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Chapter 4 - Capítulo III

Eu estava no nível sete quando cheguei na grande cidade de Alora a procura de Akantha. Love havia me acompanhado até aqui como uma estranha amizade, mesmo me mantendo um pé atrás devido sua primeira traição, todas as demais vezes em que lutamos contra algum inimigo eu sentia como se pudesse confiar em suas habilidades. 

 

Ela serviu como uma mestra, me ensinando bastante sobre Nexus New World e até algumas pequenas coisas de combate, principalmente ligados a classe ladina a qual usava o tempo inteiro em seus combates. 

 

— Precisamos completar essa última missão — Ela falou me enviando a pequena tela para que eu visualizasse as informações — Eu queria completar o nível 22 antes de ver Akantha. 

 

— É algum tipo de competição? — Questionei curiosa. Em meus olhos a imagem de um lobisomem junto de seu valor caso a missão fosse concluída atraia a atenção, eu precisava de dinheiro para comprar uma espada melhor do que a inicial — Bem, vou pegar o valor que falta para comprar uma espada nova em Alora. 

 

— Pode ficar com tudo — Desviei meus olhos até sua face delicada que sorria para mim — Eu não estou armando nada, confie em mim. 

 

Fiquei em silencio, talvez aqueles três dias juntos tenha servido para que ela pudesse me ler melhor... Suspirei pensativa, no fundo eu tinha receio de ser de fato traída por Love, mesmo tantas vezes convencendo que isso iria acontecer, acabei me afeiçoando por sua forma estranha de agir. 

 

— Vamos logo, eu mandei uma mensagem para Akantha falando que iriamos demorar alguns minutos — E antes que eu pudesse dizer algo, Love começou a se afastar, os passos aumentando a velocidade conforme notava estar a acompanhando — Consegue me acompanhar? 

 

— Estou bem atrás de você — Falei aumentando minha velocidade até a floresta onde estava localizada a missão. Seus pés eram ágeis, definitivamente eu não a acompanharia em sua velocidade total, quando Love usava as copas das árvores para se locomover, parecia que em qualquer momento eu iria morrer e essa adrenalina atingia em cheio minha evolução — Vamos nos separar para emboscar? 

 

— Ele é um nível vinte e oito — Informou quando paramos, seus olhos indo em minha direção com certo receio — Se você for emboscada e morrer, vai voltar para o vilarejo Oshuo onde fizemos nosso último save. 

 

— E você não tem risco de morrer? — Brinquei com um sorriso de canto a vendo se animar. Sua mão deu um pequeno tapa em meu ombro. 

 

— Eu sou muito forte — Ela riu — E outra, luto com maiores que esse todos os dias. 

 

De fato, Love era boa, como se tivesse nascido para esse jogo. Certo dia encontramos um pequeno grupo de jogadores e dentre eles existia um ladino de nível 30 e mesmo ele não pode contra ela, quase como se não fosse a sua vida se resumisse a essa vida. 

 

— Love... Vamos nos separar e manter contato com o chat a distância — Sugeri novamente — Eu tenho certeza de que a primeira pessoa a achar ele vai ser você. 

 

Ela suspirou, frustrada enquanto pesava em sua consciência minha proposta com algo que eu jamais saberia. Por fim, ela sussurrou para que seu inventário fosse aberto sumonando uma poção de cura a oferecendo para mim — Aqui, pegue. 

 

— Nossa, isso é caro — Falei pegando o objeto cilíndrico pequeno de vidro que vibrava uma cor vermelha como sangue — Vai me dar de graça. 

 

— Use isso para não morrer — Seus olhos sempre tão vibrantes estavam opacos e mesmo o leve sorriso que transmitia era mínimo — Me avise caso o ache. Não entre em luta corporal com ele. 

 

— Sim chefe — Brinquei novamente enquanto absorvia para meu inventário o objeto místico — Estarei viva e bem dessa missão. 

 

E com um aceno leve, nos afastamos para lados opostos. Sem a loira ao meu lado parecia que tudo era mais incerto, no entanto, meus passos apressados e coração disparado não deixavam que eu desistisse de minha própria decisão. 

 

Eu pulava de galho para galho com velocidade enquanto evitava descer a todo custo de meu lugar mais seguro. As copas pareciam apenas manchas em meus olhos, a luz sendo absorvida deixando aquela uma das florestas mais sombrias que me aventurei naquela viagem. 

 

Enquanto o procurava senti a extensão de seu poder, uma mancha vibrante de áurea que somente não escapava de meus sentidos agora aprimorados com as milhares de aulas dadas por Love. Dessa vez avancei de forma mais cautelosa, no entanto, ainda em um ritmo veloz. 

 

Eu o sentia... Ele estava ali me atraindo com sua energia... Eu precisava pensar como ele antes mesmo de o ver... 

 

— Invocar espada — A chamei abrindo as mãos. Ela estava desgastada, logo desapareceria e ele seria meu triunfo final com essa pequena arma inicial. 

 

Senti quando meu corpo foi golpeado e olhando ainda assustada, pude ver seu tenebroso corpo musculoso e bestial próximo ao meu. Eu caia, infinitamente por entre os galhos em direção daquela sombria terra enquanto observava o seu movimento me acompanhar, a boca aberta tentada a me ter entre seus dentes. 

 

A espada ainda em minhas mãos foi empunhada com a lâmina para cima, ainda assustada com tudo o que estava acontecendo e com seus olhos sanguinários, precisava que a sorte estivesse ao meu lado para sobreviver aquele ataque. 

 

Eu deveria chamar Love, certo? Mas o que ela faria nesse momento? Minha queda era inevitável, mas ser morta e devorada não! Mas o que eu faria? Senti meu corpo reagir sem pensar muito, levantando a mão que não empunhava a espada na direção da criatura, senti o que seria uma vibração atingir meu corpo e dedos. 

 

Era fraco, quase irreal, mas a mesma fumaça que tomou o corpo do esqueleto de armadura invadiu os olhos vermelhos daquele lupino contaminando aquela cor perfeita os tornando meras manchas em um mar de tinta escura. Fechei meus dedos vendo a criatura imitar tal posição com a boca antes do impacto do chão agredir ambos os corpos. 

 

Ele estava caído sobre mim enquanto algo quente melava meus dedos que mantinham a lâmina — com muito custo — empunhada para cima. Imaginando que logo ele iria tentar me atacar, senti seu peso diminuir gradativamente enquanto se tornava poeira: eu havia matado ele. 

 

Usando a força de meu corpo para empurrar o restante de seu corpo para longe, suspirei entre o alívio e felicidade enquanto absorvia minha vitória. Sentia todos os músculos latejarem e observando minha mão esquerda, notei um pequeno rastro de poeira escura que me fazia questionar o que havia acabado de fazer. 

 

— Bem, eu sobrevivi — Sorri pensando se deveria avisar Love sobre ter matado a criatura de nível 30 ou apenas a chamar para onde eu estava. Me levantando, bati a poeira de minha calça e observei o cadáver esperando que a tela me desse a recompensa, mas ela demorou a aparecer — Hum... Será que a Love recebeu a notificação de missão concluída ou é outro erro de sistema... 

 

Pensativa, somente notei quando já era tarde. Meu corpo deslizou somente não caindo novamente por um pequeno fio, a vida de meu personagem diminuindo bruscamente enquanto sangue voava da região atingida. 

 

— Droga — Rosnei recuando alguns passos. Minha mão esquerda pressionando o braço ferido enquanto meus olhos abalados encaravam o real lobisomem de alto nível — Nem fodendo. 

 

Ele deveria ter mais que dois metros de altura, as patas traseiras servindo de apoio — algo que não era comum nesse tipo, afinal já matei alguns com Love — enquanto as dianteiras ostentando poderosas unhas mostravam o movimento que me acertou. 

 

O pelo era como a noite, no entanto, conseguia ver seus músculos trabalhados e as falhas que mostravam marcas de antigas lutas travadas. Esse seria difícil demais para lidar sozinha então tomando distância, chamei por Love. 

 

— Love? — Chamei notando sua demora em responder — Droga Love, eu estou quase morrendo. 

 

Será que eu havia sido abandonada? Mesmo sentindo muita dor em meu braço tentava manter o ritmo de meus passos, mas sentia que se arriscasse subir em uma árvore eu seria derrubada de uma forma ainda mais violenta. 

 

— Love? — Mais uma tentativa falha. Arfando, sentia a raiva de ter sido abandonada por minha colega, mas eu já não sabia que isso iria acontecer? Maldição! 

 

Idiota era eu por ter confiado que Love seria alguém legal. Idiota era eu de ter confiado uma segunda vez. Idiota era eu imaginando que apenas por ser um mundo fictício as pessoas seriam boas, afinal humanos são humanos não importa onde. Eu fui de fato uma tremenda idiota. 

 

— Invocar poção de cura — Falei entre dentes vendo o frasco se materializar sobre meus dedos. Sem demora o abri jogando seu líquido sobre meu corpo, principalmente o braço ferido que em instantes se recuperou — Invocar espada! 

 

Com o cabo em mãos, girei a lâmina a fazendo acompanhar o ritmo de meu corpo sentido a pressão que se chocou contra o metal no momento que parei de correr. Seus dentes abocanhavam a extensão fazendo a já gasta arma segurar seu golpe certeiro. 

 

— Droga, você estava muito perto — Ri de maneira nervosa, se tivesse demorado um segundo, teria novamente me ferido — Você é muito forte. 

 

Tentei mover a espada contra sua mandíbula, no entanto, aquela enorme pressão exercida não permitia que eu movesse ou sequer me afastasse. Era uma armadilha que parecia ser impossível de fugir. 

 

Queria ter alguma chance de escapar de sua mordida, como havia feito com aquele lobisomem de nível menor..., mas como havia conseguido fazer aquilo... O que era aquilo? Eu precisava descobrir e o quanto antes. 

 

Coloquei mais força em meus braços tentando ganhar uma forma de o derrubar. Escutei um som de algo trincando, ruidoso e amedrontador, não era sequer uma notícia boa quando os fios de uma espada se partindo começou a aparecer. 

 

Sem escolha, continuei a manter uma força sobre o cabo de minha espada a vendo romper em migalhas quando a criatura novamente avançou. Em desespero diante dos dentes afiados que vinham em minha direção, levantei a mão vendo uma nevoa negra se tornar um fio de energia, fino e irrelevante, atingir o topo de sua cabeça o fazendo parar por um segundo, mas tempo o suficiente para que eu pulasse para trás desviando de seu golpe. 

 

O monstro lupino avançou novamente e eu copiei o movimento de fuga, pulando e desviando sem descanso de cada investida. Mesmo que levantasse a mão, aquela onda negra parecia obedecer a um padrão desconhecido para mim, talvez tendo vontade própria. Eu pulei mais duas vezes, no entanto, quando fiz o terceiro movimento, sem dimensões concretas do que me rodeava, trombei meu pé contra uma grossa raiz de árvore me desequilibrando. 

 

Meu corpo foi ao chão, junto as esperanças de escapar daquilo. A dor tirou um pouco de vida, mas o movimento demorado fez o enorme lobo montar parte de seu corpo sobre o meu, seu peso destruindo as chances de me levantar e me fazendo me render ao gosto de fracasso, traição... Erro... Eu sempre fui um erro... 

 

Menosprezando minha própria existência, duvidando de qualquer feito que um dia fiz, mesmo que pequenos, fechei meus olhos deixando que lágrimas solitárias descessem por minhas bochechas. Eu não estava de fato viva aqui, poderia muito bem recomeçar uma, duas ou até mil vezes..., mas esse jogo era cruel, mostrava o que eu já vivenciava em meu mundo, fora de códigos de jogo e um visual antigo com seres mágicos... 

 

Talvez pensar na hora da morte desse uma sensação de tempo passando vagarosamente, ele não havia me matado ainda, mas pouco me importava com aquilo... Ou deveria... O peso se aliviou quando um grito veio rompendo aquela solitária e ruidosa música vivida da floresta: um grito feminino, exagerado. 

 

— SAI DE CIMA DE MINHA DISCIPULA! — Era ela, a voz dela com seu jeito de se achar superiora e suas manias de me chamar de aprendiz em momentos aleatórios. 

 

Então... Eu não havia sido abandonada... 

 

Abri os olhos, ainda molhados com as lagrimas que embaçavam minha visão, porém, os fios de ouro voavam com a brisa e as vestes farfalhavam enquanto aos poucos voltavam ao estado de inércia. Ela sorria, os lábios abertos e os dentes brancos a mostra com sua forma carismática de ser. 

 

— Desculpa o atraso, estava convencendo Akantha de vir — Love falou diante de meu silêncio, logo apontando com os olhos uma criatura encapuzada que segurava em suas mãos um cajado de madeira com uma antiga lamparina que irradiava uma cor vermelha — Levanta logo, vamos lutar juntas. 

 

— Estou sem uma espada — Revelei me levantando aos poucos, uma sensação estranha em meu peito, entre o alívio e raiva que me fez suspirar frustrada. 

 

Escutei quando algo caiu sobre as folhas secas ao meu lado e, movendo os olhos em direção do objeto, vi uma pequena espada de defesa próxima de minhas mãos, a lâmina vibrante e sem qualquer sinal de ter um dia sido usada. 

 

 

— Use ela — Love disse antes de se afastar, indo em direção do monstro que se levantava. Em seu pelo, ainda manchado de sangue, o ferimento se fechava deixando uma falha enquanto fios de carne se torciam e se moldavam em musculo e pele — Então é isso... Se não dermos um golpe para matar... 

 

— De fato — A figura agora não mais tão distante finalmente falou algo, a voz era feminina, mas profunda e reservada para si — Seria interessante poder tirar mais informações... 

 

Sentindo os olhos sobre mim, pouco podia ter acesso além de sua pele azulada como as de um lagarto, os dedos finos empunhando o cajado mágico que continuava sendo alimentado pela sua magia. 

 

— Você ainda está em um nível muito baixo para ter sobrevivido a algo como isso aqui — Mesmo o tom distante, tinha toques de curiosidade, não que demonstrasse descrença de que eu teria capacidade de fazer algo como isso, mas sim como havia conseguido fazer isso — Você parece ser muito boa no jogo. É sua segunda conta? 

 

— É minha primeira... — Respondi com receio — Você é Akantha, certo? 

 

— Sou sim e você deve ser Raven — Dessa vez gentileza, suas trocas de personalidade eram rápidas... — Bem... Eu tenho uma ideia, o que acha de você evoluir alguns atributos de seu personagem, Raven? 

 

— Como? — Franzi a sobrancelha, curiosa com o que Akantha poderia estar planejando. Batendo a base de seu cajado no chão, uma luz veio em minha direção como uma flexa me perfurando, porém, no lugar de minha vida ser tirada ou diminuir, as feridas foram absorvidas se tornando carne e pele — Você tem magia de cura! 

 

— Isso mesmo — Risadas vinham de dentro do capuz — Eu vou te curar toda vez que ele tirar vida então vai poder enfrentar ele o quanto quiser. 

 

Pensativa, abri um sorriso perverso vendo aquela arma próxima de meus dedos. Se eu poderia ter uma chance melhor do que essa era difícil de se imaginar e, Love já sendo de alto nível me fazia ficar muito para trás até mesmo em planos de fugir caso ela planeje me trair. 

 

— Eu aceito — Falei me levantando em um único movimento, os dedos pressionando a base da espada de defesa vendo a lâmina tomar o brilho dos raios que passavam pelas folhas das cheias copas das árvores para si.