar de perto o segundo alienígena que encontrava naquele dia. Um grande poder emanava dele, eu podia sentir. Era um ser diferente de tudo o que já havia visto, muito mais alto que meu irmão; devia passar de dois metros de altura fácil, fácil. Era definitivamente um ser masculino, com uma pele num tom verde como grama recém-cortada, e os músculos dos braços e antebraços numa cor rosada. Usava um macacão de luta roxo, envolto por um largo cinto azul, e nas costas, atrás de ombreiras volumosas e pontudas, usava a já mencionada capa branca que chegava até seus pés calçados com sapatos pontudos marrons.

No entanto, o atributo que mais me chamou a atenção foi seu rosto; em especial os seus olhos. Eram negros, pequenos e intensos. Suas orelhas, porém, eram grandes e também pontudas como a de elfos das histórias de fantasia, e, no topo da cabeça, usava uma espécie de turbante branco e roxo.

Só que, eu tinha a vaga sensação de que aquele Piccolo não me era estranho. Algo me falava que eu já tinha o visto antes, em algum lugar…

É isso! É claro que já o vi! Na final do 23º Torneio de Artes Marciais, lutando contra… Goku! Puxa, era por isso que meu irmão também me pareceu tão familiar quando o vi pela primeira vez. Me lembro que o ingresso custou o valor de uma compra mensal no mercado. Já tentei participar desses torneios formais, mas nunca passava das qualificatórias.

Mas, aquela luta entre Goku e Piccolo… foi a mais intensa que já assisti.

Agora, eu via Piccolo percorrer o mesmo semblante assustador que exibiu no Torneio de Artes Marciais em cada um de nós; passando por Mestre Kame, por Kuririn, e por Bulma (a qual literalmente caiu no chão de medo e saiu engatinhando). Quando ele olhou para mim, seguiu para Goku. Entretanto, no intervalo de uns dois segundos, ele piscou e voltou a me olhar, como se não tivesse me visto direito ou quisesse confirmar que eu estivesse ali, mas logo sacudiu a cabeça e fixou seus olhos apenas em meu irmão, cruzando os braços.

Aquilo me deu calafrios.

— Piccolo?! — exclamou Mestre Kame. — Não acredito! O-O que está fazendo aqui?!

— Eu estava seguindo aquele indivíduo — respondeu ele, sem alterar seu semblante fechado.

— Então, você já o conhecia, não é? — Goku o encarava com uma feição nada amigável.

— Sim.

— Espere aí! — Me aproximei do meu irmão para também encará-lo. — Você viu Raditz me raptar e não fez nada?

— E por que eu deveria? — Piccolo curvou os lábios num pequeno sorriso. — Foi divertido ver você berrar nas costas dele.

— Mas ele destruiu a minha casa! Matou pessoas!

— E eu lá tenho bola de cristal pra saber o que ele iria fazer?

Ficamos nos olhando por uns cinco segundos em silêncio, até que desviei o olhar, me sentindo ridiculamente impotente na frente daquele armário, e achei melhor ficar quieta, afinal, não seria prudente irritar o cara que fez tamanho estrago naquele Torneio de Artes Marciais.

— Goku, você não poderá vencer Raditz. Não com estes que querem ajudá-lo. — Piccolo olhou para Kuririn e Mestre Kame. Então, voltou-se para mim com uma expressão entediada. — Essa daí talvez ajude com alguma coisa. Consigo sentir que tem um considerável poder de luta elevado, e foi ela quem teve a ideia de rastrear a Esfera do Dragão no chapéu de Gohan.

Fiquei tão confusa entre saber se me sentia ofendida ou honrada com tal declaração, que só consegui ficar abrindo e fechando a boca como um peixe fora d'água, enchendo as bochechas de ar.

— Independente disso, irei com você, Goku. — Piccolo agitou sua capa de um modo pitoresco, o que foi um gesto tão ridículo que achei engraçado, e tive que abafar um riso, fingindo uma tosse. Ele percebeu e me fuzilou com o olhar.

— Já devem saber muito bem como Raditz é forte. — Piccolo me ignorou e se pôs a caminhar ao redor. — Não podemos derrotá-lo. Não importa que o oponente seja eu, você ou sua irmã Lettie.

De início, achei estranho ele saber o meu nome, mas, pelo seu comportamento (e sobretudo, pelo tamanho de suas orelhas), suspeitei de que ele tinha ouvido toda a nossa conversa com Raditz. Que intrometido!

— Mas — continuou ele —, se unirmos nossas forças, há uma possibilidade de vencermos.

Goku buscou o meu olhar, querendo saber a minha opinião, e refleti por um momento. Quais outras opções tínhamos? Ou fazíamos aquele tal de Piccolo um aliado, ou precisaríamos lutar contra Raditz com um idoso que eu suspeitava que já passava os duzentos anos, e um rapazinho que não parava de suar frio.

Por mais difícil que fosse admitir, Piccolo era nossa única chance de talvez (apenas talvez) vencermos Raditz.

Goku parecia ter tido a mesma linha de pensamento que eu e, com um leve aceno de cabeça, concordamos um com o outro.

— Muito bem, então — concluiu ele.

— O que você tem em mente? — acrescentei.

— Primeiro, não quero que se iludem — disse Piccolo. — Não procuro a paz deste planeta e não me interessa o que pode acontecer com seu filho, Goku. Ele só está interferindo o meu plano… de conquistar o mundo!

Pela segunda vez, tive que abafar um riso e tossir, e, pela segunda vez, Piccolo me fuzilou com o olhar.

— Você por acaso é retardada? — indagou ele.

— Não, não. Me desculpe. — Cobri a boca, abanando a mão. Eu não entendia como os outros estavam levando aquele Piccolo tão a sério. A coitada da Bulma estava quase surtando, se escondendo atrás da tartaruga-marinha, mas, eu não conseguia acreditar que o mesmo homem que vi lutar no Torneio de Artes Marciais pudesse falar tanta asneira. Por isso, acabei falando: — É que… "conquistar o mundo"? Isso é meio… clichê, não acha?

Foi a vez de Piccolo abrir e fechar a boca como um peixe fora d'água, enquanto os outros se mostraram muito embasbacados com a minha (aparentemente) audácia, exclamando coisas como "Lettie, está maluca?!", "Você sabe quem ele é?", ou "Quer morrer??".

Piccolo continuou me fitando, fazendo uma força tremenda para controlar seus nervos, cerrando os punhos nas laterais do corpo. Ouso até dizer que ficou vermelho. Ele então fechou os olhos, respirou fundo, e os abriu.

— Acabo de ter minha confirmação de que você é mesmo a irmã de Goku. — Piccolo cruzou os braços e se inclinou para mim com um pequeno sorriso, me cobrindo com sua sombra. — A idiotice corre na família.

Pressionei meus lábios até formarem uma linha fina, imitando o mesmo comportamento que ele fez há pouco para controlar sua paciência, sentindo meu rosto também ficar vermelho de raiva enquanto nos encarávamos intensamente.

— Tá legal, agora já chega! — Meu irmão interveio, se pondo entre nós dois. — Não temos tempo a perder!

— Até que enfim disse algo inteligente, Goku. — Piccolo voltou a se endireitar, não tirando os olhos de mim, e nem eu dos dele. — Agora, nós três nos uniremos. Depois, acabaremos com os outros dois amigos de Raditz. E por último — ele virou a cabeça para o meu irmão — acabarei com você de uma vez por todas! — Ele voltou a me olhar. — E assim, conquistarei o mundo inteiro e me sentarei num grande trono macio e clichê.

Bufei, revirando os olhos, e dei as costas para observar o mar. Uma brisa gelada passou pelas águas e nos atingiu, e ouvi a capa de Piccolo esvoaçar. Um calafrio percorreu meu corpo e abracei a mim mesma, sabendo que, no fundo, eu estava temerosa do que poderia acontecer a seguir em nossa luta contra Raditz, com o resgate de Gohan e, ouso dizer, até mesmo sobre aquela "conquista do mundo" por um cara poderoso como o Piccolo, o qual ainda sentia seus olhos sobre mim.

— Bom, eu não permitirei que você conquiste o mundo. — Ouvi Goku dizer e me virei para olhá-lo. — Não permitirei. Mas… É uma boa ideia unirmos nossas forças, por ora. — Ele então esboçou um sorriso ousado para Piccolo. — Até porque, não temos outra escolha, não é?

— Exato. — Piccolo sorriu de volta, revelando dentes caninos afiados. — Não pense que isso me agrada. — Ele virou-se para mim, ainda sorrindo. — Acho insuportável a ideia de cooperar com gente da sua laia.

Eu o ignorei e caminhei até Goku, o qual virou-se para a Bulma (ainda escondida atrás da tartaruga-marinha) e pediu:

— Por favor, me dê o Radar do Dragão.

— O quê? Ah, t-tá bom! — Ela tateou os bolsos até encontrar o objeto.

— Jogue aqui, Bulma — pedi, e o peguei no ar sem tirar os olhos de Piccolo, que ainda nos observava com aquele sorrisinho irônico.

Entreguei o Radar do Dragão para Goku, e ele chamou a Nuvem Voadora de novo, a qual parou na nossa frente. Num pulo, meu irmão subiu nela, o que me surpreendeu bastante, pois nunca imaginei que seria possível ficar em cima de uma nuvem sem cair por dentro dela.

— Venha, Lettie. — Ele estendeu a mão para eu subir, também.

Meio insegura, aceitei sua ajuda e, me puxando para cima, ele me ergueu e me sentou na nuvem. Então, seguiu-se uma sequência de arquejos incrédulos.

— OH!!! — exclamou Mestre Kame! — Não acredito!

— L-Lettie — gaguejou Kuririn. — Você… consegue subir na Nuvem Voadora?!

— O que foi? — Busquei o olhar de Goku e dos outros, confusa. — Qual é o problema?

— Não é nada, deixa pra lá — respondeu meu irmão, o qual percebi que sorria para mim de um modo que beirava a admiração e, ouso dizer, o orgulho. O mais estranho foi que também notei que Piccolo me encarava de olhos arregalados e até meio boquiaberto.

Desviei o olhar e, numa postura tímida e retesada, me ajeitei para me sentar atrás de Goku, corando por de repente ter me tornado o centro das atenções.

— E aí, Piccolo? — Goku se sentou na minha frente, de pernas cruzadas. — Será que consegue acompanhar a velocidade da minha Nuvem Voadora?

Vi que Piccolo ainda me fitava em espanto, e então sacudiu a cabeça e piscou várias vezes.

— Não seja idiota. — Ele voltou a exibir aquele sorrisinho de antes. — Pra começar, a minha técnica de voo é muito superior.

Eu ainda estava tentando inutilmente procurar uma espécie de cinto de segurança no meio nuvem quando Goku me disse:

— Segure em mim, irmãzinha, e não solte.

— Sim, senhOOOOOOOOOOOOOOOOOOOORRRRR!!!!!!!! — Soltei um berro quando a Nuvem Voadora disparou céus acima numa velocidade tão absurda, que abracei Goku até ouvi-lo exclamar: "Ai, Lettie! Vai quebrar minhas costelas!", com Piccolo voando ao nosso lado e rindo alto da minha desgraça.