— Caramba... Eu me sinto mais vivo agora. Obrigado, menina.
Tsukiama Aihou agradeceu a Yuki que sorria contente. Logo em seguida ele questiona algo:
— Você não é deste mundo, é?
— Depende do que você considera "mundo". Bem... Sim.
— Entendo... He, he. E pensar que fui consolado por uma garotinha. — o homem suspirou cansado. — Mas eu sei o que vi... Você não é o que as aparências indicam. Uma menina como você não deve existir neste mundo. É um mundo cruel demais.
— É por isso que eu existo. Eu detesto poucas coisas e pode-se contar nos dedos. E com certeza uma das coisas que mais detesto é a crueldade.
Em seguida, Yuki franziu o cenho seriamente a ponto do Sado se surpreender.
— Não suporto viver em um mundo onde há tanto mal...
— ...
Ele não esperava ver ela assim. Seria esse o real sentimento interno dela?
Era verdade que havia tanta maldade no mundo, e uma menina boa como ela, com tanto potencial em fazer o bem, só poderia estar em lados opostos à maldade.
De qualquer forma, o jovem ponderou calado sobre outra coisa.
"Ela faz isso com todos?"
Em sua mente estava a cena que acabou de ver, onde Yuki consolou o homem que chorava em sei peito magro enquanto ela acariciava os cabelos dele.
Não soube o porquê, mas sentiu certo incômodo no interior do seu peito.
Então, percebendo que era encarada pelo Sado ao lado, Yuki sorriu para ele.
— Tá tudo bem aí, Sadinho?
— Huh? Sim, tudo certo.
Pego desprevenido pela pergunta dela, Sado um tanto desnorteado, respondeu qualquer coisa, apenas para desviar o foco da dúvida da garota.
E milagrosamente funcionou, tendo em vista que Yuki assentiu.
— Beleza. Agora... Senhor Tsukiama.
— Sim!
Ela moveu o curso da atenção ao homem de gravata.
— Nos ajude a resolver esse caso. Leve-nos até local do incidente por favor.
— Certo. Eu os levarei então.
♧◇♧◇♧◇
Eles saíram do prédio sem muitas inconveniências que os atrapalhassem e agora se encontravam andando enquanto seguiam o homem.
Yuki fazia várias perguntas à ele.
— Como era o seu colega de trabalho?
— O Nakamura, ele... Ele era um jovem animado. Como novato e o empregado mais novo da firma, ele era como um raio de luz para todos e procurava dar o seu melhor em tudo. Porém, não se sabe como, tudo mudou de um dia para outro...
O semblante do homem era o de quem reavive memórias antigas e sente pesar em lembrar-se delas.
Embora fosse duro para ele contar todo o caso, Yuki tinha que saber das informações. Ela não foi incisiva ou maldosa quando questionou:
— O que aconteceu com o seu colega de trabalho, o Nakamura?
— Eu não sei... O seu brilho desapareceu de repente e tudo se tornou estranho para nós que convivíamos com ele o tempo todo, todos os dias praticamente.
— O que era estranho, além da perda do seu brilho, o seu humor?
— Nakamura mudou completamente, isso era o estranho. Antes era um jovem de vinte e poucos anos de idade, bastante animado e esforçado. Depois pareceu um garoto assustado com coisas psicológicas do qual não sabíamos de que se tratavam. Já tentamos aconselhar ele para um psicólogo, mas ele gritava assustado segurando a cabeça. Gritava sobre algo estar chegando e que o perseguia e o induzia a fazer coisas para ele...
Yuki afinou os olhos escutando o depoimento do homem. Ele continuava:
— Era estranho. Só era estranho. E só se animava um pouco quando bebia, e logo, Nakamura que não era adepto ao álcool, passou a beber sem parar e se tornou agressivo, inconsequente e teimoso. Começou a falar besteiras e amaldiçoar a todos como se soubesse do que estava fazendo.
— Então foi naquela noite de quarta-feira que essa loucura toda atingiu o seu ápice.
Segundo a história antes contada pelo Tsukiama no escritório, sua esposa foi levada por figuras bizarras que só poderiam ser descritas como aberrações de outro mundo. E foi nessa noite, 12 de setembro, que ele conseguiu sair com vida das mãos do desfigurado Nakamura que tinha aparência de cadáver.
Um cadáver que se expressava, falava e gesticulava mesmo com a boca completamente desfigurada.
Dificilmente esse momento sairá da memória de Tsukiama, e Yuki sentia pesar por isso. Mas ela tinha que continuar.
— Senhor Tsukiama, você nos disse que brigou com ele na noite em que toda essa tragédia ocorreu, certo?
— Sim... E eu me arrependo muito.
— Entendo sua dor, mas poderia nos levar ao bar que estavam bebendo antes de se separarem pela discussão?
— Sem problema algum. Eu os levo. Fica perto do trabalho.
O último momento em que ambos estavam reunidos. Talvez encontrassem pistas sobre o caso por lá.
O paranormal tende a sempre deixar um rastro, e Yuki sentia com seu nariz esse rastro. Tudo o que Tsukiama dizia estava sem dúvidas sendo coerente.
O cheiro que incomodava suas narinas e agitava o seu espírito. Esse mesmo cheiro era idêntico às maldições parasitárias que ela encontrou no dia 13, posterior a sua consulta com o velho Nikola Tesla, quando se deparou com o morador de rua.
Ela não perdoaria quem fez tudo isso.
— Eu juro... Àqueles que propagam o mal não serão tratados com tanto carinho.
♧◇♧◇♧◇
— Caramba, esse lugar fede a cigarro.
Ao chegarem no bar, quem deu a primeira impressão sobre o estabelecimento foi Sado Yasutora que torceu o nariz com o cheiro viciado impregnado por todo o local.
Cadeiras e mesas vazias eram vistas no interior. A balconista era uma mulher de meia idade que foi conservada pelo tempo.
Vendo que clientes entraram no bar, ela os recebeu do balcão.
— Ora, ora, trouxe seus filhos ao meu bar? Não sirvo bebidas à crianças. Tenho água e suco se eles forem beber caso peça comida. O cardápio está logo aqui.
O trio foi logo se aproximando. Quem deu a palavra foi Tsukiama.
— Não me tache de velho pra acabar tendo um filho do tamanho desse moleque aqui.
— Eu tenho dezoito anos, tia. Sou maior de idade na maioria dos países. — revelou, Sado. O que não ajudava muito visto que estavam no Japão, onde a maioridade continuava sendo de 20 anos.
— E quem é a menininha ali?
— Ela tem dezesseis anos, tia, apesar do tamanho.
— É cada uma que me aparece. Vai querer causar confusão no meu bar novamente, Tsukiama?
— Eu juro que não vim com esse intuito, sabe...?
Enquanto uma conversa se desenrolava ali entre a mulher do balcão, o Sado e o homem de meia idade, Yuki que foi atingida por sensações semelhantes das quais sentiu dentro do prédio da firma, se afastou dos demais e começou a analisar o chão no centro do bar.
Se agachando ali, ela tocou com seus dedos brancos a superfície gélida de madeira como quem reflete sobre algo.
Sado percebeu isso e, desinteressado pela conversação que se sucedia entre Tsukiama e a dona do bar, se aproximou de Yuki com passos curtos.
— Yuki, encontrou algo?
— Como imaginei...
Ela se ergueu após concluir algo, e então olhou para Sado.
— Você destruiu até mesmo os resíduos deixados pelo mundo sobrenatural aqui no nosso mundo. Agora que se aproximou, o meu rastro desapareceu por completo.
— Ahg. Me desculpe... Eu não sabia que podia fazer isso.
Ele se afastou um pouco se sentindo culpado pelo ocorrido inconsciente.
— Tá tudo bem. Isso só serviu pra saber que de fato existia um rastro aqui. Seu Tsukiama, foi aqui que vocês confraternizaram após o trabalho?
— Sim... Eu, minha esposa e os meus colegas de trabalho... Aí foi onde eu briguei com ele.
— Eu vejo...
Yuki Sato era boa em reter memórias, e misturado com os rastros que sentia antes, ela era capaz de formular conclusões precisas sobre os eventos.
Ela olhou a porta dos fundos como que analisando e se dirigiu até ela.
— Com licença, só estou verificando.
— Ei, Yuki, quer que eu vá junto? — pergunta o garoto.
— Sado, fique aí. Como você não controla o que ocorre entre você e o paranormal, devemos evitar que você entre em contato com as possíveis pistas e provas do evento.
Ele fez beiço se sentindo deixado de lado, mas para que ele não fosse atingido por isso, Yuki deu a ele outra ordem.
— Fique aí e assegure-se de que o senhor Tsukiama estará em segurança, tudo bem?
— Claro! Pode contar comigo!
Ele bateu corajosamente no peito estufado de orgulho e Yuki lhe ofereceu um polegar antes de finalmente sair do bar pela porta dos fundos.
Assim que ela saiu ele cruzou os braços se perguntando rudemente: "O que eu posso fazer agora?"
Concluiu ele que ao menos iria se sentar em um dos acentos do balcão e escutar a conversa do homem e da mulher até que Yuki retorne.
Logo, a bela menina de olhos coloridos seguiu pela rua à céu aberto se dirigindo pela intuição enquanto corria.
— Isso não me parece algo normal como qualquer maldição abstrata.
Ela não sabia o que era até ver o fenômeno, mas tinha certeza de que estava lidando com algo superior às que ela purificava em santuários e cemitérios.
Algo alheio até mesmo pela usuária de Tarô que foi derrotada noite passada.
Então ela parou.
— O beco.
Ao lado da rua existia um beco não muito distante do bar onde estavam. Dirigindo sua atenção para as profundezas desse local estreito, Yuki foi subjugada por uma ânsia de vômito que se revirou em seu estômago.
Pondo a mão na boca ela ficou em choque.
— Que sensação pútrida e anormal é essa!???
Um mal oculto exalou do interior desse espaço estreito. Yuki caminhou lentamente pelo caminho que levaria até o final do beco.
As paredes pareciam apertadas, dando a ilusão até mesmo de que algo se escondia ali. Algo antigo.
Conseguindo conter a ânsia, ela resfolegava um pouco abalada com o peso estranho que tomou o lugar.
Parecia entrar pelos portões do inferno.
A cada passo, ela sentia uma sensação avulsa de dor, agonia, desânimo, tristeza, desesperança, loucura e descrença.
Sentimentos turvos e consumidores tentavam invadir o seu coração isento de tal maldade.
O ar era pesado a ponto do seu corpo querer correr e se esconder.
O que era isso? Onde ela estava se metendo?
"Pensei ser um caso de maldições, mas acabou se tornando algo muito além do que eu poderia imaginar."
Com seus pensamentos conflitantes e tomados pelo desconforto ela chegou até o fim do beco, onde seus olhos se arregalaram.
— Isso é...!
Na parede havia um enorme círculo mágico com diversos sinais estranhos desenhado com uma tintura vermelha.
O cheiro ferroso denunciava tudo. Era sangue.
Alguém ou algo havia usado sangue para desenhar um círculo paranormal e se conectar com o mundo invisível.
Só de olhar para esse círculo paranormal ela se sentiu amplamente corroída por dentro.
Um círculo mágico? Não.
Paranormal? Sim.
Maldição? Não.
Não era maldição. Ela estava enganada. Era algo muito muito superior a esse mero aspecto.
— Não é maldição coisa alguma!! — berrou.
Seus olhos em choque, desacreditada da realidade.
O ar denso capaz de envenenar a alma e enlouquecer toda mente asfixiava seus pulmões a ponto de doer.
A garota rapidamente puxou sua manga do casaco expondo seu braço direito.
— Muito além de qualquer maldição! Isso é demoníaco!
O mundo parecia perder suas cores.
O mundo parecia invertido.
O mundo parecia distorcido.
O mundo parecia corroído.
— Bereshit bará Elohim et hashamaim ve-et haáretz!! (No princípio criou Deus o céus e a terra).
O mundo estava quebrando.
O mundo estava entrando em cacos.
O mundo estava se estilhaçando.
— Veha'arets hayetah toú vavohu vechoshech al-peney tehom veruach Elohim merachefet al-peney hamayim!! (E a terra era sem forma e vazia; e havia trevas sobre a face do abismo; e o Espírito de Deus se movia sobre a face das águas).
O mundo estava colapsando.
O mundo estava submergindo.
O mundo estava se afogando na escuridão.
O mundo teria um fim.
— Vayomer Elohim Ye'hy or vayéhy-or!! (E disse Deus: que haja luz...)
O mundo colapsou como um pedaço de vidro caindo no chão.
"...e houve luz".
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— Eu fui deixado pela Yuki aqui nesse bar pra nada só por causa dessa habilidade que não é superpoder mas age como se fosse um superpoder. Tão me fazendo de palhaço!?
— Tá falando sozinho, Sado?
— Opa?
Pego de surpresa enquanto puxava os seus cabelos, ele vê que alguém apareceu de repente e parou próximo ao seu lado.
Cabelos brancos, estatura baixa a ponto de ser confundida com uma criança do fundamental.
— Eaí, belezinha?
— Ah, Yuki, é você. Não vi que chegou.
Ela sorriu pra ele de forma relaxada com as mãos nos bolsos do casaco.
— Então, conseguiu comer bem?
— Quê? Não... Eu não pedi nada no bar. Você voltou até que bem rápido então nem me veio em mente a vontade de pedir algo. Estamos em uma missão secreta, né não?
Sado respondeu assim, sentado no banco enquanto olhava para a figura da menina que chegou de repente.
Yuki ergueu uma sobrancelha e apontou para algo ao lado dele.
— E essa sacola aí cheia de coisas e embalagens plásticas? Te dei o dinheiro pra isso afinal.
— Hein? Como assim, Yuki, isso...
Olhando para a direção apontada, Sado Yasutora ficou confuso.
Havia uma sacola plástica ali.
— Não pera... Isso...
Uma sensação dormente se instaurou dentro do seu peito, como se algo realmente ruim estivesse acontecendo agora.
Não só isso, mas percebeu que havia brisa do vento de mais para um lugar que antes fedia a cigarro e supostamente estaria fechado.
Foi então que ao piscar os olhos algumas vezes, ele olhou ao redor.
— Tá brincando, né...?
Se erguendo do banco, a visão de um bar sob quatro paredes já não existia mais.
Ao invés disso era um parquinho à céu azul, onde pais brincavam com seus filhos e carros eram conduzidos na rua ali perto.
— O que tá havendo aqui...? Por que é a mesma cena de quando eu sai do hospital hoje de manhã...!?
O ar desconfiado soprou fazendo seus cabelos balançarem.