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Chapter 9 - Pressão Política

Após o tremor misterioso acordar quem estava dormindo, um instante de silêncio ficou no ar, assustando a jornalista. O bar ficava perto do monótono centro da pequena cidade, a algumas ruas de distância, e graças a isso, o pior não aconteceu à repórter. Com um estrondo absurdo, todo o centro despencou e abriu uma cratera de trinta metros de largura no chão. Algumas ruas aleatórias também caíram e abriram buracos na diagonal, os quais levavam a algum lugar.

Assustada, foi correndo até o meio da rua que ficava em frente ao bar para ver o que havia ocorrido. Percebendo que poderia descobrir algo, bateu na traseira da van, ansiosa, gritando:

— Vamos! Ligue logo a câmera, Fred, isso é uma mina de ouro! — Com o cinegrafista pegando sua câmera e mirando-a em Christina, deu um sinal para que começasse a falar. — Aqui é Christina Birch do jornal ABC News, e notícia de última hora! — Enquanto falava com o microfone em suas mãos, mal olhava para a câmera, seguindo devagarmente até o enorme buraco. — Um enorme tremor sentido na cidade de Haswell, aqui no Colorado, desencadeou diversas quedas do asfalto, em especial, uma abertura enorme no centro onde ficava uma praça. Ao que parece, acredito que não haja feridos; mas...

— Desligue essa câmera agora! — Interrompeu-os, berrando a atendente do bar com quem conversara; segurando uma pistola e apontando para eles.

Com Fred abaixando a câmera, Christina, mesmo com medo, tentou confrontar aquela senhora com atitudes estranhas.

— Acalme-se, estamos apenas documentando, não iremos envolver ninguém da cidade e nem...

— Entrem no bar, agora!!

No momento em que os mandou entrar no bar, diversos tentáculos de fogo surgiram na rua ao lado donde estavam. Do outro lado, diversos passos e grunhidos foram ouvidos. Não eram passos de pessoas, eram passos fortes, densos, como se algo pesado estivesse correndo. Na cratera imensa atrás de Christina, um grito de raiva absurdamente alto e agressivo foi ouvido. A jornalista não imaginava que haveria Anomalias sob seus pés numa cidade como aquela.

Correndo ao bar, surpreendeu-se ao ver que seu parceiro correu até a van.

— O que você vai fazer? — perguntou-lhe.

— Nós vamos sair daqui, precisamos de ajuda! Venha, Chris!!

Entrando na van e ligando-a, um tentáculo flamejante atravessou a frente do veículo e explodiu-o, estourando com a explosão do tanque de combustível e capotando logo em seguida. Gritando de medo, o rapaz a qual a acompanhou estava morto e todo seu equipamento havia sido destruído.

— O que está acontecendo?? — perguntou à senhora, assustada.

Ignorando Christina, a atendente velha do bar, surpreendendo-a, tirou uma pistola escondida por detrás do balcão e uma espingarda escondida numa parede falsa perto dos copos de bebidas, dando-as aos dois homens que pareciam ser caminhoneiros bêbados.

— Que merda é essa? Quem são vocês??

— Se esconda aqui, não saia até mandarmos — disse um dos homens.

— Quê?! Vocês vão enfrentar aquelas coisas? Temos que chamar a Fundação S.E.T.H. e...

Sendo ignorada novamente, os dois homens correram para fora do bar e foram ao buraco central, atirando no que quer que seja que havia ali. A senhora do bar, com a coronha da pistola que segurava, quebrou um dos vidros da janela e ajoelhou, mirando com sua arma para fora. Olhando mais à frente, Christina viu que, após os cidadãos acordarem, todos estavam com armas de fogo, partindo agressivamente para os buracos abertos nas ruas.

— Vá p'ra trás de algo, aqui 'tá perigoso...

Com uma barulheira de ruídos e sons de diversos Espécimes, um verdadeiro massacre ocorreu naquela madrugada. Os tentáculos de fogo, com quase três metros cada, surgiam aos poucos, atravessando diversas casas e veículos. Uma criatura alada com mais de um metro e diversas patas voou e agarrou uma das pessoas, levando diversos tiros e caindo logo em seguida. Uma serpente naja gigantesca saiu de uma das aberturas e esfregou-se entre diversos veículos, aumentando o tumulto.

Seres humanoides, animais com efeitos passivos extraordinários e criaturas nunca antes imaginadas causavam a destruição e o caos. Enquanto Christina estava escondida atrás da parede ao lado da senhora, com suas mãos no ouvido, a "recepcionista" do bar continuava mirando e atirando nas criaturas de dentro do estabelecimento, trocando de pente algumas vezes para recarregar, até que atirou despropositadamente num gambá de cinquenta centímetros de altura. Aquele ferimento fez o gambá arrebitar seus pelos, tornando-os duros e rígidos como pedra, atirando-os aleatoriamente e ficando despelado.

Afortunadamente, diversos pelos voaram em direção ao bar, acertando a porta e as paredes, com alguns passando pela janela em que estava, atingindo o olho esquerdo daquela velha. Com raiva daquele roedor, tentou atirar mais vezes; mas com um olho ferido, sua mira estava prejudicada, errando os tiros.

Atrás do gambá, um ser esguio de um metro e oitenta, com uma pele branca e desidratada, além de longos braços, passava, e quando os tiros chegaram a milímetros de atingi-lo, seu efeito passivo fez com que as balas ricocheteassem quase que no mesmo ângulo em que foram disparadas, voltando e acertando em cheio o pescoço da senhora. Com dois tiros na garganta, caiu para trás, formando uma poça de sangue próxima à cabeça. Gritando e olhando aquela cena, Christina estava desesperada, sozinha naquele bar enquanto ouvia gritos, rugidos e tiros pela rua.

Evitando olhar para a cabeça com os tiros no pescoço, estava com as mãos tampando seus ouvidos, até que olhou para a cintura dela e viu algo no bolso, um tipo de cartão. Pegando-o repulsivamente perto do corpo morto da atendente, viu que era um cartão de identificação. Na foto, o rosto daquela taberneira estava ao lado dum nome e duma data de nascimento, com um enorme símbolo abaixo deles: Lambda. Uma garçonete de bar numa cidade esquecida do Colorado era uma agente da Fundação?

Espiando do canto da janela, começou a notar outros detalhes, mesmo que ainda houvesse de estar assustada. Como meros habitantes andavam semelhantes a uma formação de grupos militares? E como havia tanta munição e praticamente uma arma para cada pessoa dali? Além disso, lembrou de ter visto um parque perto do centro que desabou, com vários brinquedos infantis; mas, recordando-se das entrevistas que fizera, não viu criança alguma na cidade.

Um tipo de leoa com uma mandíbula extremamente deformada cortava ao meio os "cidadãos", sumindo aos poucos da vista da repórter; uma garotinha de vestido branco com asas iguais as dum anjo voava segurando um homem em seus braços, tentando escapar daquela confusão; e um ser de cinco metros de altura, com o corpo totalmente negro, com o peito aberto cheio de linhas vermelhas emaranhadas que brilhavam com a luz dos postes, passou segurando o corpo de uma pessoa com um "pijama" laranja, soltando-o no chão brutalmente. Diversas outras criaturas de distintas ordens fugiram das aberturas do chão, com o som da marcha das centenas de Anomalias correndo caoticamente. Eram tantas que parecia um terremoto.

Definitivamente, Christina não pôde acreditar no que vira, perguntando a si mesma se aquilo era real. Com medo e sabendo que morreria, pegou a arma do corpo da agente morta a seu lado e segurou-a, torcendo para não a usar. Ouvindo outra vez o grito feroz que escutara antes de toda confusão, viu que todos os tentáculos ardentes voltaram àquela terra seca, sumindo. Uma criatura altíssima passou perto do bar onde Christina estava, e ela a olhou com todo o pavor que sentiu em sua vida.

Um ser com quatro pernas e quatro braços, de aparência enrugada, passava na rua. Sua pele era cinza-escura e sua cabeça parecia um leque, extremamente fina e com formato de semicírculo. Apenas com uma boca na face, parecia ser cego, andando sinuosamente pelas ruas. Por sorte, Christina sentiu que estava exposta e escondeu-se novamente atrás da parede, justo no momento em que a criatura virou para olhá-la. Aproximando-se cada vez mais perto do bar, abaixou-se e começou a enfiar um dos braços pela janela e o outro pela porta, ficando com os outros dois braços apoiados no chão para não cair.

Paralisada com o choque do ser de seis metros derrubar algumas mesas enquanto seus braços tentavam pegar algo, só foi embora quando sentiu o corpo da agente morta e pegou-o. Levando-o até sua boca, mastigou-a como se fosse um pedaço de chiclete, e, gritando, fez com que os tentáculos de fogo surgissem aleatoriamente pela cidade, atravessando casas, veículos e corpos. Uma chacina com aqueles humanos foi feita como se pisassem num mísero formigueiro.

Achando que havia acabado, o som dum helicóptero surgiu no ar minutos depois, soltando quatro cabos longos, os quais caíram no buraco do centro da cidade. Ainda covarde de aparecer e temer o perigo, pela fresta da porta que ficara aberta depois do Espécime abri-la com o braço, viu que, após alguns minutos, os cabos subiram com uma caixa dourada e um homem de macacão laranja sentado em cima dela enquanto segurava uma maleta cinzenta. Assim que voou para longe, a repórter saiu e tirou seu celular do bolso, discando para a polícia e pedindo ajuda.

— Nove um um, qual sua emergência?

— Alô, por favor, chame a Fundação, com ambulâncias e bombeiros aqui em Haswell, por favor!!

— Onde foi o acidente, senhora? Qual a rua?

— Rua? Em toda a cidade! — berrava Christina.

— Como assim "em toda a cidade"? Qual o seu nome?

— Sou Christina Bir... — Parou de falar quando chegou perto do corpo duma pessoa com roupas laranja.

— Alô? Christina? — chamava a atendente de polícia.

Desligando a ligação, viu que aquele homem morto pela criatura de pele negra usava roupas alaranjadas e tinha uma tatuagem com as letras "M" e "S" e o número "13" na nuca. Abrindo sua câmera no celular, tirou uma foto da tatuagem. Mesmo ignava, decidiu virar o corpo morto para ver seu rosto, já que estava de costas para cima. Um homem latino de cinquenta anos, careca e com um bigode grande. Desta vez, tirando uma foto do rosto do homem, viu que era uma roupa de presidiário, com um número extenso do lado direito do peito e um símbolo no lado esquerdo. A roupa era idêntica à do homem que foi pego pelo helicóptero.

O símbolo era semelhante à letra "E"; mas estilizada, fazendo com que Christina tirasse uma foto. Investigando os corpos menos destroçados, viu que todos os cidadãos haviam a mesma carteira de identificação que a atendente do bar que morrera. Alguns eram Lambda, enquanto que pouquíssimos que encontrara eram Alpha. Indo ao buraco central achando que encontraria sistemas de túneis de esgoto, encontrou o que parecia ser o interior duma Jaula, o que explicaria o motivo de haver tantas Anomalias escondidas. Diversos corpos, tanto de agentes-militares quanto de presidiários estavam ali.

Gravando toda a confusão que ocorrera, mandou um vídeo de poucos segundos à sua emissora, a qual noticiaria posteriormente e chocaria a todos. Encostando-se atrás da parede do bar que a havia protegido de tudo, esperou os reforços e rezou para que saísse viva dali. Culpando-se pela morte do cinegrafista, não sabia o que fazer quanto a ele. Resgatada pelos agentes-socorristas da Fundação minutos depois, foi levada a um hospital central na cidade de Colorado Springs, a quase duzentos quilômetros de Haswell, Christina foi deixada numa sala médica para recuperar-se de qualquer ferimento. Ainda inconformada com o que vira, ligou para um amigo que era delegado criminal.

— Alô, Stuart?

— Chris?? Por que 'cê 'tá me ligando essa hora?

— Preciso de um favor seu, você consegue?

— Como assim "um favor?" São quase três da madruga, 'tô cansado por causa da patrulha que fiz hoje na delegacia, não podia esperar p'ra amanhã?

Respirando fundo, Christina disse:

— Aconteceu algumas coisas que eu sei que você ficará sabendo mais tarde, e preciso urgentemente da sua ajuda...

Bufando, Stuart lhe respondeu:

— 'Tá bom, Chris, só dessa vez, olha a hora que é... O que 'cê quer?

— Vou te mandar uma foto e preciso que você cheque na lista de criminosos de Nova Iorque. Ele tinha uma tatuagem na nuca que parece ser da gangue Mara Salvatrucha, talvez possa ajudar.

— Certo... O que mais?

— Só isso; mas preciso com urgência.

— 'Tá, vou procurar no que temos no sistema, te aviso assim que achar algo.

— Valeu, te devo uma!

— Me deve mais do que uma. Vou fazer uma lista isso sim, Chris...

Desligando o celular e enviando as fotos para Stuart, viu que dois agentes-investigadores conversavam com os paramádicos que a resgataram. Ela não queria dar um parecer sobre o que acontecera, já que foi levada às pressas e mal fizeram perguntas a ela no longo caminho. Colocando um jaleco esquecido por um médico que estava em seu lado, disfarçou-se e saiu do hospital, chamando um táxi ali perto e pedindo para levá-la ao hotel mais próximo.

Chegando ao hotel, foi a um quarto no segundo andar. Ao chegar, tirou sua jaqueta, seu gravador do bolso e seus tênis, deitando na cama só de meia, com sua blusa vermelha de listras brancas e sua calça jeans; mas, mesmo cansada, não conseguiu dormir. A simples repórter começou a perceber que fugiu dos agentes, e, consequentemente, fugiu da Fundação. Não caía a ficha de que havia perdido seu cinegrafista num piscar de olhos, pensando que, se tivessem ido embora como ele comentou, estaria vivo. Depois de pensar por duas horas naquilo, acabou dormindo.

Sonhando, Christina sentiu que foi a razão do cinegrafista morrer e ficou com a imagem da Anomalia que enfiou os braços no bar e quase a encontrou na cabeça. Como aquilo poderia ficar abaixo duma cidade? Mas, lembrando-se oniricamente das pessoas, estes eram agentes, agentes próprios da Fundação, com treinamento e conhecimento donde estavam. Acordando depois de muitas horas, pegou seu celular e olhou as fotos que tirara, vendo o símbolo no peito daquele homem morto: uma letra "E" estilizada.

Abrindo um aplicativo que buscava imagens semelhantes, colocou a foto na busca, resultando em vários símbolos da letra grega sigma. Coincidindo ou não, os agentes eram classificados em letras gregas; mas um "Sigma" nunca foi dito antes. O porquê da existência dessa classe de agentes incomodava-a, passando a manhã inteira pesquisando sobre isso; mas não achando nada. A televisão do quarto onde alugou estava ligada, e com o tempo passando, sem ao menos perceber, já que as janelas estavam fechadas e impediam a passagem de luz, era hora do jornal que passava no horário do almoço noticiar os destaques do dia. Ouvindo de relance a fala da âncora do jornal "um dos maiores escândalos de testes da Fundação?...", olhou abruptamente para a TV.

Desligando seu celular e focando toda a atenção na televisão ao ouvir "a 'Jaula do Colorado' ...", soube que suas informações haviam chegado à emissora. Assistindo a seu vídeo de poucos segundos passando em todo o país, não imaginou a repercussão internacional que teria.

Pegando o controle para desligar a televisão do quarto, não o fez quando a âncora interrompeu suas falas previstas. "A Fundação S.E.T.H., em conformidade com o ocorrido recente, convoca a Organização das Nações Unidas para uma conferência urgente a todas as federações para um esclarecimento; como prova de confiança, decidimos revelar dois dos agentes Ômega para falarem sobre. A Fundação S.E.T.H. ordena que todos os soberanos mundiais reúnam-se nesta noite acerca de toda confusão causada; atenciosamente, O Concílio".

Christina viu uma oportunidade. Exporia o que fotografara e diria sobre sua experiência na cidade ante os dois agentes Ômega. Desde que entrou no ramo jornalístico, a repórter sempre desconfiava do quão honesta a Fundação era à sociedade. Vestindo-se e chamando um taxi, foi ao Aeroporto de Colorado Springs, a vinte minutos do hotel que alugara. Teria oito horas até chegar à sede da ONU, em Nova Iorque, conseguindo um voo de seis horas e ligando para todos seus contatos a fim de conseguir algum lugar na conferência do século.

Ao anoitecer, enquanto Ashe ainda mexia em seu rádio tentando ouvir o comitê da ONU que começaria em alguns instantes, Reid acabou encostando na parede e adormeceu, sendo acordado minutos depois, quando começasse a reunião dos líderes mundiais. O voo de Christina, chegando ao Aeroporto Internacional John F. Kennedy, em Nova Iorque, às seis e quarenta da tarde, buscou desesperadamente um táxi após ligar para sua chefe, a qual conseguiu substituí-la no lugar doutro repórter após a matéria enviada à emissora.

Não era certeza de que conseguiria falar, pois, entre centenas de repórteres, uma minoria seria escolhida para fazer somente uma pergunta durante a azafamada conferência. Ao quase chegar à sede das Nações Unidas, dezenas de carros enfileirados estavam parados para entrarem no imenso prédio onde as bandeiras internacionais eram erguidas. A quantidade maciça de veículos, sejam carros blindados, vans noticiárias ou até mesmo automóveis policiais e militares criaram rapidamente um engarrafamento a quilômetros do prédio.

Estando na fila congestionada por mais de quarenta minutos, com os carros cobrindo cerca de cinco quadras de distância do prédio, pagou o que havia dado na corrida e saiu do táxi, correndo a pé até o portão secundário, destinado à mídia e aos entrevistadores. O som das buzinas abafava o pisar de seus tênis escuros nas ruas nova-iorquinas. As luzes dos postes e dos estabelecimentos acendiam conforme a noite caía, fazendo jus ao apelido de "a cidade que nunca dorme".

Ao chegar quase atrasada, sua chefe estava batendo os pés no chão enquanto checava seu celular a todo momento. Com uma minissaia azul-marinho até o joelho, um salto azul e uma camisa branca básica, Bethany Loterra, a gerente-chefe da ABC News, vendo Christina à distância dela, fez uma cara emburrada com o atraso.

— Eu agradeço muito pela grande matéria que nos mandou, todo mundo amou, queridinha, e mesmo substituindo o Bryan para você ficar com a coletiva, ainda chega atrasada?? Vamos, vamos! Passe um batom e pegue um fone, seu lugar é na segunda fileira, cadeira dezenove. — Pegando Christina pelos braços e puxando-a para a porta lateral do prédio, a jovem repórter mal conseguiu pedir desculpas.

Entrando no plenário da Assembleia Geral das Nações Unidas, um vozerio de línguas estrangeiras avolumava ao passar dos minutos. Governantes, ministros, estadistas, superintendentes, presidentes, chefes de estado e monarquistas ocupavam cento e setenta assentos dos cento e noventa e dois assentos registrados no plenário. Na câmara central, há uma notória tribuna decorada em mármore verde, onde quem se pronuncia sobe ao palanque em destaque à frente das delegações. Atrás da tribuna, há um emblema das Nações Unidas forjado em ouro e o telhado do prédio possui mais de vinte metros de altura, sendo encimado por um discreto domo.

Estando ali pela primeira vez, sentiu-se ínfima ao sentar-se perante o poderio dos principais governadores de cada país, os quais estavam com seus representantes ao lado, discutindo com estes. Mundialmente televisionado e noticiado, o mundo encararia, pela primeira vez, duas das cinco cabeças da Fundação S.E.T.H. daquele século.

— Acorde, Reid! — gritou Ashe, balançando seu ombro. — Vai começar!

Bocejando, disse:

— Não acredito que ficou acordada até agora...

Quando o horário nova-iorquino atingiu exatas oito horas e doze minutos da noite, um homem branco de camiseta preta com um terno alvo, o qual tinha adornos amarelo-ouro e uma gravata azul-clara saiu à esquerda da sala, indo ao palanque central. Sua calça, também branca, destacava o sapato escuro que fazia barulho ao andar. No lado direito do peito, o símbolo de Ômega sobressaía-se na cor clara da roupa, além de usar luvas de couro em ambas as mãos e um relógio velho que ficava escondido no pulso direito.

Ao subir e ajeitar o microfone, as luzes ressaltaram seu cabelo curto escuro, o qual estava com gel, além dos óculos refletirem e impedirem de ver seus olhos escuros. Aparentava ter seus trinta anos; mas era extremamente belo e sério, não demonstrando tal idade. Puxando o microfone para perto de sua boca, encheu os pulmões e começou a apresentar-se.

— Boa noite a todas as delegações. Agradeço a agilidade que tiveram para virem aqui, e entendemos a gravidade da situação a respeito do ocorrido recente. — Enquanto falava com sua voz suave que ecoava pelo salão, os tradutores de ouvido dos países trabalhavam incansavelmente para traduzirem instantaneamente as palavras daquele homem. — Gostaria de me apresentar... Sou Richard Afton Rockefeller, o agente Ômega número três.

Dando uma pausa para respirar após dizer seu nome, continuou:

— Atuo principalmente no âmbito político sobre quaisquer imagens referentes à S.E.T.H. Como noticiamos, gostaria de apresentar minha irmã, Ayla Rockefeller, a agente Ômega número cinco, responsável pelas informações emitidas e disponibilizadas pela S.E.T.H. — Esticando seu braço direito para a direção na qual Ayla apareceria, todos viraram suas cabeças e olharam a bela moça que chegava.

Com um longo vestido vermelho-sangue e um sapato de salto alto da mesma cor, uma linda mulher de cabelos castanhos demasiadamente longos, os quais atingiam na cintura, seguiu em direção ao irmão. Seus lábios eram finos, mal notando o batom rubro que usava. Com a pele pálida, não sabiam se aquela era sua cor ou se estava apavorada à frente duma ocasião tão importante quanto aquela. O que mais era destaque na jovem de vinte e cinco anos claramente era a tatuagem nórdica em seu braço direito do símbolo vegvisir, uma espécie de bússola para viquingues, com um corvo no meio. Ficando parada ao lado do irmão, Ayla tinha a mesma altura que ele; mas por estar de salto, nitidamente era menor.

Levantando-se, o líder japonês começou a falar, interrompendo-o, fazendo com que seu tradutor também se levantasse e começasse a traduzir suas falas.

— Quais provas temos que... não são uma fraude, uma... uma farsa?

Em seguida, o presidente argentino também começou a fazer seu pronunciamento, cortando a fala do líder japonês.

— Por que vocês... seriam Ômegas? Duas crianças liderando nossas defesas como... como se fossem brinquedos? É uma armação?

Assim, outros onze soberanos aumentaram o tom de voz, cortando, interrompendo e impedindo a fala dos demais, criando uma confusão. Richard apenas ficou quieto, colocando seus braços para trás, esperando os líderes mundiais cansarem de falar. Depois de Richard ficar quase dez minutos quieto, todos pararam e sentaram-se em suas cadeiras, impacientes com o que lhes foi revelado.

— Obrigado a todos pelo silêncio. Nós não somos uma brincadeira. Há quase duzentos anos, protegemos suas terras, defendemos suas economias e apenas interferimos quando há uma Anomalia. Não entramos em guerras políticas, econômicas ou sociais, pois isso não é do nosso interesse! Desde o Segundo Contato, vocês recorreram a nós desesperados, praticamente ajoelhados, buscando por segurança e é isso que fazemos em anos!!

Com os líderes demonstrando desprezo, nojo, raiva e até desconforto com a fala dele, querendo ou não, sabiam que era a mais pura verdade.

— Ainda que haja diversos ataques de Anomalias, buscamos o melhor para a sobrevivência da humanidade e muitos países ainda buscam contrariar nossas recomendações e impedir nossa ação porque acham que são capazes de "controlar" as Anomalias. Vivemos em um mundo onde a humanidade não está mais no topo da cadeia alimentar.

Batendo sua mão no palanque, começou a falar mais alto do que já o fazia, com os flashes das câmeras refletindo nas lentes de seu óculos.

— A S.E.T.H. prova há décadas o quanto trouxe de avanço à humanidade. Doenças terminais facilmente tratadas; o avanço bioquímico e tecnológico mais rápido do mundo; o aperfeiçoamento da robótica para o cotidiano e a segurança da sociedade com a contenção de cada Anomalia! Há formas extremamente específicas para impedir que Anomalias saiam do controle, e o resultado que merecemos depois de tanto tempo é uma rejeição de cinquenta e dois por cento dos países! Nossas Sedes e Bases não recebem descanso e nada foi suficiente para vocês!!

Tirando seu óculos, fechou uma das pernas do óculos e colocou a outra na gola de seu pescoço, pendurando-o. Respirando novamente; mas desta vez para acalmar-se, abaixou o tom de voz e finalizou seu discurso, dizendo:

— Ordenamos que, pela primeira vez, defenderemos apenas os países que nos apoiarem e lutarem ao nosso lado. Caso não queiram retribuir depois de tudo que a S.E.T.H. fez por vocês, não iremos insistir nisso; mas qualquer assentamento da S.E.T.H. saíra do país e não conteremos quaisquer Espécimes que atacarem seus territórios. Se alguém é contra nós, que assim seja.

O plenário ficou em silêncio, e nenhum dos cento e setenta líderes mundiais se opuseram ao pronunciamento de Richard. Aquele homem provou o poder que a Fundação possuía em suas mãos. Nenhum país tinha acesso às informações que não lhes eram disponibilizadas, e ficar num limbo sobre a falta de compreensão acerca das Anomalias seria assinar uma carta de suicídio.

— Algum país tem dúvida de algo? — perguntou Richard.

Com o líder chinês se levantando, sua pergunta foi feita, com uma pequena demora do tradutor, como se ele não quisesse falá-la.

— O que... vocês querem de nós?...

Pondo seu óculos, o agente Ômega respondeu-lhe da maneira mais simples e básica que poderia:

— Obediência.

Várias conversas paralelas surgiram naquele instante. Abrindo para escolher três jornalistas para fazerem perguntas, Richard recebeu uma informação vinda do 8-0-7 para buscar, segundo as palavras do Oráculo, "uma humilde garota de camisa listrada que lhe trará o destaque que a Fundação sempre buscou ter". Acreditando, mesmo com dúvidas sobre a índole do Espécime, Richard olhava atentamente; mas as luzes das câmeras cegavam-no a quase todo instante enquanto os repórteres de todos os países levantavam a mão para chamar a atenção dele. Apontando para uma repórter da África do Sul, ela se levantou e fez sua pergunta.

— Latifa Babafemi, da Lowvelder News — dizia a repórter de cabelo preso, com um sotaque nítido ao tentar falar inglês. — Há alguma suspeita sobre o que aconteceu com a Jaula do Colorado? Algum grupo em vista?

— Infelizmente, não. Mesmo que não tenham se pronunciado, ainda não temos prova de que a HÓRUS, as Mariposas Sangrentas ou o Sol do Amanhã tenha algum envolvimento direto no incidente do Colorado...

Por ter uma atenção internacional, diversos grupos desafiaram e ainda desafiam a palavra da Fundação. Os principais deles haviam sido citados por Richard à jornalista sul-africana. A HÓRUS fazia uma homenagem ao nome do deus egípcio que representava a luz, em contrapartida do nome da Fundação coincidir com o deus egípcio do caos: Seth. Seu símbolo, justamente, era o Olho de Hórus, conhecido também como udyat, o qual, segundo mitos egípcios, sempre buscava a verdade na escuridão.

As Mariposas Sangrentas, também conhecidas como somente Mariposas, é um grupo altamente terrorista que defende a morte das Anomalias. Diferente dos preceitos defendidos pela Fundação, a qual preza capturar Anomalias com vida e evitar matá-las caso haja opção de contenção, as Mariposas possuem atos violentos em seu histórico e ganham força ao passar do tempo, juntando legiões de pessoas que compartilham o ódio pelas Anomalias. Revelam-se com um símbolo carmesim de oito mariposas em volta dum "jogo da velha" voando enquanto que uma nona mariposa diferente ficasse centralizada.

O último grande grupo é conhecido como "Sol do Amanhã". Dentre os três, é o que menos prejudica a ação da Fundação; mas, ironicamente, é o que possui mais seguidores. Após algumas Anomalias serem confirmadas como sendo criaturas mitológicas e divindades da antiguidade, formou-se um grupo religioso que acreditava que as Anomalias purificariam o mundo que os humanos profanaram. A grande maioria dos seguidores não são agressivos; mas defendem que a contenção dos Espécimes desafia o poder do próprio Deus, pregando a liberdade irrestrita deles. Seu símbolo é uma mandala semelhante ao Sol, com cores verde-amarelas.

Apontando para um homem francês, este se levantou e, tirando um bloco de notas do bolso, leu a pergunta que escrevera. Diferente da repórter sul-africana, não tinha sotaque e seu inglês era quase perfeito.

— Aqui é do Le Parisien. Como farão para conter todas as Anomalias que escaparam da Jaula do Colorado?

— Como acabou sendo informado ao jornal, acreditamos que cerca de seiscentas Anomalias, variando entre Barachiéis, Azazéis e Leliéis, fugiram por todo o território centro-oeste dos Estados Unidos. Após uma decisão unânime, O Concílio decidiu que usaremos todas as Anomalias ao nosso favor para capturar, conter e assegurar os Espécimes fugitivos, já que há uma desaprovação em massa do uso deles por parte da opinião pública. Queremos mostrar a todos o quão úteis podem ser à humanidade!

— O quê!? — gritou Ashe em sua cela ao ouvir a ordem do Ômega.

— Eles vão nos usar para pegar mais de quinhentas Anomalias?

— Reid, a coisa está séria, eu quase nunca trabalho com outros Espécimes, e olha que eles confiam em mim... Para ele falar isso, devem estar desesperados!...

Enquanto Richard explicava, o celular de Christina vibrou. Era uma mensagem de Stuart, dizendo por mensagens: "Achei seu cara. É estranho. Ele se chama Juan Carlos Villanobres. Tinha o apelido de 'El Matador'. Não havia nada no registro de presos atuais sobre ele, mas na lista de suspeitos mortos de NY eu encontrei. Por isso demorei. Ele foi declarado morto faz 4 anos. Ele não existe há anos, Chris. O que 'tá acontecendo?"

Chocada com a informação que lera, ao começar a última escolha de perguntas, desta vez, Christina levantou sua mão e isso fez sua jaqueta mostrar as listras de sua camiseta. As faixas vermelhas alternadas com as faixas brancas chamaram a atenção de Richard no mesmo instante, apontando diretamente para a repórter. Achando que traria uma visão positiva, erroneamente presumiu isso da fala do 8-0-7, pois o Oráculo apenas disse que "chamaria a atenção que tanto queriam".

— Você, de jaqueta escura — falou o Ômega.

Levantando-se e levando o microfone à boca, perguntou a ele:

— O que são os agentes Sigma?

As pupilas de Rockefeller ficaram dilatadas, enquanto que Ayla olhou torto à jornalista. Claramente algo assim não deveria ter sido dito em público em meio a cento e setenta delegações presentes.

— Como é?...

— O que são os agentes Sigma encontrados na Jaula do Colorado?

— Não faço ideia do que está falando... — Virando-se para sair e encerrar abruptamente a entrevista, Christina continuou sua pergunta, explicando-a.

— Diversos corpos usando um tipo de macacão laranja foram vistos no meio das vítimas da cidade. Todos os macacões tinham o símbolo da letra sigma no peito, e por coincidência ou não, eram ex-presidiários já declarados como mortos! — Mesmo que não tivesse total convicção do que dizia, Christina decidiu jogar verde com o Ômega, como se ela soubesse mais do que apenas um membro de gangue que encontrara.

Voltando para o palanque, Richard ficou com uma expressão zangada.

— Minha pergunta, de novo, é: todos os habitantes daquela cidade eram agentes da Fundação e todos ali sabiam que havia uma Jaula abaixo da cidade e vocês nunca noticiaram nada sobre isso em anos. Como se não bastasse, ainda há mais mentiras, como esses "agentes Sigma" que continuam insistindo não saberem. O que eles são!?

Christina não estava brincando com fogo; mas sim, com um verdadeiro incêndio. A única sobrevivente do incidente do Colorado jogou suas cartas à mesa na esperança de descobrir as verdadeiras intenções da Fundação S.E.T.H.; mas ela mal sabia o perigo de tentar fazer isso quando o mundo inteiro via dois agentes Ômega serem pressionados por uma mera repórter que estava no lugar errado e na hora errada.