Após o ataque bem sucedido à vila, eu e Bresk estávamos caminhando lado a lado, foi um momento um pouco embaraçoso.
─ Incomodado com algo?
Ele parecia ter sentido meu desconforto e me perguntou.
─ Não, eu acho. Só estou pensando em algo.
─ O que?
─ Bem… É… Você foi morto por mim há cinco meses, e mesmo assim, eu te forço a me seguir. Sem contar o Crzeck, a única outra pessoa que posso ter um contato normal é você.
─ Entendo. Mesmo que eu te rejeite, meus instintos me forçam a segui-lo. Sou um cara naturalmente quieto, foi assim que eu cresci, mas saiba que valorizo muito o companheirismo. Nós agora somos irmãos de batalha, não precisa se preocupar se as coisas estão estranhas. Eu perdi, você ganhou, o mais forte vive e o mais fraco morre.
Ele deu um soco fraco no meu ombro e um pequeno sorriso apareceu em meu rosto.
─ Que venham mais conquistas pela frente.
─ Com certeza virão.
─ Falando nisso, você teve algum treinamento ou aprendeu tudo sozinho?
─ Quando eu era pequeno, meu pai tinha uma cabana de caça, aprendi a maioria das coisas com ele. Mas acho que você esteja se referindo ao treinamento militar, e sim, eu tive. Assim que você completa os 18 anos, pode escolher ingressar nas linhas Vrarianas.
─ Imaginei. Quero saber se você pode me treinar, tanto combate corpo a corpo quanto espadas. Eu sei o básico, e todo conhecimento é bem vindo.
─ Sem problemas. Já que vamos ter que esperar aqueles vermes virem atrás de nós, dá para encaixar no cronograma os treinos.
Bresk concordou e foi mais longe ainda, ofendendo o povo da nação que uma vez ele já viveu, e vendo isso, me senti estranho.
'Será que isso é ter um irmão mais velho?'
Conforme andávamos de volta para a caverna, eu e Bresk jogamos papo fora, conversando sobre coisas aleatórias, graças a finalmente ter me aproximado de Bresk, esses momentos foram agradáveis.
Ao avistarmos a entrada da caverna de longe, um homem com roupas escuras e um capuz que escondia sua identidade estava de pé nos esperando.
─ Vocês foram mais rápidos do que eu esperava.
O Sol estava prestes a se pôr, mesmo odiando o que aquela entidade representava, não pude deixar de apreciar a vista. O tom avermelhado que o céu estava ganhando me trouxe lembranças. Com o passar do tempo, minhas emoções ficaram mais nubladas, eu não podia deixar-me ser afetado, porém, lembrando o que fiz hoje, um sentimento quente tomou meu corpo. Eu subi meu primeiro degrau.
─ A maioria das pessoas lá eram civis, pensei que seria mais desafiador.
─ Não se preocupe, eles virão até você.
Crzeck comentou, após isso, ele tossiu para mudar de assunto.
─ Ahem… Quantos esqueletos você conseguiu dessa vez?
Olhei para Crzeck, depois olhei para Bresk. Dava para ver nos meus olhos o arrependimento de não ter lembrado de ter usado minha magia.
─ Me diga que, pelo menos, as almas você coletou?
Coloquei minhas mãos atrás das costas, desviei o olhar e comecei a assobiar.
─ Me desculpem pela falta de educação, mas tenho que ir treinar.
Envergonhado por minha burrice, saí de fininho enquanto cantarolava uma canção infantil em forma de assobio.
'Puta merda, como eu pude perder uma oportunidade dessa de levantar um exército?'
Devido a tarefa de hoje, fiquei realmente exausto, toda aquela movimentação realmente foi cansativa. Para falar a verdade, eu nem queria meditar, mas por causa do que deixei passar, preferi beber um Elixir e meditar para limpar minha mente.
Do lado de fora, Crzeck e Bresk estavam caminhando lentamente para dentro da caverna.
─ Como ele se saiu?
─ Bem, eu acho. Por mais que estivesse entorpecido pelo prazer e pelo ódio, ainda estava consciente e não se cegou com as emoções.
─ Sinceramente, às vezes esse garoto…
Bresk deu algumas risadas leves.
─ Espero que ele não se torne arrogante no futuro, sinto que ele tem uma inclinação a isso.
─ Ele não vai, o rapaz é bom, mas não dá para ser bondoso neste mundo.
Crzeck balançou a cabeça em concordância.
****
Despertei no outro dia com uma energia insana correndo dentro de mim.
─ Hora de treinar!
Gritei de dentro do meu quarto, Bresk, que havia concordado em me ajudar, se levantou ao ouvir meu chamado. Agarrei uma garrafa que continha o Elixir e andei até o cômodo central do lugar.
─ Que belo dia para se estar vivo, não é mesmo, rapazes?
Nenhum dos dois pareceu entender o meu ânimo, mas não me importei. Com meu dedão, atingi o lacre do Elixir e ele fez 'Pop' e caiu no chão. Em três goladas, termino o frasco e sinto a mistura atingir meu estômago, a mana bruta já começou a se manifestar no meu corpo.
─ Vamos lá, Bresk.
Faço um grande sinal de chamada com meu braço, não sei o que deu em mim, hoje estou mais ativo que o normal. Porém, antes de sair, digo algo para Crzeck.
─ Mestre, me perdoe por ontem. Fui idiota.
Crzeck apenas acenou com a mão, um gesto para eu me acalmar e deixar isso para lá.
─ O que passou, passou. Quero dizer algo para você, em relação às almas. Sinto que você vem negligenciando esse tipo de poder, talvez sem querer, mas de qualquer forma, não é uma coisa boa fazer isso. Me apressei e terminei de escrever um livro sobre as almas. Quando estiver com tempo, leia ele e absorva o conhecimento. Esse mês será um mês de descanso, digamos assim. Melhore sua mana e seu controle, suas magias e sua força. E se por acaso alguém aparecer na floresta, não hesite em atacar.
─ Entendido.
Me viro e volto a andar com Bresk. Caminhamos uma distância de mais ou menos 500 metros, decidi treinar na beira de um lago, um banho após um treino físico cairia bem.
─ Então, quais são as suas fundações?
─ Sei lá. As únicas coisas que me lembro são os ensinamentos básicos do meu pai quando eu era pequeno e os espancamentos que eu recebia no castelo. Acredito que aquelas pragas usavam boxe contra mim, então tenho um pouco de memória muscular quanto a esse tipo de ataque.
─ Entendi. No Exército, nós aprendemos variados tipos de artes marciais. Aprendemos como socar e onde socar, chutar, derrubar, imobilizar e matar. Iremos começar pelo básico aqui, que tal um sparring somente com socos?
─ Tudo bem.
─ Vale lembrar, não amplifique seu corpo com mana ou use qualquer truque, provavelmente um soco seu iria me desmontar.
─ Tudo… bem.
Meu corpo está com uma constituição ótima. Por causa dos treinos físicos intensos e da mana moldando meus músculos, eles são bem definidos e densos para uma pessoa de 16 anos. Mesmo assim é impressionante, meu corpo está tão esculpido quanto os corpos daqueles escravos adultos que competiram por sua liberdade naqueles esportes, e isso me deixa feliz.
Atualmente, possuo 1,80m, cresci praticamente 1 centímetro por mês, isso é muita coisa. Bresk, pelo contrário, ainda continuava com sua altura padrão de 1,75m. Sendo mais baixo que eu, sua base de luta era mais fechada, ele protegia suas costelas e sua mandíbula ao mesmo tempo.
Por mais que meu corpo seja atlético, sou na verdade um brutamontes. Posso não ter técnica, mas se meu soco acertar, iria causar estrago. Sabendo disso, tentei copiar o jeito que Bresk estava, ambos sendo destros, nossos pés direitos estavam na frente e nos encaramos enquanto aguardamos o outro fazer algo.
Fiquei com receio de atacar Bresk primeiro, ele tinha treinamento, eu poderia acabar tomando um golpe de contra ataque e perder a luta sem ela mal começar. Talvez ele estivesse esperando a minha iniciativa, e esperando a ação, eu já estava começando a ficar entediado. Rapidamente, minha mão esquerda deixa minha guarda e vai em direção ao seu queixo, meu foco não era machucar, já que usei somente a velocidade para desferir esse golpe.
Vendo meu soco vindo, Bresk se inclinou para fora do trajeto do soco, aproveitando o embalo, enquanto meu braço estava esticado, velozmente ele desferiu um cruzado de direita em minhas costelas, fazendo eu me contorcer e recuar.
─ Você tomou uma boa decisão, mas houve movimentos desnecessários antes e durante a execução. Consegui prever o golpe antes mesmo dele sair. Quando se trata de corpo a corpo, cada mínimo movimento pode entregar o que você quer fazer, deverá prestar atenção nisso. Olha aqui.
Ele mostrou como seria se ele somente atacasse com um cruzado normal. E depois, o mesmo golpe, só que além de utilizar o momento da esquiva, sua perna direita, que estava a frente, estabilizou e impulsionou, ele girou seu quadril, usou os músculos das costas e por fim, entregou o cruzado.
─ Consegue ver como o impacto e o dano serão maiores? Com treino, você irá melhorar isso, então não se puna ou algo do tipo.
Voltamos à posição inicial. Trocamos alguns golpes, os de Bresk estavam mais lentos, para poder me dar a chance de me acostumar. Eventualmente um soco ou outro dele me acertava no rosto, no abdômen, nas costelas, na têmpora e por aí fomos. Mesmo assim, não fraquejei e continuei tentando pressioná-lo.
'Se eu pudesse usar mana, com certeza eu seria mais rápido e forte que ele.'
Aconteceu algo inesperado, para nós dois. Bresk tentou me golpear com um soco de esquerda, como aquele soco visava dar dano, ele pecava em velocidade. Percebendo isso, ao invés de bloquear com a guarda alta ou somente dar um passo para fora, dei um passo para dentro da guarda dele, e o que vinha comigo, Bresk não esperou.
Meu subordinado não imaginava que eu seria tão ambicioso, e percebendo o golpe iminente, ele usou sua mão livre para tampar a parte do abdômen que ele imaginou que o soco atingiria, mas ao contrário de suas expectativas, eu fui mais ganancioso ainda. Um gancho de direita acertou em cheio o seu queixo, fazendo ele cambalear e cair de bunda no chão.
Ofegante, olhei para ele e sorri.
─ O que achou?
─ Ah, realmente baixei minha guarda.
Ele riu, então estendi a mão para ajuda-lo a se levantar. Pelo golpe ter acertado em cheio, seu cérebro ainda estava sob efeito do choque, deixando ele um pouco desnorteado.
─ Vamos descansar por cinco minutos, tenho que recuperar o equilíbrio.
─ Certo.
Sentei ao lado de Bresk, e observando como ele estava um pouco surpreso, dei uma risada e soquei de leve seu braço.
─ Que cara é essa? O mestre não deveria ser mais fraco que seu subordinado.
─ Argh. É claro que você é, se eu tivesse que enfrentar seu corpo amplificado com mana, nem todos meus sentidos melhorados iriam me ajudar. Mas é justamente por isso que estamos treinando sem o auxílio da mana, você precisa ter uma base, para assim brilhar ainda mais quando utilizar a mana, não o contrário.
Concordei com a cabeça. Me senti um pouco mal por ter nutrido sentimentos ruins no meio da luta, achei que ele só não queria que eu utilizasse mana para não humilhá-lo.
─ Já descansamos, vamos voltar ao trabalho.
Bresk se levantou e estendeu a mão para mim, segurei ela e me levantei. Nos próximos minutos, nos mantivemos em trocas equivalentes, para alguém que estava aprendendo a lutar Boxe hoje, até eu estou impressionado com a minha evolução.
Enquanto trocavamos golpes um ao outro, vejo uma brecha ridícula no posicionamento de Bresk, me permitindo um ataque potente com meu punho direito. Antes que eu pudesse perceber o que aconteceu, Bresk entrou na minha guarda, mas não de frente, de costas. Ele agarrou meu antebraço e minha blusa, com seu quadril tocando o meu, firmou suas pernas ao mesmo tempo que usou toda sua força para me lançar por cima dele.
Estirado no chão e com dor, abro os olhos e enxergo Bresk, me observando com um sorriso orgulhoso.
─ É isso que você ganha por não prestar atenção
Nós dois rimos.