Sofi já tinha lido cada palavra em cada livro, mas frequentemente voltava para ver se tinha perdido alguma coisa, algum detalhe por menor que fosse. Mas não todos os textos diziam categoricamente "Ressurreição é uma técnica possível apenas por deuses e seus escolhidos, mesmo que seja possível reanimar corpos nunca é uma reanimação verdadeira e sempre causa sofrimento caso usado com uma alma ainda no corpo embora resulte em mortos-vivos mais poderosos"
Não era isso que Sofi queria, ela queria reconstituir o corpo e deixar que a alma dele se integrasse novamente com ele, gerando assim uma ressurreição completa, não como aquela que deuses ou seus clérigos faziam séculos atrás.
Deixando o livro de lado ela pensou por outra perspectiva e olhou o frasco com os restos da poção que tinha salvado a vida de Matt. Ela passou a noite em claro verificando as propriedades para garantir que não tinha efeitos negativos, claro que não podia fazer um trabalho minucioso devido a falta tanto de reagentes quanto de amostras para comparar e falta de cobaias (não que ela fosse usar nelas mesmo que tivesse).
Mas segundo oque tinha conseguido até agora ela tinha certeza que nada na poção era danoso ou teria algum evento negativo. Logo ela pegou algumas gotas da poção e começou a verificar se sua composição poderia se manter de forma estável mesmo quando misturada com o líquido azul do cilindro.
Assim como na noite anterior ela não percebeu o tempo passar e quando terminou de verificar (apenas confirmar oque já esperava na verdade), já era tarde na noite. Segundo oque podia dizer considerando a posição da lua já era quase meia noite, ela não se espantou com isso já tinha ficado literalmente dias sem dormir pesquisando e testando novas fórmulas para manter o corpo dentro do cilindro fresco e confortável além de fórmulas para reconstitui-lo e trazê-lo de volta.
Ela voltou a atenção a nova poção que tinha feito, em teoria ela seria o suficiente para regenerar todo o corpo, mas não o suficiente para fazer com que o elo entre a alma solta e o corpo fosse restituído, então não poderia usa-la agora mesmo que tivesse certeza (oque na realidade não tinha) que iria funcionar.
Para Sofi criar algumas poções inferiores que fechassem arranhões, parassem sangramentos ou aprimoravam temporariamente um pouco o corpo não era difícil em si, mas criar poções mais sofisticadas que pudessem trazer membros de volta ou aprimorar o corpo permanentemente? Isso estava muito além de suas capacidades fosse antes da Corrupção fosse depois.
Ela ficou alternando o olhar entre o novo frasco, o cilindro e os livros, ela ficou tentando a verificar se funcionária, mas se o fizesse o corpo não caberia mais no cilindro, se a memória não falhava quando ele ainda estava inteiro (e vivo) ele tinha quase 1,85 consideravelmente mais que o cilindro suporta, ela ainda lembrava o quanto chorou quando teve que "reduzir" o corpo dele, já bem danificado para caber no cilindro.
Ela exalou e decidiu ir um pouco para fora, andando sem um rumo definido ela logo se viu outra vez na praça agora bem mais vazia, tendo só algumas tendas improvisadas mais afastadas e o som de alguns roncos e pessoas se mexendo em cobertores finos.
Sofi olhou para frente bem onde o pequeno templo de pedra, mais para um altar estava e ficou o encarando. Ela não percebeu oque fez até sentir andor passando pelo punho cerrado que usou para bater no mesmo.
O som de sua carne acertado a pedra foi baixo, quase inaudível, tanto quando o sussurro que deu.
"Porque não podia ter sido antes, porque?.... Porque Agora... porque não consegui fazer nada, porque... ainda não consigo?..."
As lágrimas voltaram ha cair outra vez enquanto ela repetia porque a cada soco que dava, a parte racional da mente dizia que não importava o quanto perguntasse não teira resposta, que ficar batendo na pedra apenas machucaria sua mão, que nada do que fosse fazer faria realmente alguma diferença.
Mas essa parte do celebro era bloqueada pelas memorias que ela sempre tentava suprimir tendo como apoio seu objetivo e mais recentemente as novas boas memórias que fez nesse pequeno vilarejo que antes deveria ser apenas uma parada mas antes que percebesse virou seu lar, algo que não tinha há séculos.
Sua mão já sangrava e quase era possível ver os ossos dos dedos e punho, quando sentiu alguém segurara-la antes de dar outro. Espantada com a sensação Sofi levantou o virou o rosto e viu o de Constance olhando preocupada e com tristeza para ela.
"Não posso responder o porque de tudo que aconteceu. Nem sei dizer pelo que você já passou... Nem se alguma coisa que eu possa dizer vai ajudar. Mas sei de uma coisa Sofi" a jovem que mau entrou na vida adulta disse com a baixa e cheia de emoção, tinha tanto tristeza quanto resignação na voz e se prestasse atenção era possível também notar um pouco de raiva.
"Independente do que você sinta, você sempre pode contar com a gente." Sofi estava prestes a dizer algo mas Constance a cortou antes. "Não! Não, estou dizendo da boca pra fora, então não se atreva a dizer que não entendo ou que não podemos fazer nada para ajudar. Sim provavelmente não poderíamos realmente fazer nada e podemos não entender realmente oque esteja acontecendo. Mas podemos ficar com você e aguentar o peso que tem que carregar junto com você."
Constance parou um pouco e respirou fundo antes de continuar.
"Você sabe que não tem que suportar tudo sozinha, você já tem estado com a gente a anos e já deveria. Não, você já sabe mas não se deixa compartilhar esse fardo, e eu não sei porque, não sei se decepcionaram você ou se você acha que decepcionou alguém. Mas entenda, aqui você nunca fez nada além de ajudar então deixe nos ajudarmos você também mesmo que um pouco que seja." ela disse em um tom que não deixava espaço pra negação mas Sofi ainda assim já tinha a recusa pronta na ponta da língua e estava prestes há dize-la para a jovem impertinente que ela mesma também viu crescendo desde que nasceu.
Nesse instante ela percebeu o óbvio, ela viu essa jovem crescer literalmente desde o instante que nasceu, ela ajudou no parto dela, e antes dela do irmão, e antes do irmão viu os pais de ambos se apaixonarem e viu o garoto que se embrenhava na floresta se tornar provavelmente oque seria o melhor caçador que ela já tinha visto (e ela já teria visto muitos mesmo), viu o casal jovem que a tinha acolhido quando estava ferida e exausta envelhecer e virarem dois idosos.
Viu o pequeno vilarejo sempre pacato, enfrentando diversos problemas desde seca há pestes, doenças e enchentes, há tufões e coletores de impostos impiedosos e ainda assim continuar com o mesmo ar de serenidade e acolhimento que tinha desde o primeiro dia, ar esse que mesmo quando a magia era mais "comum" e as pessoas em geral eram mais "ricas" poucos lugares tinham e nenhum lugar que já foi tinha o mesmo ar que aqui.
Nem mesmo Sofi sabia oque estava prestes a dizer, mas seja oque fosse morreu na garganta e logo foi substituído por soluços enquanto deixava o corpo cair no chão, mas foi segurada por Constance mostrando uma força que nem a mesma sabia que tinha, segurando a mulher mais velha enquanto essa se permitia pela primeira vez em séculos ficar vulnerável na frente de alguém.