A "queridinha da Fundação S.E.T.H.", ao encontrar Reid desesperadamente pedindo ajuda como se a conhecesse, ficou indagada com o modo no qual ele falou com ela. O olhar singelo de Ashe percebeu o desespero que os olhos bicolores do rapaz a olhavam, decidindo ouvi-lo enquanto procurava mais sobreviventes.
— Reid, certo? Como você me conhece?
— Nós... nos falamos já.
— Isso é sério? — perguntou-lhe.
— Sim; mas você... na verdade, ninguém lembra do que houve, só eu...
Ashe achou estranho o jeito melancólico que Reid contara, tentando ouvir ao máximo enquanto os gritos pela cidade ensurdeciam a conversa deles.
— Como assim já nos falamos?
— Parece estranho; mas meu efeito passivo me traz de volta à manhã de hoje quando... quando eu morro, e da primeira vez que nos encontramos, você parecia ter um tipo de plano e até pediu minha ajuda, então achei que podia...
— Você disse que... é uma Anomalia? — questionou a fala de Reid.
— Sim, até onde eu sei...
Agarrando os braços dele abruptamente, levando-os para as costas, tentando imobilizá-lo, Ashe começou a explicar algumas coisas para o rapaz que foi prensado contra uma parede ali perto:
— Desculpa por isso; mas então estou aqui por você! O 8-0-7 disse que te encontraria perto de Stanford, preciso que você venha comigo!
— 8-0-7? Está falando do "Oráculo"? Por quê?... Me solte, Ashe, por favor!!
O Espécime 8-0-7 é uma Anomalia mundialmente conhecida, já que é a única criatura capaz de ver o futuro. Pelo que tudo indicava, Reid entendeu que era para Ashe encontrá-lo ali, e não apenas uma mera coincidência. Os olhares atenciosos da Alpha buscavam uma Anomalia; a mesma vista pelo Oráculo.
— Eu... eu não gosto de fazer essas coisas, foi mal, foi mal!... Mas ainda preciso que venha comigo!
Mesmo não concordando com o que faria, Reid achou que seria o certo. Ashe tinha cerca de um e setenta e quatro de altura, enquanto que Reid era três centímetros maior. Mesmo com um corpo ligeiramente atlético, ela era magra, e, naturalmente, Reid pensou que seria mais forte do que ela, contorcendo-se e empurrando-a para trás, saindo da pressão que havia sido feita sobre ele.
— Ei, me perdoe; mas eu preciso que você me ajude antes, e aí eu vou pela minha vontade aonde você mandar.
— Isso não é uma brincadeira! — Levantou-se do chão, zangada. — Não funciona assim, não pense que...
— Eu preciso que você seja desobediente!
Correndo para a rua Williams, onde Ashe lhe havia dito no primeiro encontro, decidiu ser egoísta ao ponto de forçar a agente a segui-lo ao invés de ajudar outros sobreviventes, mesmo que o motivo dela ajudar os outros fosse para achar quem o 8-0-7 informou à Fundação. Com raiva das atitudes dele, Ashe o perseguiu até onde Reid achou melhor.
Andando pela cidade enquanto estava sendo perseguido pela Alpha, Reid enganou Ashe por muitos minutos, até que a deixasse cansada, pois estava pensando em como usá-la a seu favor. O caos estava presente enquanto os dois corriam entre as pessoas desesperadas. Contorcendo o coração de dor por não poder ajudá-las e seguir com sua missão, Ashe estava nervosa com o que ele estava fazendo com ela. Cansado de tanto correr, ao ver que havia chegado à rua que desejava após uma perseguição rápida, parou ofegante e disse:
— Olha... Eu precisava disso, você... você vai entender, acho...
— Você... abusou um pouco da minha boa vontade... e... — Parou de falar quando notou o lugar em que estavam. Ashe precisava ir à rua Williams porque foi informada pelo Oráculo de que ali seria o único ponto em que o 2-0-0-9-1 estaria perto dela e próximo de ser morto, uma ação ordenada pela Fundação S.E.T.H. para ela o fazer. — Por que você me trouxe até aqui?
— Quando nos encontramos pela primeira vez, você... disse que precisaria de ajuda nessa rua, então... decidi saber o que seria! — falou Reid, com uma respiração arquejante.
— Você realmente é uma Anomalia, certo? Eu preciso que seja a Anomalia que busco!
— Eu prometo que... — Um barulho imenso cortou sua fala.
Ao pararem naquela rua já deserta, o último tremor dos braços largos da Anomalia de cor arenosa cessou os barulhos de sua caminhada, além duma sombra cobrir os dois abaixo. Levitando, estava sobrecarregado, com suas veias pulsando uma energia roxa, e Reid se lembrava que, na rua em que estivera na primeira vez, antes de tornar-se uma Anomalia, estava cheia de pessoas ainda correndo, então precisava impedir o enorme Espécime de massacrar as pessoas de lá, fora as outras centenas ou até milhares de vidas que ele não tinha noção.
— Eu preciso de você, Ashe, não deixe ele matar gente inocente e assustada, por favor...
— Se você me enganar, eu juro que... — Ashe parou de falar quando viu lágrimas nos olhos de Reid, como se estivesse com medo.
Virando-se para a Anomalia que estava erguendo-se no ar, prestes a explodir, Ashe usou seu efeito passivo. Levantando sua mão esquerda para cima e fazendo uma "arma" com a mão, andou levemente para trás procurando algum veículo para esconder-se.
— Corra, Reid!!
Instantaneamente, um calor absurdo estava sendo emanado no ambiente, com um clarão vindo das nuvens. O efeito passivo de Ashe, chamado de "vislumbre do Sol", fazia jus ao nome. Sua habilidade consistia em focar uma quantidade de raios ultravioleta num enorme feixe de puro calor e poder; mas, infelizmente, não poderia ser feito a mais de cinquenta metros da garota, colocando-a em perigo toda vez que o ativasse.
Machucando seus olhos, mesmo que estivesse longe, Reid viu um enorme raio descendo a toda velocidade com um clarão absurdo e a uma temperatura incrivelmente alta. Não tendo tempo para esconder-se, Reid estava no meio da rua, enquanto que Ashe ficou atrás dum ônibus ali perto dela. O raio de luz solar acertou a cabeça do Espécime 2-0-0-9-1 em cheio, queimando-o por dentro, e, com tanta potência, o raio de luz acertou o chão após abrir um furo na grande Anomalia, derretendo alguns materiais que estavam por perto, como pneus e chumbo, além de queimar o topo das árvores e trincar os vidros das casas e dos prédios em volta. O choque do poderoso efeito de Ashe empurrou Reid com a pressão quente do ar e com o vapor que emanava do raio, fazendo-o cair.
Desativando sua habilidade ao ver que exagerou na duração, abaixou seu braço e desfez o sinal de arma com a mão, fazendo com que o raio solar sumisse quase que instantaneamente. O Espécime que estava com o corpo queimado da cabeça ao torso por dentro perdeu altitude e começou a despencar em alta velocidade, já que seu peso causaria um estrago absurdo.
Quando uma Anomalia morre, várias partículas de luz saem do corpo e desfazem-se no ar, como se a essência do poder dela estivesse saindo do corpo sem vida, sendo um sinal claro de que nem a regeneração a traria de volta. Cada Espécime é único, nunca há outro com efeito passivo igual, levando a Fundação S.E.T.H. a contê-los e estudá-los ao invés de matá-los, sendo esta a última opção a fazer-se. Enquanto o 2-0-0-9-1 estava soltando partículas luminosas, despencou severamente, caindo com a cabeça nalgumas casas ao lado e com seu braço direito tombando na rua onde Ashe e Reid estavam.
Como o garoto estava caído, demorou para levantar-se, e, ao tentar fugir do braço despencando, foi atingido entre o espaço dos dedos da criatura. Mesmo que escapasse por pouco, o impacto da mão estremeceu o chão e rachou a rua onde estavam, além de destruir as moradias com o corpo caído. O vento desencadeado pela queda brusca do imenso tronco corporal empurrou Reid, que estava perto, e nocauteou-o quando atingiu o chão.
Ashe correu até onde Reid estava, preocupada com ele, mesmo que ainda estivesse brava com a atitude que tomara. Ele tinha um arranhão na cabeça, um corte que saía um pouco de sangue; mas que estava sendo curado lerdamente pela regeneração dele. Pegando seu celular do bolso, Ashe discou algum número e esperou alguém atender.
Aos poucos, Reid foi retomando sua consciência, com uma leve dor de cabeça. O cheiro donde estava era diferente de seu quarto, fazendo-o perceber que não havia morrido e recomeçado totalmente o dia, deixando-o tranquilizado... mas por pouco tempo. Ao tentar mexer-se, sentiu que suas mãos estavam algemadas na mesa à frente dele, estando numa sala de interrogatório, com apenas três cadeiras, estando sentado em uma delas; um vidro refletor e uma porta no canto, com as paredes da sala sendo cinzas e uma câmera acima da porta.
Percebendo que suas pernas estavam amarradas às da cadeira, também sentiu que seu celular não estava no bolso de sua calça. Instantes depois, um homem moreno e uma mulher de cabelo longo, ambos com trinta e poucos anos entraram na sala, com coletes da Fundação. O principal símbolo da S.E.T.H. era uma estrela de quatro pontas dentro dum pentágono, com ambos circunscritos num círculo, com a frase securitatem et tutelam humana inscrita no centro, significando "segurança e proteção da humanidade".
Além disso, usavam camisetas brancas, calças escuras e sapatos pretos, com um distintivo com o símbolo Lambda no pescoço, pendurado. A Fundação é subdividida em quatro níveis de hierarquia: os agentes Zeta, como a classe mais baixa, ainda sendo recrutas; os agentes Lambda, como os faz-tudos da S.E.T.H., atuando em múltiplos âmbitos; os agentes Alpha, como os comandantes dalgumas decisões, além darem ordens aos inferiores a eles; e, por fim, apenas cinco agentes Ômega, formando um grupo chamado de "O Concílio", o qual comanda toda a Fundação S.E.T.H. e possui a palavra como lei. Com aqueles dois agentes-investigadores Lambda na sala de interrogatório com Reid, começaram a fazer perguntas ao jovem, com o homem começando a falar:
— Reid... Calhoun, certo? Estudante de bolsa de Stanford para "estudos de ingressão à Fundação S.E.T.H."; vinte e um anos, um metro e setenta e seis de altura e sessenta e sete quilos; atualmente solteiro...
— Aonde quer chegar com isso, detetive?...
— Marconi. Detetive Marconi e detetive Santiago — respondeu-lhe o homem.
— Nós demos uma olhada na sua ficha pessoal no sistema, você nunca se destacou em nada, sempre seguiu à risca as regras e ficava na sua. Do nada, recebemos um comunicado da 7-2-8-4 sobre você pagando de herói e zombando da autoridade dela. Desde quando acha que seu efeito passivo pode desobedecer às nossas leis? — Santiago questionou o universitário.
— Não é nada disso, não provoquei Ashe porque me sinto mais poderoso, pelo contrário, a provoquei porque precisava que aquele maldito parasse com a destruição!
Batendo a mão na mesa, detetive Marconi, fazendo uma pose de zangado, retrucou:
— E por que alguém como você se arriscaria tanto só p''a matar aquilo? Mesmo que não houvesse outra opção, quem 'cê achou que fosse?!
— Eu sou mesmo uma Anomalia ou não!? — gritou Reid aos dois.
Olhando um para o outro, a detetive Santiago falou:
— Sim. Por que ainda tem dúvidas disso? — Sentou-se em sua cadeira após perguntar.
— Olha aqui, eu não sei muito bem como funciona isso e acho que a Ashe não entendeu bem quando expliquei àquela hora. Toda vez que eu morria, eu voltava no meu apartamento, sentindo toda a dor de como acabei morrendo — enquanto Reid contava o que sabia, os dois agentes se olharam inconcebivelmente —, e eu não poderia ficar parado na terceira vez em que voltei. Seria humilhante e covarde.
— Terceira vez? — perguntou Marconi. — Então você viveu o mesmo dia três vezes? Mas há quanto tempo você é uma Anomalia.
— Isso... eu não sei explicar. Acho que virei uma Anomalia na primeira vez que vivi aquele dia...
— Ainda é o mesmo dia, na verdade. Agora são nove e vinte da noite — disse Santiago.
— Ah, não fazia ideia, aqui não dá p'ra ver o lado de fora... Enfim, só notei que era uma Anomalia quando não senti fome, quando machuquei minha mão e ela se curou, quando meu olho mudou de cor... Então tecnicamente foi hoje; mas não... hoje em si.
— A 7-2-8-4 nos falou... mais ou menos isso. Olha, vamos te transferir p'ra um estudo melhor, é algo difícil de entender assim de primeira. Venha — falou Marconi.
Desalgemando as pernas e os braços de Reid com uma chave em seu bolso traseiro esquerdo, o detetive Marconi o levantou e algemou seus braços para trás, enquanto que a detetive Santiago bateu duas vezes na porta, dizendo "abra, Spencer". Logo após o fazer, a porta foi destrancada e eles saíram, virando à direita, seguindo reto até a terceira porta à esquerda, dando ao pátio do Departamento de Polícia de Sunnyvale, a mais de treze quilômetros da Universidade de Stanford.
Ao lado da delegacia, há um tribunal para casos rápidos ou transferências de detentos. Ao levá-lo até lá, Santiago estava na frente, enquanto que Marconi andou junto com Reid, ao lado dele. Havia poucos policiais ali, já que boa parte ainda estava realocada para prestar serviços de segurança nos locais destruídos próximos a ali. Imprevisivelmente, um carro de polícia disparara o alarme por mau funcionamento, distraindo os agentes-investigadores, e, misteriosamente, Reid levou dois tiros à queima-roupa em suas costas, com as balas atravessando seu peito.
O acontecimento foi tão rápido que ninguém entendeu donde veio o atirador, principalmente Reid, quem estava confuso e com os pulmões se enchendo de sangue. Como pôde acontecer algo tão inusitado assim? O jovem mal saíra vivo e já sentiu os resquícios de sua vida desaparecendo de novo. Caindo no chão, Santiago foi até o garoto, enquanto Marconi correu atrás da pessoa de capuz escuro à noite. Alguns outros policiais, ao ouvirem os disparos, também perseguiram o assassino que pulou o muro.
Perdendo a consciência enquanto a voz de Santiago gritava para que ficasse firme, a mão da detetive tentava pressionar o sangue que escorria. Tossindo sangue e fechando os olhos, Reid não resistiu aos ferimentos, fazendo seu olho brilhar e reiniciar sua vida. Assustado, acordou ofegante na cadeira com um choque de medo, com suas pernas e braços amarrados, numa sala de interrogatório cinza, com uma mesa no centro, duas cadeiras à frente e uma câmera acima da porta. Entrando os dois detetives, Reid já gritou com eles:
— Quem atirou em mim? Pegaram ele!?
— Que joguinho está tentando fazer, senhor Reid... Calhoun. Sabemos onde estuda, sua idade, altura e peso, onde mora, seus documentos e...
— Não me diga, que eu sou solteiro também? É sério que morri de novo??
— Uou, pode se acalmar aí! A 7-2-8-4 nos contou sobre esse seu "papinho", precisamos entender isso. Sou o detetive Marconi e esta é a...
— Santiago? — respondeu Reid, nervoso, ao detetive.
Olhando estressados um para o outro, Santiago disse:
— Chega de graça, garoto, se não for colaborar, encerramos aqui. — Indo à porta da sala, batendo duas vezes e falando "abra, Spencer", Marconi desalgemou Reid com sua chave no bolso traseiro e seguiram ao pátio.
Gritando "não" pelos corredores e debatendo-se, foi levado à força pelo detetive, enquanto Santiago ia na frente deles. Desesperado sabendo que levaria tiros, o carro de polícia apitou o alarme e, quando passou perto do lugar do tiro, Reid tentou virar-se para enxergar o atirador; mas com Marconi o segurando, levou dois tiros novamente nas costas à queima-roupa.
A mesma situação acontecia: Santiago tentou conter o sangramento, Marconi e alguns policiais, assustados, correram até o atirador encapuzado e este havia fugido, pulando o portão. Ao sentir a mesma dor de quando levou os tiros da primeira vez, a pressão das mãos de Santiago não resolveram, e, quando seu olho brilhou, acordou desesperado novamente na sala, estando amarrado das mãos aos pés. Assim que recobrou a consciência, os dois agentes-detetives entraram e fecharam a porta, com Marconi sentando na cadeira à frente dele e pegando uma ficha, enquanto que Santiago ficou parada ao lado de seu parceiro.
— Reid... Calhoun, certo? Estudante de bolsa de Stanford para "estudos de ingressão à Fundação S.E.T.H."; vinte e um anos, um metro e setenta e seis de altura e sessenta e sete quilos; atualmente solteiro; mora em um apartamento a cinco quadras da universidade no quarto "oito E"; carteira de motorista tirada em 2021; notas um pouco acima da média; seus pais são divorciados há dez anos; tem uma conta de crédito padrão no Wells Fargo... Enfim, nós demos uma olhada na sua ficha pessoal no sistema, você nunca se destacou em nada, sempre seguiu à risca as regras e ficava na sua. Do nada — continuou falando, fechando a ficha do rapaz —, recebemos um comunicado da 7-2-8-4 sobre você se pagando de herói e zombando da autoridade dela. Desde quando acha que seu efeito passivo pode desobedecer às nossas leis?
— Onde... vocês cursaram faculdade?
— Por que quer saber? — perguntou Santiago.
— Eu sou uma pessoa normal, eu não faço ideia do que aconteceu, eu... eu estou assustado, eu não quis... — Reid começou a chorar.
Simpatizando-se com o jovem, Santiago lhe respondeu:
— Sou cursada em psicologia criminal pela Cornell, de Nova Iorque, e não precisa chorar, só queremos saber o que houve...
— Nós sabemos que deve ser tenso virar uma Anomalia; mas você cometeu algumas infrações e precisamos tentar resolver antes da Fundação vir recolhê-lo — falou Marconi.
Respirando calmamente, Reid, o qual fingia estar assustado, com um plano em mente, virou para Santiago e perguntou:
— Você já perdeu alguém que ama? Algum amigo, familiar...
— Eu sei o que houve com seu pai na sua ficha, e já perdi meu irmão em um Incidente, sei como se sente.
— Sinto muito. Quantos anos ele tinha?
— Sete... Se chamava Miguel.
— Se você pudesse salvá-lo, detetive Santiago, se pudesse voltar no tempo, você faria?
Santiago parou para pensar, por um instante, dizendo:
— Foi por isso que desobedeceu a 7-2-8-4?
Apenas ficando em silêncio, Marconi olhou para Santiago e disse a Reid:
— A 7-2-8-4 nos falou... mais ou menos isso. Olha, vamos te transferir p'ra um estudo melhor, é algo difícil de entender assim de primeira. Venha.
Vendo que seria levado para o prédio ao lado de novo, esperou Marconi o desalgemar e Santiago bater na porta e dizer a frase. Quando estavam no corredor, puxando assunto, perguntou para Santiago:
— Há quanto tempo é agente?
— Faz quatro anos que virei detetive, antes disso fui agente de perícia; mas cansei daquela vida.
— E onde você fazia perícias antes de ficar em São Francisco?
— Era em Nova Iorque mesmo; mas havia tantos crimes que eu não aguentava mais, agora só recebo casos menores.
Saindo pela porta da delegacia e atravessando o pátio, Reid olhou para a viatura que dispararia o alarme, esperando o destino se concretizar. Após a sirene apitar, Reid, cochichando para si, disse "vejo vocês logo".
— O que foi, garoto? — perguntou Marconi.
Levando dois tiros à queima-roupa da pessoa encapuzada, Reid caiu no chão, sangrando, enquanto Santiago tentava pressionar os ferimentos. Marconi e alguns policiais, ao ouvirem os tiros, correram até o atirador, sem sucesso.
— Não force os pulmões, resista!
A voz da detetive ficava distante, longe de Reid, como se ele não a escutasse mais. Seu pulso foi diminuindo e seu olho brilhou, recomeçando o interrogatório mais uma vez. Reid não fez sua morte ficar em vão, e havia um plano para poder escapar dali vivo. Ao entrarem na sala, os detetives começariam a fazer perguntas ao jovem.
— Reid... Calhoun, certo? Estudante de bolsa de Stanford para "estudos de ingresso à Fundação S.E.T.H."; vinte e um anos, um metro e...
— Onde eu estou? Onde eu estou?! — berrava Reid.
— Ei! Acalme-se, o que está...
— Eu não consigo respirar, eu... eu estou passando mal, o que aconteceu comigo?! Socorro!!
— Marconi, pegue um copo de água, agora!
Levantando-se rapidamente, bateu na porta e disse apenas a frase "abra". Quando Santiago chegou perto para acalmar o jovem que estava berrando e chorando, surpreendeu-se com o que aconteceria.
— Detetive Santiago, desculpa o "showzinho"; mas eu preciso da sua ajuda — falou baixo.
— O quê? Você não está passando mal? — disse, hesitando em afastar-se do garoto.
— Uma pessoa vai me matar quando eu sair dessa sala no pátio da polícia, eu preciso que vocês me protejam, por favor!
— Por que eu acreditaria em você? Você desobedeceu uma Alpha há algumas horas.
— Porque eu sei que você é uma pessoa boa, não é a primeira vez que nos encontramos. Você perdeu um irmão de sete anos em um Incidente e cursou faculdade criminal em Cornell, trabalhou na perícia investigativa por anos, até que se cansou do caos que era em Nova Iorque e mudou como detetive faz quatro anos.
— Como você?...
— Eu sei disso porque você me contou das outras vezes, e eu confio em você.
— Qualquer um poderia saber da minha vida, você é só um charlatão... — falou assustada, negando tudo o que ele disse, ou ao menos, tentando.
— Pode até ser; mas quantos sabem que tem uma viatura com problema no alarme? Ela vai apitar quando estivermos lá fora daqui uns quatro minutos. Eu sei que a chave das algemas está no bolso de trás esquerdo do detetive Marconi. Eu sei também que você falaria para um tal de "Spencer" abrir a porta quando saíssemos. Aliás, assim que passarmos daquela porta, vamos virar à direita e depois à esquerda, na terceira porta. Como eu sei disso se estava inconsciente? Só estou cansado de passar por isso de novo...
Afastando-se de Reid, Marconi entrou na sala com um copo com água. Vendo que o rapaz algemado estava com a cabeça baixa; mas não mais chorando, perguntou à Santiago o que havia acontecido enquanto estava fora.
— Não foi nada, eu conversei com ele e se acalmou...
Sentando-se na cadeira, começou a falar a ficha que haviam de Reid, sobre sua idade, altura, onde estudava, número do apartamento, entre outras informações; mas o rapaz não respondia.
— Vai ficar quieto mesmo? A 7-2-8-4 se sentiu humilhada pelo que você fez com ela, não vai se defender de nada sobre hoje à tarde?
— ...
— Não sei o que houve aqui; mas parece que não vai falar nada. Vamos p'ro tribunal. — Levantando-se da cadeira e retirando a chave assim como Reid disse à Santiago, ela bateu na porta e falou a frase que soubera do jovem.
Do lado de fora, o assassino misterioso aguardava a saída de Reid, cobrindo seu rosto com um capuz, com um símbolo vermelho atrás. Após aguardar alguns minutos, Reid saiu algemado, com Marconi a seu lado e Santiago à frente dos dois. Saindo atenciosamente de trás dos arbustos escuros da delegacia, partiria para a ação. Com poucos postes iluminando o lugar onde passavam, o assassino chegou perto o suficiente sem ser notado, até que o carro de polícia tocou o alarme com mau funcionamento. Ao ouvir a sirene, detetive Santiago virou-se para trás e, retirando sua arma do coldre que ficava escondido no colete, gritou:
— Abaixe a arma!!
Assustado com a surpreendente ameaça de Santiago, o assassino atirou duas vezes nas costas de Reid, o qual caiu. Após a pessoa misteriosa reagir com disparos, Santiago disparou em sua coxa, ferindo-o e fazendo-o largar o revólver, correndo enquanto mancava. Por perder forças com a perna ferida, não conseguiu escapar pulando o muro, sendo pego por Marconi e por um policial que ouviu os disparos.
— Reid, Reid! Está bem?
Tossindo de dor, Reid se vira para Santiago no chão, dizendo:
— Obrigado por... confiar em mim. — Dando uma risada.
Antes de saírem até o pátio, Santiago, sem explicar claramente o motivo, pediu para que dessem um colete à prova de balas ao jovem, vestindo-o quando o desalgemaram novamente.
— Quando vão atirar em você? — cochichou Santiago perto dele.
— Instantes depois do carro da polícia apitar...
Ninguém notou a fala breve dos dois, prendendo-o e seguindo para fora. Assim que a viatura alarmou a atenção da detetive, virou-se confiante na palavra dele, resultando na nova realidade em que Reid saiu vivo.
— Achei que os coletes amorteceriam a dor... Ai... — reclamou.
Ajudando-o a levantar, todos voltaram para dentro, tanto para retirar o colete de Reid quanto para prender em flagrante o atirador. Com os policiais abaixando seu capuz e a luz batendo no rosto da pessoa, Reid viu quem era seu assassino: Matthew, o aluno estressado da aula mais cedo. Olhando-o assustado, o garoto preso respondeu com raiva a Reid:
— Uma Anomalia estudando comigo?? Seu nojento! Morra!!
Após o incidente anterior com o 2-0-0-9-1, Matthew havia-se escondido próximo à rua onde o Espécime foi morto, vendo Ashe falar no celular que havia encontrado uma Anomalia, sendo o garoto que estudava com ele.
— A arma é do pai dele, ele admitiu quando pegamos ele, parece que simpatiza com as Mariposas — falou Marconi ao atendente de apreensão. — Liguem para eles virem aqui. Santiago, muito bem por hoje, só vou assinar umas papeladas da apreensão e vamos levá-lo p'ro tribunal.
Sentando ao lado da detetive a quem confiou a vida, Reid, sorrindo, falou:
— Te devo uma; mas ainda não sei seu primeiro nome...
— Emilia... e se tivesse mentido p'ra mim, eu ia te matar, garoto...
Enquanto esperavam Marconi terminar de assinar alguns papéis, a "queridinha da Fundação" apareceu naquela delegacia, já uniformizada com uma regata branca, uma calça escura larga, com sua identificação de Alpha na cintura e uma pasta em sua mão, estando com um rabo de cavalo em seu cabelo loiro.
— Oi, encrenqueiro... Olha, começamos com o pé esquerdo mais cedo, principalmente por você ter me irritado; mas são águas passadas — falou Ashe, entregando a pasta para Santiago. — Tenho autorização para levá-lo comigo até a Sede de Washington, uma ordem vinda acima de mim, pode consultar no sistema.
Levantando-se da cadeira, pegando a pasta e indo conferir o código de transferência, Santiago deixou Reid com Ashe.
— Vejo que seu ferimento na cabeça está curado; mas parecia bem lento naquela hora.
— É... Não é muito forte a minha cura. Vamos mesmo p'ra Washington?
Pensando em como lhe responderia, Ashe decidiu abrir o jogo com Reid.
— A verdade é que o 8-0-7 está estressado com você... De alguma forma, você foi o primeiro que mudou a visão que ele teve, e os Ômega acham que você é uma "brecha" contra ele, o triunfo da Fundação.
Vendo que se havia metido numa enrascada não propositalmente, Reid soube que seu efeito passivo começou a chamar a atenção da Fundação S.E.T.H.
— Eles associaram a descrição que dei do seu efeito com o fato do 8-0-7 ter errado pela primeira vez — continuou Ashe —, e isso fez ele ficar louco, me contaram. Enfim, preciso te levar à Sede de Washington, ele está lá te esperando.
Santiago, devolvendo a ficha para Ashe, falou:
— Está tudo certo, a transferência está autorizada nos registros, boa viagem. Se cuida, garoto.
Retirando as algemas de Reid e colocando as que Ashe tinha, eram algemas especiais, como finas pulseiras magnéticas, as quais poderiam juntar-se quando apertasse um sinalizador.
— Vou te dar uma chance! — falou Ashe, apontando o dedo para Reid, intimidando-o. — A primeira gracinha eu te deixo algemado a viagem inteira.
Com um voo marcado às dez horas da noite, Reid entrou num carro alugado de Ashe, um protótipo elétrico que o Vale do Silício estava produzindo em parceria com a Fundação, e estando ali, Ashe foi escolhida para testar seu funcionamento.
— É um carro de transporte meio chamativo, não acha? — falou Reid.
— Ignora, não é meu, preciso dar um feedback depois. Ele é autônomo, e com as ruas assim, pediram p'ra eu testar se está funcionando certo o GPS dele.
Passando pelas ruas não atacadas pelo Espécime 2-0-0-9-1, o ar de terror ainda estava sendo emanado. Apenas departamentos de segurança e de saúde poderiam ficar abertos, fazendo com que todos os outros estabelecimentos fechassem obrigatoriamente até que houvesse autorizações para a reabertura e as pessoas obedecessem à quarentena, podendo sair apenas em casos de urgência. Com as ruas vagas e os semáforos amarelo-piscantes, o condado inteiro estava literalmente vazio, com um silêncio absoluto. Reid olhava para a janela pensando em Rebecca, se ela estaria bem, até que gritou assustado:
— Esqueci meu celular, eles não devolveram!! Eu preciso ligar p'ra uma pessoa!
— Olha, acho que não poderá ficar com seu celular aonde vamos; mas como sou boazinha, usa o meu só p'ra ligar. Não vou contar.
Pegando o celular e discando o número de Rebecca, Reid se emocionou ao ouvir a voz dela. Não conversaram muito, apenas queria saber como ela estava e que ele demoraria para voltar, dizendo para ela ser paciente, além de pedir para pegar as coisas do apartamento dele e deixá-las na casa dela. Após uma breve ligação de poucos minutos, devolveu-o à Ashe, agradecendo-lhe.
— Era... sua namorada?...
— Não, não, é só uma amiga.
— Ah, sim, 'tendi — "Ufa", pensou.
— Não tenho tantos amigos com quem contar, sabe?
— Te entendo, também tenho poucos. O que vale não é a quantidade, então relaxa.
Seguindo viagem, foram ao Aeroporto Internacional de San José, entrando no voo com uma autorização especial dela, já que Reid estava apenas com seus documentos principais e não com o passaporte. Um pequeno avião bimotor estava esperando-os para decolar. Embarcaram no avião e colocaram capacetes que abafavam o som dos motores.
— Apertem o botão do lado direito para falarem entre si, o do lado esquerdo chamará eu e o piloto, entendido?
Erguendo o dedão para indicar que havia entendido, Ashe respondeu ao copiloto, apertando o botão direito para falar com Reid, ficando com a voz grave na transmissão que o garoto ouvia.
— Eu preciso que você engula isso. — Abrindo sua mão, mostrou uma cápsula que estava guardada no bolso. — É um tranquilizante, você "tecnicamente" não pode saber onde o 8-0-7 está em Washington, então você precisa dormir. Vai acordar normalmente assim que o efeito passar, 'tá?
Inseguro de engolir aquilo, percebeu que estava em débito com Ashe após enganá-la à tarde e fazê-la persegui-lo. Engolindo seco o comprimido, demorou cerca de vinte minutos para dormir, já estando no voo quando perdeu a consciência. Ao acordar, estava deitado numa sala escura, com apenas uma luz fraca no teto, bem no meio da sala. Aquele lugar parecia ter cinco metros de largura, cinco metros de comprimento e três metros de altura, sendo uma sala muito grande apenas para ele estar ali.
— Mil e oitocentos anos... — Reid ouviu uma voz rouca e estressada vindo da parte escura da sala enquanto o som de unhas arranhando a parede se misturava com as falas. — Em mil e oitocentos anos, eu nunca errei em nada, nem na morte da droga de um ínfimo cupim...
Engolindo sua saliva de nervoso, Reid tentou perguntar:
— Você é o...
— Calado!! — Gritou nervosamente a criatura que saía do escuro.
Era o Espécime 8-0-7, uma Anomalia humanoide com mais de dois metros, braços magros e envolto numa túnica escura da cintura para baixo, com uma pele esbranquiçada. Tinha uma aparência anoréxica, com unhas pontiagudas amarelas nos dedos das mãos e dos pés. Sua cabeça era ampla e achatada, com dois chifres vastos e não tinha nem cabelos e nem olhos, apenas uma pequena narina imperceptível e uma boca larga. Mesmo que a boca parecesse um sorriso, era amargoso e nervoso.
— Você é o único que desobedeceu à minha visão, o único em milênios, criança!...
Estando nas mãos do Oráculo, Reid enfrentaria uma conversa tensa com aquele que guiava as ações da Fundação, sendo encurralado a todo instante com as falas agressivas do Espécime 8-0-7.