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Chapter 14 - Tragédias Vindas da Saudade

Depois de saírem de Grand Island após o almoço, o grupo 731 partiu para outras cidades na busca das Anomalias da Jaula do Colorado. Cerca de aproximadamente quarenta Jaulas iguais a do Colorado foram reveladas pela S.E.T.H. ao redor do mundo, ganhando o apelido de "Jaulas Ábditas" por alguns jornais. Tal estratégia seria para reconquistar a confiança dalgumas nações, atitude que, aos poucos, ganhava vislumbre pelos soberanos. E claro, benefícios em dinheiro foram oferecidos aos países que possuíam Jaulas Ábditas, o que agradava o lado político-econômico.

Ficaram a tarde inteira viajando pela porção sudeste de Nebraska, passando pelas cidades de Aurora, Bradshaw, Seward, Dorchester, Western, Fairbury, Odell, Pawnee City, Auburn e, enfim, Nebraska City, onde estavam a caminho, não encontrando nenhuma Anomalia até então. Só de viagem, cerca de quatro horas durou, e, rodando meia hora em cada cidade para buscar as Anomalias e depoimentos dos cidadãos que poderiam ter visto algo, totalizou mais quatro horas. Saindo de Grand Island no horário do almoço, chegariam a Nebraska City às nove e meia da noite.

— Até que enfim uma comida digna! Sem rações até tudo isso acabar, caramba! — Comemorava Brandon.

— Nem me fale, aquelas pastas têm sabor de nada — falou Solina —, como podem permitir aquilo p'ra gente?

— Nossa, verdade, eu já li sobre os suplementos que dão para as Anomalias. O sabor é tão ruim assim?? — Os dois olharam para Reid, sem expressão.

— 'Cê nunca comeu aquela gororoba, moleque?

— Eu meio que... sou uma Anomalia há uns dois dias, eu nunca fui preso em uma Jaula...

Brandon se levantou do banco do caminhão, balançando-se com o movimento do veículo, colocando a mão no ombro de Reid. O rapaz achou que, pela primeira vez, o homem que implicava com ele falaria algo gentil, talvez entendendo a situação de ser uma recém-Anomalia.

— Mas que sortudo de merda, como que nunca provou as rações?? Caramba, que privilégio, por isso ainda apoia esses caras...

— Quê? Privilégio de quê? Eu só não comi essas coisas ainda.

— Haha! Nem quero saber qual pacto 'cê fez para aceitar pegar esses Espécimes.

— Espera... Vocês fizeram os pactos? — perguntou Reid.

— Claro que fizemos — disse Solina. — Quando temos a chance de aproveitar da "boa vontade" da Fundação, vemos o limite que ela vai para precisar de nós.

Reid não negociou pacto algum para ajudá-los nas capturas. Nos papéis que assinara com Letizia, constava que teria um acordo antes de usá-lo para testes ou expedições; mas nada disso havia sido dito quando conheceu Lisbon, nem sequer o assunto foi tocado.

— Quais foram os seus pactos?

— Eu pedi p'ra virar uma agente.

— 'Cê quer ser agente depois disso tudo, garota? Capaz que vão te aceitar — disse Brandon, provocadoramente. — Eu só quero ver minha família toda semana; mas eles falaram que podem arranjar uma vez a cada dois meses, por isso estou me comportando com vocês. — "Se comportando? Imagina só quando ele não for comportado", pensou Reid.

— Mas você não é uma Anomalia, Solina, como fez pactos?

— O 1-4-9-2 nunca falou ou agiu por si só, no máximo, ele me protege involuntariamente, e como eu tenho que me pôr em perigo com ele, me deixaram fazer os pactos. Acho que só você e o 2-9-3 não têm pactos, e o dele faz até sentido — balançava o caixão de ferro no chão do caminhão, debatendo-se dentro —; mas você?...

Em silêncio, Reid se lembrou do que o Oráculo dissera: "Eles vão te usar, e eles acham que poderão brincar com você". Era disso que ele falara? O Espécime 8-0-7 já sabia que Reid não teria o privilégio dos pactos; mas como ele bem disse, não se pode saber o futuro se quiser que se concretize. Indignado, parou de falar, apenas olhando para o chão do caminhão. Brandon, sentando-se, disse:

— Não chora, eles vão te dar um presentinho pelo esforço, gracinha!

— Deixe ele em paz, Brandon — retrucou Solina.

Reid não abaixou a cabeça porque queria, ele simplesmente havia dormido. Apagou no meio do pensamento das falas do Oráculo. Parecia que seu corpo o forçava a adormecer três, quatro vezes por dia. Acordando subitamente, o caminhão estava num estacionamento, com todos fora do veículo, inclusive o sarcófago férreo do 2-9-3. O estacionamento estava praticamente vazio, o amarelo-fosco das lâmpadas faziam um nítido barulho de eletricidade estática.

— Bom dia, flor do dia — comentou Brandon. — Na verdade, boa noite.

— Recebemos um comunicado de que há uma Anomalia escondida na cidade. O grupo de recuperação 228 se encontrará conosco para capturarmos ela, se comportem! Agente Denley, hoje você vai participar da captura.

— Sério!? Uau, obrigado, senhora!...

— Não me faça mudar de ideia. Que senhora o quê? — murmurou consigo.

Assim, Osmundson e Denley foram à frente; Solina e Brandon logo atrás, lado a lado, com o 1-4-9-2 carregando o 2-9-3; e Reid, bocejando, por último. Nebraska City era pacata, com menos de nove mil habitantes. Apenas algumas pessoas andavam pela rua; mas foi o suficiente para que Brandon colocasse sua máscara no rosto, tampando a fileira de dentes. O ponto de encontro marcado seria perto do Museu dos Veteranos da Guerra Civil, um marco naquela cidade, facilmente achável.

O grupo 731 chegou primeiro, esperando sentados na escada do museu branco. Alguns minutos depois, após a pequena igreja ao lado badalar às dez da noite, o grupo 228 os encontrou. Eram três Anomalias e dois agentes, um Alpha e uma Lambda. O Alpha era um homem de cinquenta e poucos anos, com cabelo e bigode grisalhos e uma pele negra, mais negra que a de Brandon, usando uma roupa escura simples, conhecido como Franklin Moore. A Lambda, por sua vez, era uma mulher nova, recém-promovida à agente daquela classe.

— Osmundson, prazer.

— O prazer é todo meu — falou, dando a mão para o homem, cumprimentando-o.

— Também recebeu uma denúncia daqui de perto?

— Sim, falaram que se escondeu em um depósito, né?

— Isso. A polícia daqui está no local e ainda não teve movimentação no lugar — comentou a agente Lambda do 228.

Virando-se, Lisbon disse a seus Espécimes:

— Vão se conhecendo até lá, as ordens são para que usemos vocês para conter as Anomalias, então sejam amigáveis uns com os outros, ok?

Enquanto andavam, Reid tentou conversar com os Espécimes novos do grupo aliado. A Espécime 1-5-2-2-0, uma garota pálida, com um cabelo preto longo mesclado com uma cor platina e de orelhas pontudas, parecendo as dum elfo, usava uma roupa militar com coletes, segurava um fuzil com detalhes vermelhos e pretos e tinha um óculos tático em sua cabeça. Uma grande e gorda criatura branca com braços roliços e pernas pequenas, cheia de pedras no corpo, como nos antebraços, na cabeça e nas costas, era o Espécime 1-1-4-3-8-9, vulgarmente chamado por eles de "Hlub". Por fim, o 3-6-0-2-5, um rapaz engravatado usando uma camiseta social azul-marinho, uma calça preta elegante e com um cabelo marrom-avelã volumoso, o qual cobria sua testa e realçava seus olhos azulados.

Os dois jovens do grupo 228 tinham aparências de adolescentes; mas como as Anomalias envelhecem de forma retardada, provavelmente seriam mais velhos do que aparentavam. Além disso, os dois também possuíam as algemas nos pulsos, com Hlub tendo quatro algemas maiores em cada braço. Assim que a Lambda Lisbon ou o Alpha Frank apertassem o botão, todas as algemas se acionariam.

— Prazer, Reid. — Estendendo sua mão para o rapaz, não obteve a reciprocidade do aperto de mãos, voltando seu punho para perto do corpo.

— Aff! Ignore, ele não abriu a boca desde que começamos esse trabalho.

— Bem... Ok. Sou Reid, como se chama?

— Sou Mallory Naenara, recém-agente Zeta! — falou 1-5-2-2-0.

— Uau! Eles te deixaram ser uma agente? — Intrometeu-se Solina, animada por saber que cada vez mais as Anomalias de Ordem Humani possam ser aceitas como agentes.

— Sim! Era meu sonho poder ser uma agente, aproveitei que o pacto estava grande dessa vez. — Solina, ficando em silêncio, ressaltou um leve sorriso esperançoso no rosto.

— Qual o seu nome?

— Solina! — respondeu-lhe.

O 1-1-4-3-8-9, com seus dois metros de altura, tinha uma aparência fofa e macia. Seus pequenos olhos quase sumiam com a larga boca que tinha; mas ainda assim, por algum motivo, olhava Brandon fixamente enquanto andavam. Irritado com aquele bicho gordo o encarando, questionou-o:

— Que que você quer?

— Argh... Bloo... Tietik...

— Ele não sabe falar, pode esquecer — falou Mallory.

— Então por que essa coisa 'tá me olhando?

— Talvez tenha gostado de você, ele é bem gentil.

Olhando de volta para aquela grande e visivelmente fofa criatura, apenas ficou quieto, deixando-a olhá-lo enquanto andavam. Reid, observando aquela cena, percebeu que até Hlub tinha mais o respeito de Brandon do que ele. O Alpha, virando-se para Lisbon, retirando seu dispositivo de raios ômicos, olhou para a tela e perguntou à agente Lambda:

— Soube que capturaram uma Anomalia já. Que sorte terem achado uma tão fácil.

— Bem, nada que um ataque coordenado não resolvesse. — Osmundson sabia que foi graças ao Espécime 8-4 que conseguiram capturar a Anomalia, pois não mexeu um dedo sequer. — O que sabemos sobre o Espécime daqui?

— Ela é sorrateira; sorte que não tivemos perdas. Essa coisa nojenta tem que ser pega o quanto antes, e logo.

— Imagino... — Olhando para a recém-agente Lambda, perguntou-lhe. — Desculpe, qual seu nome mesmo?

— Ó, erro meu, eu que não me apresentei. Sou Jennifer O'Neill. — Olhando para a garota de rabo de cavalo, Lisbon lembrou-se de quando também virou Lambda.

— E quanto à evacuação? Como estão os abrigos?

— Todos em trezentos metros estão no abrigo daqui — falou Frank. — Podemos operar à vontade. De forma letal seria melhor, sinceramente...

Assim que chegaram ao barracão onde a Anomalia se escondia, dividiram-se em três grupos: Moore, Osmundson, O'Neill e o 2-9-3 de canto, como o grupo de ordens; Calhoun, Naenara e Denley, como o grupo técnico; e Lewis, Tunney, Hlub e o garoto quieto cujo nome era Christoph Pines, como o grupo tático.

Enquanto o grupo de ordens e o grupo tático decidia como agir em conjunto com os agentes-policiais que cercavam a área, o grupo técnico subiu a um prédio que ficava a duzentos metros de distância. Relativamente alto, tinha uma altura de quarenta e cinco metros.

— Uau, estou ansioso para isso, eu só fico dirigindo aquele caminhão, que honra! — comentou Denley.

— Também estou empolgada — respondeu-lhe —, espero ser útil para me usarem mais.

Assim que chegaram ao terraço, Reid prestou atenção na arma de Naenara. Não era como um fuzil, estava mais para um rifle de precisão, e estando no alto daquele prédio, ela poderia ser um tipo de sniper; mas sua arma rubro-negra não havia uma mira de longa distância. Abrindo o apoio do rifle para pô-lo no muro do terraço, amarrou seu cabelo alvinegro, fazendo um coque, e retirou algumas balas longas dos bolsos de sua roupa militar, enfileirando-as ao lado da arma.

Encimando-se no pequeno muro do terraço, a Espécime 1-5-2-2-0 olhava calmamente tudo em volta. Seu cabelo, mesmo preso, levemente se mexia à medida que o vento aumentava ou diminuía àquela noite. Mesmo que estivesse escuro, a luz do luar brilhava intensamente, dando uma visão clara à Mallory com o céu noturno limpo de nuvens. Reid, indagado pela falta de mira, perguntou-lhe:

— Como vai atirar sem poder vê-los?

Virando-se para responder-lhe, seus olhos estavam quase que totalmente brancos, com um único ponto escuro no meio. Descendo do muro, seus olhos apareceram, aumentando o tamanho da íris instantaneamente. Seu efeito passivo lhe permitia uma visão aguçada, precisa e certeira. Sua íris, quando o efeito fosse acionado, diminuía drasticamente, como se focasse e enxergasse pontualmente. Um tiro, um alvo.

— Não preciso de mira, só de algumas balas...

Ela já era utilizada nalgumas missões, por isso a confiança de entregar-lhe balas, mesmo que menos potentes, para realizar tiros acurados. O cano do rifle era de vinte e quatro polegadas, podendo estourar uma cabeça a centenas de metros no lugar certo. Reid e Denley só poderiam vê-la em ação ali de cima.

Os outros dois grupos fizeram um plano para tirar a criatura de dentro daquele barracão. Mesmo que lento, o efeito passivo do Espécime 1-1-4-3-8-9 era de gerar diversas rochas de obsidiana pelo corpo, uma rocha ígnea altamente resistente que poderia envolver seu corpo, tornando-se uma armadura viva. Hlub iria à frente para servir de escudo, pois mesmo que não falasse coisas com sentido, entendia perfeitamente o que lhe pediam. Brandon e Solina provocariam a criatura e levá-la-ia para fora, dando chances para que Naenara a derrubasse ou incapacitasse-a. Christoph seria apenas o reforço, pois quieto, tinha um histórico estranho com trabalhos em equipe.

Frank, ordenando os agentes-policiais a afastarem-se, estes ficaram atrás das viaturas estacionadas, as quais iluminavam a rua inteira com suas luzes azuis e vermelhas. Dando-lhes permissão, entraram no barracão por um grande portão aberto, o mesmo que a Anomalia deve ter entrado. Estava escuro lá dentro; mas o tanque de pedras vítreas andava lentamente, seguindo adiante. Aquele depósito era dum supermercado próximo, contendo diversas prateleiras enormes, cheias de comida enlatada e produtos de limpeza.

Ouvindo um barulho à direita, o Espécime 1-4-9-2 escalou e subiu numa das prateleiras, e como não podia deixar Solina, ela foi puxada para cima rapidamente, contra sua vontade. Brandon seguia atrás de Hlub, aumentando suas garras, deixando as unhas das mãos e dos pés aguçadíssimas. Mesmo que escuro, sabiam que a criatura era perigosa, pois uma grande silhueta escura devorava sacos de ração de animais domésticos, engolindo até pedaços de plástico.

Ao notá-los ali dentro, parou de comer e ficou-os encarando. O silêncio lá dentro arrepiava Solina, a quem o Espécime não havia percebido ainda. Um feixe de luz passava pelo exaustor eólico do telhado, o qual, coincidentemente, parou sobre a face da Anomalia. Era uma criatura com mais de quatro metros de comprimento, com uma cabeça parecida com a dum lobo, tendo três olhos amarelos, dois pares de chifres pequenos e longos braços, os quais lhe davam a sensação de ser maior. Como ficava numa posição corcunda e curvada, semelhante a uma fera, sua cabeça não ficava nem a dois metros do chão, ficando na altura do 1-1-4-3-8-9.

A Anomalia ficou parada, e Brandon viu que Solina estava prestes a pular. "Não, não, não; não ouse fazer isso, pirralha", pensou, pois ele sabia que ela faria uma loucura dessas com o auxílio do 1-4-9-2. Saltando, Brandon correu para pegá-la. Ela estava caindo duma altura de quatro metros, com seu Espécime levantando os braços e fechando seus punhos em um só, entrelaçando seus dedos e formando uma "clava" com as mãos. Com a Anomalia distraída com Brandon, o golpe sobre a cabeça foi certeiro, e por ser absurdamente forte, o 1-4-9-2 fez a cabeça da criatura atingir o chão com tudo, quebrando o piso e quase rachando sua cabeça. Perto de chegar ao chão, Brancon pegou Solina, enrijecendo seus ossos para não a derrubar. Assim que a segurou, pô-la no chão e gritou:

— Corre, caramba!!

Os dois correram, aproveitando que a criatura estava recuperando-se do impacto, e para dar-lhes mais tempo, Hlub partiu para cima, formando diversos blocos negros pelo corpo. Agora irritada, com um só golpe, jogou-o por cima deles, saindo do barracão numa velocidade absurda. O fofucho Espécime percorreu mais de trinta metros em pouquíssimos segundos. Com os dois fora do barracão e com o 1-1-4-3-8-9 acertando uma viatura, a Anomalia da Jaula Ábdita do Colorado saiu do esconderijo e saltou rapidamente para um pequeno prédio ao lado, levando diversos tiros dos agentes-policiais nas costas. Parecia ter um corpo humanoide-animal, com garras assustadoramente grandes e um rabo longo; mas o que chamava a atenção eram as quatro patas de aranha em suas costas, longas e fortes, também cobertas pelo pelo cinza da criatura e com uma envergadura de cinco metros, sendo reconhecida pelos Alpha como o Espécime 8-1-3-2-7.

No alto do prédio de quinze metros, quando estava prestes a dar um rugido de ódio, um tiro foi disparado por Naenara, cegando o olho do meio da Anomalia. Recarregando seu rifle rapidamente, disparou novamente; mas mirando na garganta, acertando-a em cheio e abrindo um furo até o outro lado do pescoço, sangrando muito. O 8-1-3-2-7 estava de frente à atiradora, dando-lhe uma visão privilegiada. Pegando a terceira das dez balas, atirou no olho direito, cegando-o mais ainda, tudo em questão de segundos. Os corpos dos projéteis enfileirados ao lado da arma eram colocados instantes depois de puxar o gatilho; mas seu olho não perdia a presa. Mesmo a centenas de metros, enxergava-a como se estivesse a um metro dela.

Quando dispararia a quarta bala, a Anomalia usou seus braços e suas longas garras nas costas para tampar seu rosto; mas, desequilibrando-se, caiu do pequeno prédio, saindo da visão de Mallory. Caiu tão forte no chão que rachou o asfalto da rua. Os agentes-policiais descarregaram tiros no Espécime; mas foi a pior decisão que poderia ser tomada. Ninguém sabia do efeito passivo que possuía, porquanto se soubessem, não atirariam tanto nela.

À proporção que se irritasse, mais defensivo e maciço aquele "lobo-aranha" ficaria. Cego de dois dos três olhos e com diversas balas alojadas nos braços e nas costas, sua fúria transformou-se na inflexível pele que precisava para ser o mais resistente do local. Brandon, olhando para Christoph, estressado, viu que o garoto só ficava encostado num carro ali perto.

— Vai ficar só olhando, engomadinho? Faz algo, merda!! — O jovem apenas o ignorou, irritando-o mais ainda, fazendo com que o agarrasse pela gola da camisa. — Se não fizer algo p'ra ajudar, eu juro que enfio minha mão na tua fuça, droga!!

Nada fazia Christoph falar, e sendo jogado no chão por Brandon, o 2-2-6-0-1 pegou Solina e carregou-a nas costas, dizendo:

— Eu corro, você ataca!

Assim, segurando-se em Brandon pelo pescoço e cruzando as pernas, agarrou-o pelas costas e chamou o Espécime 1-4-9-2. Brandon não era capaz de derrubar aquilo; mas era rápido, enquanto que o espírito purpúreo poderia dar outros socos no rosto da fera antes que se curasse tanto. Partindo em direção à criatura, por não os enxergar direito, ela atacava erroneamente, acertando o chão, e, com medo de disparar contra as Anomalias aliadas, todos cessaram fogo. Diversos golpes foram desferidos nas patas traseiras e no rosto; porém, apenas o soco que Solina ordenava não seria o suficiente, e não por falta de força; mas sim, pela resistência absurda que a fera ganhava. Lançar uma leoa de cento e sessenta quilos por cerca de seis metros não era fácil, e, mesmo assim, o 1-4-9-2 conseguiu em Grand Island, provando que era forte; mas não o suficiente contra o 8-1-3-2-7 naquele estado rígido.

Percebendo que seu olho do meio se curou, Brandon afastou-se, porque era apenas uma questão de tempo até agarrá-los. Solina, olhando para Hlub, perguntou se ele estava bem, e com uma resposta que parecia ser otimista, mandou seu espírito o pegar, completando com:

— Já jogou boliche, Hlub?!

Ficando em posição fetal, uma camada rochosa cobria todo o corpo dele; mas quanto mais se enrijecia, mais pesado ficava. Com uma camada de sete centímetros de pura obsidiana, a espessura seria suficiente para ser uma bala de canhão colossal. Fazendo uma das maiores forças que conseguiu, o 1-4-9-2 chegou a berrar, fazendo um grito rouco e grave, impressionando até mesmo Solina, e lançando Hlub pelo ar. Ninguém imaginava um plano absurdo como esse, e empurrando drasticamente a grande Anomalia por metros, ela perdeu o equilíbrio e capotou, rolando com a esfera de pedras enegrecidas.

Atravessando uma lanchonete que ficava ali perto, o 8-1-3-2-7 desmoronou toda a fachada do estabelecimento, derrubando parte do telhado e abrindo um rombo na lanchonete. Não era nada ágil quando se blindasse com os músculos contraídos; mas aquele tamanho era de dar medo em qualquer um. O grupo tático não sabia mais como nocautear algo daquele calibre, tão incansável e recém-curado, até que um imprevisto surpreendeu a todos. A 1-5-2-2-0 perdera a visão do alvo, e pediu para que a ajudassem a encontrá-lo, insatisfeita com a situação. Subindo nas costas de Reid, Naenara ficou com suas pernas cruzadas no pescoço do jovem, enquanto que Denley o segurava no muro do terraço. Demorou até que aquela pose se estabilizasse, e, quando conseguiu uma vista clara e oportuna, seus olhos viram que a válvula de gás da lanchonete se quebrou com o plano de Solina.

— Meu alvo nunca escapa...

Atirando num botijão à vista, explodiu o local, formando uma nuvem de chamas e brasas imensas com a detonação do combustível da lanchonete. Quebrando os vidros dos carros e trincando algumas janelas perto dali, Hlub não sentiu nada, pois sua casca era impenetrável, diferente do 8-1-3-2-7. Seu corpo, coberto de pelos, começou a espalhar o abrasamento pelos braços, indo ao peito e chegando à cabeça. Mesmo que se curasse, queimaduras pelo tórax já eram visíveis, agonizando de dor. Christoph, vendo uma oportunidade, abriu seus braços e ativou seu efeito passivo.

Aquela brecha foi decisiva para que pudesse sair dali. O Espécime 3-6-0-2-5 era capaz de controlar chamas, podendo guiá-las livremente. Gestos com as mãos aumentavam a mobilidade do fogo; mas apenas sua pirocinese telepática era o suficiente. O rapaz não era sociável por um motivo: escaparia dali o quanto antes. Removendo todo o fogo da Anomalia inflamada e usando a flama do incêndio da lanchonete, cercou os agentes-policiais para que se afastassem dele. Christoph não era capaz de criar as chamas, portanto, precisava de matéria-prima para poder usar sua habilidade, seja com um fósforo, um isqueiro, as fagulhas do disparo duma arma, a combustão do motor dum carro... Coisas mínimas já seriam o suficiente, e aquela ingente explosão daria de sobra para que fugisse.

Frank, ao perceber as intenções dele, ativou as algemas; mas atrapalhou mais do que ajudaria. Solina, Brandon, Hlub, Mallory e Reid, mesmo que distantes, tiveram suas mãos presas além de Christoph. Reid e Mallory quase caíram do prédio se Denley não os tivesse ajudado, deixando o rifle de Naenara cair lá de cima, e Brandon perdeu sua agilidade com a falta das mãos livres. Christoph, erguendo seus braços, moldou um pilar flamejante, cruzando por cima dele e incinerou suas mãos, o suficiente para que estragasse as pulseiras magnéticas, desprendendo-se; mas deixando seus dedos e seu pulso em carne viva.

Um piromaníaco daqueles criou um inferno abafado e luminoso, visto até pelos habitantes da cidade que estavam a mais de trezentos metros. O Espécime 8-1-3-2-7, que estava na lanchonete, caiu de fraqueza; mas não estava morta, pois nenhuma partícula de luz saiu dela, e era nítido que respirava com dificuldade, com as fumaças regenerativas se mesclando com as fumaças recém-apagadas do fogo em seu corpo, fazendo com que se preocupassem apenas com Christoph. As densas nuvens negras percorriam por baixo dos veículos, o som das brasas estalejando pela rua e o clarão que cegava os agentes contribuíam para sua escapatória. Solina não poderia arriscar-se, pois uma queimadura em seu corpo a deixaria como um fardo para o grupo 731.

Christoph, em si, não era uma ameaça em potencial; mas a duração das chamas e a direção em que se moviam obedeciam restritamente ao garoto, e a quantidade liberada por Naenara deu as cartas ao jovem, o qual controlava o jogo naquele instante. Lisbon sabia que estavam numa desvantagem imensa, e, mesmo desativando as algemas magnéticas, o tempo era escasso. Relutava consigo para não usar o 2-9-3, pois sabia que Christoph seria morto se tentasse confrontá-lo; porém, não havia um leque de opções naquele momento. Indo ao sarcófago e colocando seis dos sete dígitos de desbloqueio, ficou com o dedo parado antes de dar a ordem final.

Indiretamente, a morte do jovem estaria em suas mãos, pois uma decisão tomada por ela resultaria na perda dum Espécime único, coisa que era apenas aceita em última instância. Exemplares únicos deveriam ser estudados e contidos; mas quando não há opção, a desconsagração seria a última ação a ser tomada. "Espécimes Desconsagrados" são Espécimes que já morreram, sejam por fatores naturais, como idade altamente avançada, ou por fatores artificiais, como quando Ashe matou o Espécime 2-0-0-9-1 ao lado de Reid. As luzes que saem do corpo da Anomalia não podem ser recuperadas, dando um fim ao único arquétipo com tal efeito passivo. Aquele garoto não feria os agentes, já que seu objetivo seria fugir das mãos da S.E.T.H., e Lisbon percebeu isso, o que piorava a situação para ela.

— O que está esperando, agente? Pegue aquele Espécime!! — gritava Frank. As balas dos revólveres dos agentes-policiais eram jogadas pelo vapor denso do fogo, faltavam-lhe velocidade para quebrar o ar quente.

Naquele momento, ninguém conseguia chegar perto, e ele escaparia por trás do barracão, o qual levaria ao Rio Missouri, divisa natural dos estados de Nebraska e de Iowa Nenhum veículo o seguiria. Hlub, andando com dificuldade pelo peso absurdo das rochas, saia da lanchonete e entrava no paredão de chamas. Mesmo que seu plano fosse fugir, Christoph não havia um bom fator de cura, e, quando se afastasse de lá, perderia o controle e o fogo se dissiparia num instante, dando o tempo necessário para o 1-1-4-3-8-9 chegar até ele. Queimando-se um pouco, as pedras escuras blindaram-no de danos severos, e tentando falar algo, apenas fazia sons ininteligíveis.

— Saia daqui, Hlub, eu não quero machucar você! — Sem sucesso, o balofo Espécime ainda seguia tentando dizer algo.

— Árqui... Per, per... Lô!...

— Eu só quero sair daqui, se afaste!! — Não compreendendo as falas insignificantes do parceiro do grupo 228, gesticulou para que um rastro de fogo cercasse Hlub e esfumaçasse a seu redor, tentando fazê-lo respirar mais gás carbônico do que oxigênio, levando ao desmaio.

Lisbon sabia que poderia carbonizar o Espécime e todos dali num piscar de olhos; mas, mesmo assim, apenas os afastava ao invés de matá-los. Arrepender-se-ia do que faria; mas fê-lo mesmo assim. Pulando pelas chamas, afortunadamente não se feriu muito, e com o brilho daquela queima brutal, pôs sua mão sobre os olhos, diminuindo a claridade.

— Ei! Você não está nos atacando por quê?

— Não ligo p'ra vocês, eu só quero ir embora. Saia!!

— Você não é uma pessoa má, eu... eu posso te ajudar!

— Ajudar? — respondeu-lhe. — Não quero a sua piedade ou simpatia, eu apenas quero ser livre de novo! Quero ver minha irmã, meus pais! Só aceitei vir à procura das Anomalias para ter uma chance como essa, e não vou desperdiçar! — Apontando seus dedos derretidos da mão direita para a agente Osmundson, uma barreira flâmea cruzou entre os dois.

— Você pode tentar fazer o que for; mas prefiro ir atrás de você do que soltar uma Anomalia que pode te matar! Eu não vou te abandonar!

Lisbon, quando recém-promovida à Lambda, anos atrás, jurou que não mataria Espécimes, e mesmo naquele literal "inferno na Terra", manteve sua índole. Era apenas uma criança assustada, presa na Fundação há quase oito anos. Suas chamas eram ligadas intimamente às suas emoções, e deixando de ficar rebelde para escutá-la, diminuíram sem ao menos perceber.

— E por que se importaria comigo?!

— Vocês, uma vez humanos, não têm culpa de virem Anomalias, e meu trabalho é ajudá-las, e não extingui-las! Me deixe ajudar, eu tenho uma amiga Alpha na Fundação, ela pode conversar e te deixar ver sua família; mas desative seu efeito!... — Christoph ficou pensativo.

— Você promete?

— Sim, eu prometo que... — Dois sons altos romperam a conversa de ambos.

Dois tiros quebraram o rumo que o papo estava tomando, arrepiando a agente Lambda que estava no meio das crepitações amarelo-alaranjadas. Olhando para a barriga de Christoph, as balas atravessaram o estômago e o rim esquerdo, formando um rastro de sangue pela camisa azulada do Espécime. Escorrendo pela barriga e descendo pela perna, seus olhos encheram-se de lágrimas, dilatando suas pupilas. Lisbon, perplexa com aquilo, olhou para trás e viu Frank com uma pistola, a mesma que disparara contra o jovem.

— O que você fez?! Eu estava quase...

— O que eu fiz?! — Interrompeu a fala da agente. — Seu dever é "não deixá-los fugir", garantir que capturemos as Anomalias do Colorado, e se tivesse aberto aquele caixão, eu não teria que sujar as minhas mãos! Abaixe seu tom comigo, garota! — Virando-se e correndo até o 3-6-0-2-5, o qual já estava caído de joelhos, suas chamas esvaeceram e diminuíram a intensidade, facilitando para que Lisbon fosse até ele.

— Fique comigo, calma!... — Enquanto segurava suas costas e pressionava sua barriga, percebeu que sua mão já estava coberta de sangue sem nem ao menos encostar nele. — Preciso de médicos!

— Sa... Saia... — falava de forma baixa.

Seu último suspiro foi na intenção de não machucar a agente que mal conhecia. Christoph, mesmo com medo, tentaria deixar que ela o ajudasse. Os olhos da Lambda estavam brilhantes de quando lhe fizera promessas de salvação; mas tudo foi em vão. Antes das chamas se apagarem, todas elas percorreram até o garoto, incendiando-o instantaneamente. O jovem acreditava que a morte seria melhor do que retornar à sua cela. "O que fizeram com você?", perguntava a si própria, levantando-se do chão com a atitude inesperada de suicídio. As partículas de desconsagração se embaralhavam na fumaça preta da cremação.

— Enjaulem o 8-1-3-2-7 e tirem o 3-6-0-2-5, esse merdinha já causou muitos problemas, chega! — ordenou Frank aos agentes-policiais.

Naenara, Reid e Denley, chegando sem entender aquela situação, apenas ficaram quietos, pois o silêncio das outras Anomalias mostravam que um desentendimento ocorrera. Com o rifle um pouco quebrado, despediu-se dos outros dois membros do grupo técnico e seguiu com Hlub, um pouco ferido, ao lado de Frank e de Jennifer, ouvindo "preciso de mais uma Anomalia" vindo do Alpha. Mesmo que se tivesse esquecido daquela realidade, Brandon se lembrou do porquê não confiava nos agentes. Eles eram apenas peças, armas usadas a seus favores e "descartáveis" quando saíssem dos trilhos.

Agentes-paramédicos retiraram o corpo incendiado do jovem. Lisbon, incrédula, andou em silêncio até um hotel com suas Anomalias. Pagando a mais para manter a discrição do dono do lugar, ele lhes deu quartos afastados para que não fossem incomodados. Osmundson e Reid dormiriam no quarto 26, Solina tomaria conta do 2-9-3 no quarto 27 e Brandon e Denley ficariam no quarto 28. O hotel ficava a duas ruas do estacionamento onde deixaram o caminhão, e ficariam ali até o dia amanhecer, partindo o quanto antes para a estrada. Enquanto a Lambda alugava os quartos, Brandon disse a seus dois companheiros:

— Nunca abaixem a guarda, eles não estão aqui p'ra nos proteger, estão aqui p'ra nos usar...

Às dez e quarenta da noite, o turbulento dia se encerrou com uma perda, envenenou as almas das Anomalias com medo e poluiu a integridade de Osmundson como nunca antes aconteceu. As lembranças do olhar esperançoso de Christoph daria pesadelos à agente. "Quantos Espécimes foram desprezados e judiados em suas celas?"; "por que a Letizia nunca me contou sobre isso?"; "o que faz um adolescente tirar a própria vida em vez de ir para uma Jaula?". Perguntas incertas como essas impregnavam os pensamentos dela, e foram dormir com o silêncio da perda dalguém que só queria ver a família depois de quase uma década de isolamento.