A bagunça rendera boa parte do caminho, pois fora cessada pelo professor pedindo que guardassem suas energias para as partidas. E então uma hora depois finalmente o ônibus estacionava em frente a um ginásio movimentado.
Os estudantes desceram se espreguiçando olhando em volta com grandes expectativas. A sensação de ter retornado para cidade grande já deixava Gabriel angustiado. Até mesmo as ruas barulhentas lhe incomodavam os ouvidos.
E assim como antes, seus olhos procuravam por uma certa cabeleira loira desarrumada que seria responsável por cinquenta por cento do seu nervosismo.
Ora essa, os outros cinquenta por cento foram causados pelos demais times que desciam de seus respectivos ônibus. Diferente de sua escola que parecia um bando de turistas que nunca viram prédios grandes, os demais times andavam de nariz empinado.
Emanavam uma energia completamente diferente.
— Então, como se sente em estar de volta à cidade grande?
— Calor dos infernos, já quero voltar pra casa. Fico me perguntando quem será nosso adversário?
— Um time irrelevante, é claro.
— Ora ora, se não é o fantástico Mckenzie.
Gabriel e Milles se viraram para o sujeito alto de sorriso sarcástico. Parecia um beta qualquer se não fosse pela aura esplendorosa que emanava. O uniforme branco e dourado parecia aumentar a nobreza do sujeito.
— Nos encontramos de novo, Maicon.
— Vejo que o time tem caras novas esse ano. Será o suficiente pra finalmente nos vencerem?
Milles cruzava os braços sobre o peito, ficando perto do outro jogador. Fazendo uso de sua corriqueira implicância, exalara seu cheiro mostrando a predominância de um alfa que está sedento em conquistar um território. Maicon, por sua vez, apenas abanara a mão afastando o odor.
— Parece que não viu a chave desse ano. Terá de vencer dois adversários antes de declarar guerra com a gente. Será que consegue? Seu time parece... Um bando de perdedores nato.
— Está latindo cedo, Milles.
A quarta presença chamara a atenção dos dois atletas briguentos. O mau humor e o olhar cansado que se colocava ao lado do alfa loiro analisava Maicon de cima à baixo.
— Quem é a figura?
— Se eles vencerem, podem nos enfrentar nas quartas da eliminatória. Qual era o nome do seu time mesmo? Ah, pouco importa.
Maicon revirava os olhos para Milles, passando a focar no baixinho que o fitava mortalmente.
— Ainda está com esses pé rapados? Pensei que tivesse ganho consciência e vazado pra outro time.
Gabriel percebera seu amigo tensionando os músculos e o seu sorriso transformando-se em uma máscara mau feita. Por outro lado, o capitão não esboçara nenhuma reação óbvia.
— Quando os times da cidade grande se tornarem boas o suficiente pra merecer a minha presença, quem sabe. Até lá, fico onde tenho controle.
— Então está com eles só pra manipulá-los? Que difícil a sua vida, Howard.
Nicolas abria um sorriso ladino e malicioso ao se aproximar de Maicon. Lentamente uma aura assassina parecia envolver o mais baixo, causando arrepio nos três outros híbridos.
— Como capitão eu torno meus garotos verdadeiras armas na quadra. Deveria lembrar disso, já que a sua escola perdeu para a nossa no ano passado.
— Tsk, e nem foram para o campeonato estadual.
— Muito menos vocês. — Sorria Nicolas debilmente. — Se quiser nos ameaçar, ao menos vença as partidas para nos enfrentar.
O treinador do outro time chamara Maicon para se ajuntarem, tendo o rapaz se afastado sem dizer uma palavra. Desfazendo o sorriso malicioso, Nicolas suspirava pesado baixando os olhos para os papéis que segurava antes de se virar para os dois alfas.
— Terminaram de arrumar briga desnecessária?
— Se fosse eu quem tivesse começado, até responderia a sua pergunta.
Nicolas revirou os olhos e passou a ler as instruções do técnico.
— Repassando a nossa agenda, a primeira partida será às 10h e a segunda às 15h. Agora de manhã ficaremos juntos, e depois vocês poderão ver as outras partidas.
— Ué, pensei que o responsável pela nossa agenda fosse a sua esposa. Está solteiro hoje?
Gabriel mordera os lábios reprimindo a vontade de brigar com seu amigo, pois sabia que Milles apenas queria provocar Nicolas. O que dera certo, já que o capitão fuzilava o alfa com o olhar.
— Mesmo se estivesse aqui eu não deixaria ele respirar o mesmo ar que você.
— É bem ciumento.
— Está admirado? — Retrucava o mais baixo — Afinal... Nem mesmo as cocotinhas que tanto te admiram são capazes de serem ciumentas no mesmo nível que eu. Aliás... Acho que nenhuma pessoa do seu círculo social deve sentir ciúmes de você, porque sabem ser um desperdício de energia.
Arqueando a sobrancelha, Gabriel olhava para o amigo pelo canto dos olhos. Realmente nunca vira alguém ser ciumento com Milles. Nem mesmo as garotas que torciam por ele nas partidas treino. Que estranho e peculiar, uma vez que Milles era bem popular.
— Nunca dei motivos para serem enciumados.
— Pouco me importa. Estou apenas repassando as instruções do técnico. Por isso, se estiver perdendo tempo paquerando, ficará no banco.
Um sorriso surgia nos lábios de Milles.
— Te incomodaria me ver paquerando?
Soltando um riso nasalado e revirando os olhos, Nicolas virou o rosto pra fugir da zombaria de Milles. Porém reconhecera o carro estacionado perto do ônibus de sua escola.
— Theo chegou.
O sussurro de Nicolas deveria passar despercebido, porém os dois alfas imediatamente seguiram os seus olhos observando o carro prateado. Gabriel engolia em seco quando se dava conta da ansiedade que começava a surgir em seu peito.
Theodore viria.
A porta traseira fora aberta e do automóvel uma garota baixinha de cabelos loiros pulara dele. Os três híbridos estranharam aquela figura saindo do carro da família Moss. Gabriel a reconhecera de imediato, sendo a garota que estava com o ômega no dia da briga no corredor.
O que ela estava fazendo saindo daquele carro?
Será que Nicolas teria confundido os carros, achando que seria da família de Theodore?
Observando a reação de seu capitão, Gabriel percebia que o baixinho fitara confuso o carro. O mesmo semblante que Milles, e ele mesmo, estariam fazendo.
E então uma outra pessoa saía do carro elegantemente, tendo os três boquiabertos diante da figura diferente do habitual. Carregando duas bolsas, usava uma calça jeans escura, uma blusa de botão xadrez vermelha e preta por cima de uma camisa branca. Os cabelos loiros estavam mais curtos e arrumados podendo notar as raízes lisas e as pontas sutilmente encaracoladas. Destacava-se os brincos escuros que usava, dando um ar despojado e juvenil para o garoto loiro.
Aquele era Theodore.
O garoto que costumava não chamar atenção era o verdeiro esplendor ao sair daquele veículo.
Estava belo. Seria essa palavra o suficiente pra descrever aquele ômega? Não para Gabriel. Ficara completamente entorpecido em ver Theodore daquele jeito, tão descolado e bonito. Sua ansiedade de outrora nem tinha vez dentro de si, fora empurrada pelos instintos que se atraíam por aquele sujeito.
A garota que o acompanhava sorria toda alegre, e os dois se viraram pra despedir-se de quem mais estivesse no carro. Então o ômega olhou em volta avistando os três híbridos mais afastados, encarando-o estupefatos.
Gabriel se incomodara quando o loiro conversara alguma coisa com a garota e ambos vieram em suas direções. Por que ela saiu do carro com ele? Desde quando eram próximos? E desde quando Theodore usava brincos?
— Uou...
O simples comentário de Milles fizera o alfa moreno o fuzilar com o olhar. Porém não dissera nada já que os dois estranhos aproximavam do trio.
— Theo... O que é isso? E quem é ela? —Nicolas arqueava a sobrancelha pra garota, que sorrira meigamente.
— Sou Lilian, do primeiro ano. Estarei ajudando o querubim durante os dias de jogos.
— Querubim?
Os três olharam para Theodore, que balançara os ombros despreocupadamente segurando a alma da bolsa térmica.
— Uma piada nossa. — Explicava a garota, que passara a encarar Gabriel com um sorriso enigmático antes de virar-se para o loiro. — Então devemos entrar e anunciar que o nosso time já chegou, não é?
— Procurar o comitê de organização. O técnico precisa ir junto.
— Vou indo na frente então, querubim.
Lilian acenava passando entre Nicolas e Gabriel indo em direção do técnico. Prestes a seguir a garota, Theodore fora impedido pelo melhor amigo que ficou na sua frente.
— Vamos lá, querubim, o que está acontecendo? Desde quando você é... Emo?
— Não sou emo, Nico. E não está acontecendo nada. Lilian se prontificou a me ajudar hoje já que estaremos em um lugar muito... Cheio.
— Está me dizendo que uma garota que nunca te viu na vida se preocupa que você passe mal por causa do cheiro dos meninos daqui? E ainda, uma garota da nossa escola?
— A esposa está ficando ousada.
Nicolas dera um soquinho na barriga de Milles, tendo o outro se curvando com a força daquele baixinho. Theodore apenas comprimia os lábios em um sorriso fino, mantendo os ombros erguidos sem se deixar levar pelas ofensas do atleta.
— É uma boa garota, não há nada pra se preocupar.
— Por acaso agora gosta de garotas? — Ria Milles cruzando os braços sobre a barriga impossibilitando outro golpe do capitão.
— Claro que não, continuo preferindo homens. — Respondera Theodore com tamanha naturalidade, surpreendendo Gabriel. — Se me dão licença, eu preciso cumprir com os meus deveres como assistente do time.
Theodore parecia agir com indiferença. Passando por Gabriel sem lhe dar um oi, ou até mesmo lhe dar um sorriso, o alfa segurou seu pulso o impedindo de ir embora. O loiro virou-se para o moreno, arqueando a sobrancelha.
Estando mais perto, Gabriel notava ainda mais a beleza daquele ômega. Certamente os acessórios eram as únicas mudanças que Theodore tinha, mas foram o suficiente para deixá-lo enfeitiçado.
Pigarreando para acordar dos próprios pensamentos, Gabriel puxou o loiro afastando-se dos outros dois rapazes. E então pudera fazer a pergunta que tanto incomodara naquele final de semana.
— Não está me evitando, não é?
— Por que estaria? — Questionou Theodore seriamente. Gabriel espreitara os olhos estranhando o comportamento do outro, e o encarou como se a resposta fosse óbvia. O ômega então assentiu sorrindo largo. — Ah, aquilo. Se alguém devesse se sentir estranho seria você e não eu. Estou bem resolvido com minha orientação sexual.
Piscando aturdido, Gabriel soltava o pulso de Theodore.
— Só estava me perguntando se está se sentindo estranho comigo a ponto de querer me evitar, já que não conversamos desde sexta.
— Está tudo tranquilo Gabriel. Fiquei o dia inteiro cuidando das coisas pra hoje, por isso não entrei no MSN.
Aquelas palavras pareciam pregos que viravam suas pontas para o coração do alfa. Na medida em que sustentava aquelas pérolas azuladas, maior era o seu questionamento do quanto aquele beijo teria sido importante para Theodore.
Teria sentido o mesmo que ele?
Será que Gabriel seria o único em arder por desejar mais?
Engolindo em seco o nó que formava em sua garganta, Gabriel assentia com a cabeça conformado.
— Desde que continuemos sendo amigos, certo?
Theodore, então, dera alguns tapinhas no ombro de Gabriel.
— Continuamos amigos. Não fique pensando merda, hoje precisa se concentrar na partida. Não irei atrapalhar então.
Prestes a responder que não atrapalhava, Gabriel não conseguira soltar a voz. Era como se sua garganta ficasse seca repentinamente. E então Theodore lhe escapava entre os dedos indo até o técnico e a garota com quem conversava.
Observar a interação entre aqueles dois o incomodava no mesmo nível que incomodava ver Nicolas perto de Theodore. No final das contas a frieza empurrara longe a tristeza de ser tratado como um amigo.
Tendo um conforto em seus ombros, Gabriel não desviara os olhos daquela dupla mesmo quando ouvira a voz de Milles em seu ouvido.
— Aceite, Biel. Tu tá afim do Theodore.
— Parem de conversar e entrem logo no ginásio!
Sendo empurrado pelo capitão, Gabriel passava os finos dedos entre os fios escuros de seu cabelo. Precisava se recompor para jogar. Theodore estava certo sobre preciar se concentrar naquele dia.
Quando terminassem a partida, tiraria a conclusão se estava realmente desejando algo mais do que amizade com Theodore.