Reunindo-se com o seu grupo de amigos na fonte, Gabriel ficara sentado em um espaço que lhe dava a visão exata de certa tabebuia onde um ômega costumava se sentar. Para o seu deleite, ele estava lá lendo livro e ouvindo música, completamente imerso em seu mundo imaginário. Tudo bem, vez ou outra Theodore erguia os olhos para cumprimentar alguns alunos, mostrando a eles o seu sorriso. Ainda assim era uma bela visão.
Recebendo um cutucão de Milles que lhe dirigia um sorriso malicioso, o alfa rira baixo voltando a prestar atenção na conversa entre os demais. No entanto, ela fora interrompida quando Thunder e Boyle assistiam a chegada de Nicolas, indo ao lado de Theodore e se deitando ao seu colo.
Nada novo sob o sol. Tirando o fato de dois alfas espreitarem os olhos para aquela cena.
— Deixa eu contar pra vocês. — Murmurava Thunder, fazendo com os demais se aproximassem para ouvi-lo melhor. — Ontem durante o castigo eu vi o Nicolas e o Theodore ficando.
— O quê? — Berrava uma das amigas de Sadie. — Eles estão... Juntos realmente?
Gabriel sentira todo o seu corpo se aquecer. Não um calor excitante e repleto de paixão como tinha sentido nos últimos dias, mas algo furioso como um trem desgovernado. De imediato procurara os olhos de Milles, que perdia toda a cor de seu rosto em pura surpresa. O alfa cutucava o braço do seu amigo discretamente, o vendo piscar aturdido e mirá-lo ainda pálido.
Movendo o queixo em uma pergunta silenciosa do que poderia estar acontecendo, Milles apenas negava com a cabeça.
— Tô te falando! Enquanto eu e o Boyle terminava de limpar o banheiro ele foi pra janela ficar de namoro. Eu vi ele se abraçando e se beijando. Eu senti o cheiro de ômega de longe.
— Por que estão surpresos, a gente sempre desconfiou que eles tivessem alguma coisa. — Resmungava Sadie com um ar vitorioso — Isso é bom, pelo menos eles podem nos deixar em paz. Aqueles dois se merecem.
— Aquele baixinho sempre me pareceu torcer pro time errado. Deveria ter suspeitado mais um pouco. Sei lá... Eu gostava dele.
— Eca! Os dois estão sempre juntos. É claro que devem estar se pegando.
— Dá pra calar a boca? — Reclamava Milles repentinamente, recebendo olhares confusos de seus amigos.
— Que bicho te mordeu Milles? Ultimamente você está estranho. — Reclamava Sadie cruzando os braços para o irmão.
—Parem de falar sobre esses dois, que inferno. Só sabem falar disso?
— Iiiiih, qual é? Tá defendendo eles agora?
Milles bagunçava os cabelos rosnando alto. A roda de amigos se afastou sem conseguirem compreender o que havia com aquele garoto. Uma hora parecia rir junto e logo em seguida estava todo zangado. Gabriel não jugaria a confusão, pois estaria no mesmo barco caso não soubesse exatamente o motivo de Milles mudar tanto em tão pouco tempo.
Ou melhor, ele compreendia muito bem!
Queria poder gritar e rosnar como Milles. Deixar claro a raiva que sentia só de imaginar Theodore beijando outra pessoa que não ele mesmo. Pelos céus, não ficara o esperando na noite passada já que seus pais iriam jantar em casa. Se não teria ficado na escola só para... Para...
O que ele teria feito?
Certamente não resistiria a Theodore. O beijaria intensamente. Tocaria seu corpo e se embebedaria em seu cheiro. Precisaria se controlar, o que era uma missão quase impossível. Só poderia afirmar que por algum tempo muito limitado seguraria o seu mundo nos braços.
— Tá rolando alguma coisa que a gente não sabe é? Outro dia ao invés de nos defender, você me empurrou. Eu não esqueci disso. — Rosnava Thunder.
Milles virou-se para o amigo e se aproximou dele.
— Eu é quem deveria perguntar que merda tá rolando contigo pra sair puxando briga com o capitão do nosso time em plena eliminatória. Ontem tu quis puxar briga até com o Theodore.
Thunder virou a cabeça para Gabriel, como se o culpasse por ter sido parado no dia anterior. Era óbvio que não deixariam tocar em Theodore. Só de virar o corredor e ver aqueles meninos do primeiro ano tão perto dele foram o suficiente para acabar com o seu dia. E toda aquela conversa deixara claro que o ômega estaria bravo consigo.
Na verdade, Gabriel nem fazia ideia do que acontecera no dia anterior. Não tivera tempo para conversar com o loiro e esclarecer a situação. De acalmá-lo e garantir que já tomara a sua decisão.
— Vocês dois estão estranhos. Qual é Milles, você deixa eles falarem daquele jeito com sua irmã?
Rolando os olhos, Milles olhara para a irmã mais nova.
— Então é você quem tá fodendo com o meu time?
— Mas eu nem fiz nada!
— O técnico avisou que desde as eliminatórias haverá olheiros de universidade nos assistindo. — Respondia Milles parecendo ter dificuldade em manter a compostura. — Diferente de vocês que tem mais um ano, eu só tenho alguns meses. Essa é minha última chance de conseguir alguma bolsa pra faculdade, e você, Thunder, está fodendo isso.
— Eu não...
Gabriel reconhecera aquelas sobrancelhas cerradas e rosto vermelho. Quando a raiva atingia seu limite e a consciência fazia um grande esforço para mantê-la contida. O fogo era transmitido na voz rouca e entredentes, os olhos arregalados e punhos cerrados. Imediatamente Gabriel se manteve próximo segurando o ombro do amigo para o caso de algo dar errado e afastá-lo.
— Foda-se que você tá afim da minha irmã, pode ficar de joelhos perante ela. Mas não estrague o que é meu. Ou farei questão de nunca mais veja a sombra dela. — Virando-se para Sadie, Milles apontava o dedo. — Em casa a gente conversa. Se tu fizer alguma gracinha com qualquer cara do meu time, será teu fim.
— Você está me ameaçando?
— Acha que tenho paciência só por ser minha irmã? Relevei tuas bostas justamente por isso, mas esse não é o momento pra tu ficar de putaria por causa de suas paquerinhas, Sadie. Meu capitão, meu assistente e meus jogadores estão proibidos de serem seus brinquedos enquanto eu não ganhar a maldita bolsa pra faculdade. Entendido?
Jogando a bolsa por cima dos ombros, Milles dera as costas ao grupo de amigos. Gabriel respirara fundo olhando os demais que pareciam completamente surpresos em ver o carismático Milles em chamas.
Quando Sadie o olhara prestes a chorar, o rapaz relaxara os ombros. Era apenas uma garota adolescente que não fazia ideia do inferno que o irmão mais velho estava passando. Apesar de que Gabriel gostaria de aplaudir ao seu melhor amigo, pois ele disfarçara bem os ciúmes.
— Eu fiz algo errado pra ele, Gabi?
— É claro que não Sadie! — Respondia Thunder, ficando na frente de Gabriel segurando as mãos da menina. Mas ela desviara os olhos e começara a chorar, puxando as mãos do rapaz.
Os amigos que ali ficaram começaram a chamar Gabriel com os olhos e moverem a cabeça para que ele fosse abraçá-la. Queriam juntá-los isso era óbvio, mas o alfa não se sentia a vontade. Dando um passo para trás, tudo o que pudera fazer fora direcionar palavras.
— Vocês precisam entender que não são os únicos a serem afetados por suas ações. Eu te falei Thunder, perder a cabeça aqui na escola não é uma boa.
— A gente só estava falando dos meninos, isso não é nada demais.
— É nada demais porque vocês não percebem o que é óbvio. — Pesara Gabriel pegando o skate que Milles largara. — Sinto muito, mas Theodore é meu amigo e eu não gosto que fiquem falando mal dele.
— Ah, então é por isso...
Sadie puxara o pulso de Gabriel afastando-se da roda amigos. Ainda no pátio, mas mais afastados da aglomeração de estudantes ela pode olhar diretamente nos olhos do alfa.
— Theodore é gay, Gabriel. — Respondia Sadie, com manchas escuras do rímel borrado escorrendo em suas bochechas. — Você não tem noção do quão perigoso ele é. E se ele te seduzir? Ou seduzir a Thunder? Ou qualquer outro menino daqui?
— Seduzir? Então está tudo bem você ficar se jogando pra cima de mim, enquanto é condenável Theodore ser apenas meu amigo? — Explodia Gabriel para Sadie sem ousar erguer a voz. — Todo mundo aqui só me empurrando em sua direção, sem nem me perguntarem se por acaso eu gosto de você.
— Eu não fico me jogando em cima de você.
— Sadie, por favor. Até o seu irmão sabe disso.
Incomodado em ver aquele rosto todo borrado, Gabriel retirou um lenço do bolso da calça e estendera para a garota enxugar as lágrimas. Com um bico irritado nos lábios, ela aceitara para se limpar.
— Você é uma boa garota e eu gosto de ter sua amizade. Mas isso é tudo.
— Por que você não pode gostar de mim? E outra, sempre defende aquele... — Com o espreitar de olhos de Gabriel, Sadie repensara um pouco antes de continuar — ômega.
— Respeito acima de todas as coisas, Sadie. Olha, peça desculpas pro seu irmão e convença Thunder a não arranjar problemas pro time.
— Tudo bem em pedir desculpas pro meu irmão, mas o resto não é problema meu.
— Você sabe que o Thunder gosta de você, Sadie. Não seja covarde em ficar brincando com os sentimentos dele. Seja direta se não gosta dele. Ele ficar arranjando briga com o capitão e com o Theodore não é legal. Isso tá virando um circo já. — Suspirando, ele afagara a cabeça da garota, lhe mostrando o cavaleiro sorriso — Eu sei que você é uma boa garota, gentil e bonita. Você consegue superar esses sentimentos. É mais forte do que pensa.
Dando as costas para a garota e acenando para os demais amigos, Gabriel logo fora atrás do melhor amigo lhe devolver o skate e perguntar como estaria. E não fora um grande problema procurar Milles. Havia um lugar onde poderia buscar ar puro pra esfriar a cabeça sem ser incomodado. E era o lugar onde eles costumavam ter suas conversas particulares.
Atrás da escola.
Indo para aquele canto recluso, Gabriel sorria ao ver o amigo sentado no gramado encarando o céu parecendo perdido em pensamentos. Pela primeira vez notava que Milles havia mudado, e muito, desde o acontecido na quadra de vôlei. Provavelmente ele também teria mudado já que aquele beijo, apesar de não ter sido consigo, despertara os seus desejos sobre Theodore.
Silenciosamente Gabriel sentou-se ao lado de Milles deixando sua mochila e o skate de lado. Abraçando seus joelhos, olhara o alfa que o fitava de canto.
— Qual foi?
— Estou me perguntando o que pode ter acontecido ontem à noite pra te deixar tão bravo.
Milles coçara a nuca e resmungara logo em seguida.
— Tá, tá, o Thunder viu a mim e não o Theodore. Como você pode ficar calmo?
— Não estou calmo. — Ria Gabriel desviando o olhar. — Na verdade senti um terror muito grande só de imaginar aquela cena. Mas o jeito como você reagiu dispersou isso, então...
— Eles vão descobrir logo logo sobre a gente. Eu não quero nem pensar o rebosteio que vai dar. Provavelmente meus pais vão saber, e se a gente já tem se estranhado ultimamente, essa seria a cereja do bolo.
— Na verdade, eu contei pra minha mãe. — Ria Gabriel, principalmente quando Milles virou-se depressa para si. — Ela aceitou numa boa, apesar de eu não poder dizer o mesmo do meu pai.
— Como ele reagiu?
— Minha mãe falou pra eu não comentar nada por enquanto. Mas ela reagiu bem. Na verdade, meu avô materno e meu tio são ômegas.
Milles soltara um "ah" tão suspirado, que Gabriel pudera compreender o fio de raciocínio que acompanhava. Chegara a abafar o riso em notar que seu amigo compreendera muitas ações suas com aquela simples revelação.
— Conversa com eles então?
— Não muito. Meu pai não gosta que eu vá visitá-los. Acho que a última vez que os vi foi... Quando eu tinha uns dez anos. Sei lá.
— Seria bom conversar com alguém mais velho. Eu pelo menos fico perdido pra caralho. Não sei o que fazer, Biel. Se toda vez que o nome do capitão for mencionado e eu reagir desse jeito, irão descobrir. Sinceramente... Tenho medo do que pode acontecer.
— Estamos perdidos. Mas seja lá o que for acontecer, estarei contigo. — Gabriel estendera o punho para o amigo, o vendo sorrir de canto e imitar o gesto para trocarem um soquinho — Amigos pra qualquer merda.
— Amigos pra qualquer merda.