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Chapter 36 - Preconceito, Dor e Liberdade

V, Valery e Victoria saíram do elevador e se encaminharam até a sala de reunião onde Thereza, Bright e Hanako esperavam, sentaram-se todos à mesa e esperaram Bright terminar de ler alguns documentos para então conversarem.

A mesma lia os papéis com as sobrancelhas franzidas, algo de muito errado havia acontecido.

Não demorou até a mulher abaixar os papéis e soltar um suspiro cansado.

—Ótimo trabalho pessoal, vejo que além de terminarem o serviço e agradarem o Drácula também trouxeram um rosto novo.

Victória levantou e apertou a mão da mulher.

—Victória, Valery te falou sobre mim? 

—Sim, ela disse que você seria uma ótima candidata, depois falamos sobre o seu contrato, temos coisas mais urgentes no momento.—As duas se sentaram e Bright levantou os papéis que estava lendo para que todos vissem.—Lembram do assassinato daquele morador de rua que causou aquela onda de protestos mês passado? Alguém nos contratou pra resolver isso.

—Ouvi dizer que foi um crime motivado pelo ódio aos MBS, uma policial extremamente religiosa simplesmente decidiu espancar um MB de rua até a morte, eu ouvi.—V foi o primeiro a se manifestar, desviou o olhar rapidamente para Thereza, que diferente do habitual estava séria, bem séria, ele podia vê-la apertando o terço que a mesma carregava com força, V havia esquecido que além de uma mercenária ela também era uma fanática religiosa.

—Isso mesmo infelizmente, vocês sabem como a polícia de Nova York é, vivem defendendo as atitudes deploráveis de suas companheiras, dessa vez não foi diferente, ela nem ao menos foi afastada do cargo.—Bright parecia bastante estressada, baixou os documentos e respirou fundo.—Esse não é um trabalho fácil, fomos contratados pra dar um jeito nela, mas se descobrirem que foi um assassinato vão nos caçar feito um bando de animais, estava discutindo com as outras uma maneira de fazer isso sem nos comprometer mas ainda não chegamos em nada, alguma ideia?

—Eu poderia usar a minha âncora, só precisamos atrair ele pro mar.—A ideia de Valery provavelmente seria arrastá-la para o fundo do mar e fazê-la dormir com os peixes, V concluiu.

—Ainda iriam procurar pelo corpo na água, e apesar da âncora ser poderosa não há garantia que não deixe nenhum rastro pra ser seguido.

—Talvez possamos contratar algum bandido peixe pequeno pra simular um latrocínio, aí era só se livrar dele.—A ideia de Hanako também não era das melhores.

—Se um cadáver já chama atenção, dois só colocariam ainda mais suspeitas em um possível plano maior.—Bright desviou o olhar para a ruiva ao seu lado.—Alguma ideia Thereza?

A mesma apenas balança a cabeça em negação.

—Azhidal, você está bem quieto desde que chegou, tem alguma ideia?

—Sim, mas não é o que você espera, não precisamos fazer tudo na surdina, só temos que fazer ela confessar os próprios crimes.

—Iriamos precisar de muita chantagem ou intimidação pra isso, tem certeza que é a melhor opção? 

V analisou Thereza por um instante, analisou aquele terço que ela apertava com força, pelo o que ele entendia, Thereza acreditava que os MBS eram um presente de Deus, que foram enviados por ele para salvar as humanas da extinção, bastante diferente da maioria dos religiosos.

Mesmo não sendo extremas como as El Clonado, algumas pessoas religiosas ainda eram contra os MBS, muitas pregando que ao contrário do que Thereza achava os MBS eram demônios que vieram a terra para arrastar o que havia restado da humanidade para o inferno.

É por causa essa crença que os MBS são tratados com ódio e discriminação em muitos lugares do mundo incluindo os EUA.

V nunca havia sido alvo desse ódio mas já assistiu muitos amigos e parentes serem alvo da discriminação religiosa de algumas mulheres, David era um exemplo disso, V o viu chegar com um olho roxo na escola por conta de uma valentona e em um excesso de raiva o mesmo tirou satisfação com a mesma.

Ele ainda se lembrava daquele dia como se fosse ontem:

V se sentava ao fundo da sala como sempre havia achado estranho o atraso do amigo mas ao se lembrar da nova namorada do colega ele se acalmou, ele provavelmente devia ter passado a noite na casa da mesma e iria demorar pra vir de qualquer jeito.

A porta se abriu e David adentrou, seu estilo estava completamente diferente na verdade, cobria a cabeça com o capuz do casaco de mangas cumpridas e usava um óculos escuro no rosto, V estranhou essa mudança repentina, ainda mais por estarem no verão e David não ser do tipo de pessoa que usava moletons em qualquer época do ano.

Ele obviamente escondia alguma coisa, e uma coisa nada agradável.

—Quem foi?—David não respondeu nada, V já sabia a resposta, só existia uma pessoa que expressava ódio por sua raça abertamente e com um orgulho repugnante.

V sentiu uma raiva incontrolável dentro de si, se levantou da cadeira e marchou até a porta, parando apenas quando sentiu alguém o segurar pelo braço.

—Você não tá bravo né? Não foi nada, eu devia ter tomado mais cuidado.—Ver o amigo tentando defender a valentona por medo de retaliação apenas fez sua raiva crescer, algo não muito nítido para David pois o mesmo não podia ver seu rosto através da máscara.

—Fica tranquilo, não tô bravo.—Sentiu o aperto do amigo em seu braço se afrouxar e aproveitou para sair pela porta.—Eu tô furioso.

V cruzou o colégio em passos leves apesar da vontade de colocar aquele prédio inteiro abaixo, e encontrou seu alvo junto das outras duas desgraçadas e chamou a atenção delas a uma distância segura.

As três se aproximaram.

—Olha só se não é a aberração mascarada, veio por causa da outra aberração é?

Sem dizer uma palavra sequer, V apenas levantou o olhar e fez um simples gesto com a mão, as outras duas brutamontes foram puxadas por duas cordas de teia e ficaram ali penduradas pelas pernas de ponta cabeça.

Sem dar-lhe tempo, lançou várias rajadas de teia que foram prendendo o corpo da valentona em um casulo, estando presa do pescoço para baixo, V se aproximou tirando uma agulha do bolso.

—Você acha que somos aberrações? Pois não viu nada ainda...

V podia ver o medo nos olhos da garota quando segurou seu rosto firmemente e preparou a agulha, o que ele estava prestes a fazer daria um novo sentido ao medo de aranhas, depois daquilo, as pessoas pensariam duas vezes antes de machucarem seu melhor amigo outra vez.

Ninguém descobriu ao certo o motivo das valentonas não terem mais ido a escola, mas relatos dos alunos contam que a líder do grupo foi vista no hospital com a boca costurada, o culpado nunca foi achado, até porque as vítimas evitaram falar sobre o ocorrido e mostrando um enorme medo toda vez que alguém as pressionava por uma resposta, às famílias das vítimas eventualmente se mudaram e não quiseram dar continuidade às investigações. 

Apesar de tudo, V sabia que dessa vez a violência não adiantaria de nada, não quando o alvo era alguém em uma posição de poder, mesmo assim, viu isso como uma oportunidade.

—Vou precisar de ajuda, Thereza está disponível?

Thereza, que parecia estar com a cabeça em outro lugar, levantou o olhar em um sobressalto ao ouvir seu nome, a sala toda a olhava agora, a mesma apenas acenou com a cabeça em concordância.

—Muito bem, nosso prazo é uma semana, espero que consigam fazer alguma coisa até lá. Dispensados.—Bright se pronunciou uma última vez e então todos se levantaram.

V e Victória seguiram para o elevador mas ao chegarem à rua o menor tirou uma chave do bolso do manto e a entregou a Victória.

—Vá até esse endereço, é propriedade da família, já avisei meu pai que você vai ficar lá.—O mesmo diz já dando as costas e seguindo na direção contrária.

—Você não vêm?

—Ainda tenho um assunto pendente, não se preocupe comigo, só vá e descanse.

Tomando a deixa, V lançou uma teia em um prédio próximo e lançou-se no ar iniciando um balanço de teia pela cidade sem se importar se seria visto pelo caminho.

Aquele era seu uso preferido da magia tecelã desde de que leu hqs do Homem-Aranha quando criança, ele ainda se lembrava de como seus olhos brilharam quando viu o herói passando pelos prédios e casas balançando como uma aranha atrás dos vilões.

Esse sentimento de liberdade que sentia quando o vento batia em seu rosto mesmo através da máscara ele só sentira anos depois, após um dia de treino com seu avô:

Ele assistia os carros e pessoas passarem como pequenas formigas do alto de um prédio, o vento batia forte alí em cima, sentiu as borboletas em seu estômago e um calafrio subindo pela espinha, estava no topo do mundo prestes a se jogar.

Respirou fundo e fechou os olhos, já era a hora.

V simplesmente abriu os braços e saltou da beira...

Quando se deu conta já havia chegado, o Central Park, ou o que havia restado dele.

O parque estava em reforma, um ataque das El Clonado havia acontecido ali, mais de cem pessoas morreram nas explosões e outras duzentas ainda não haviam se recuperado dos ferimentos, o lugar estava completamente devastado e deserto, não era atoa que Gabriel queria se encontrar com ele alí.

Falando nele, o mesmo esperava V debruçado sobre uma árvore no ponto mais alto do parque enquanto observava as águas de um pequeno rio nas proximidades correrem tranquilamente com um olhar sereno em seu rosto, não desviando o olhar nem mesmo quando V pousou ao seu lado.

Após longos segundos de silêncio onde nenhum dos dois se atreveu a quebrar o mórbido e ao mesmo tempo pacífico silêncio dali, Gabriel finalmente se pronunciou:

—Ainda tá doendo?—V não parecia nenhum pouco surpreso sobre o fato do outro saber sobre a ferida, era óbvio que ele descobriria.

—Parou de doer quando cheguei aqui, a sensação de estar em casa tirou qualquer dor ou fadiga do meu corpo.—Ele não estava mentindo, era muito bom voltar ao lar.

—Quer saber como eu sabia que você iria se ferir na sua primeira missão?—Ao receber apenas o silêncio como resposta, Gabriel continuou.—Porque essa é sua vida a partir de agora, dinheiro, fama, amor... Daqui a pouco nada disso restará, você só vai levantar, ficar o dia todo fora arriscando a vida pra voltar pra casa com só mais uma cicatriz, e o pior de tudo, você arrastou minha irmã pro meio disso.

V permaneceu calado, onde quer que essa história fosse chegar, ele tinha certeza que não seria um final nada agradável.

—Posso te dizer uma coisa V? Se algum dia tiver que escolher, entre a sua vingancinha e a minha irmã e acabar escolhendo a vingança... Se a minha irmã acabar se ferindo por que você preferiu correr atrás de uma vingança sem sentido, —Gabriel finalmente olhou V nos olhos, se aproximou lentamente e em sussurro terminou sua fala.—Eu mato você e entrego a sua cabeça pra eles, e dessa vez vai ser de verdade.

V não se deixou abalar pela ameaça, ele na verdade estava cansado de tanta hostilidade vinda dele e resolveu dar o troco.

—Essa ameaça não tem peso algum, já que você não passa de um covarde que se esconde atrás de um feitiço de ilusão.—Pela primeira vez desde que havia conhecido Gabriel, V o viu verdadeiramente surpreso, com certeza não esperava que alguém descobrisse.—É um ótimo feitiço na verdade, você só tem problemas em mantê-lo de pé quando perde a calma, da última vez em que conversamos você se descontrolou e eu pude ver sua forma verdadeira por um único instante, me diz, o que você quer tanto esconder do mundo?

Percebendo que não havia uma maneira de escapar daquela situação, Gabriel apenas desistiu.

—O mesmo que você esconde atrás dessa máscara...—A película de água invisível que cobria o corpo de Gabriel caiu como uma simples chuva, pela primeira vez na vida V pôde se identificar com alguém, infelizmente... A pele de MB sapo era coberta de cicatrizes, em cada centímetro dela, nem mesmo seu rosto estava intacto, tendo uma descendo pelo canto do lábio inferior, uma atravessando seu olho esquerdo e outra cicatriz enorme que descia da bochecha, passava pelo pescoço e terminava no peito, isso sendo apenas algumas das marcas em sua pele.

—Dor…