No hospital, a certeza. Maira estava com oito semanas de gravidez. No teste de HIV, soro reagente.
O vírus da AIDS estava presente do corpo da filha.
Bia não se atreveu mais a questionar a sorte. E entendeu parte do sonho... A filha sumindo na escuridão. Maira morreria. Já não sabia se odiava tanto a filha.Teve medo de ficar sozinha.
Restavam as duas. E uma teria que se apoiar na outra, como acontecera com Allan e ela, há vinte anos atrás.
Não se atrevera a procurar Allan. Teria que agir.
Lembrava que na época em que fora estuprada pelos meninos do bairro, a AIDS era mortal e por muito tempo os pais de Allan gastaram com exames caros, até ser descartada a possibilidade de contaminação.
Agora enfrentaria a doença da filha.
Devido às drogas, à bebida e a má alimentação dos últimos meses, Maira devia estar fraca. O vírus HIV vai destruindo aos poucos a capacidade do corpo de se defender de infecções. E num organismo fraco, a AIDS poderia evoluir muito mais rapidamente.
No hospital, informaram os coquetéis de medicamentos conseguiam, em muitos casos, controlar a carga de vírus no sangue, aumentando a qualidade de vida e as chances de sobrevivência, e principalmente reduzindo o risco de transmissão de Maira para o bebê.
Cuidados especiais deveriam ser tomados durante toda a gravidez e elas ficariam a par de todos eles.
Ao chegar em casa, a primeira chance de conversar...
E Maira foi quem começou a conversa.
– Tudo o que aconteceu, foi por medo de contar a você e ao meu pai que eu era lésbica!
Um arrepio percorreu o corpo de Bia. O sonho... O espelho que refletia a imagem dela, em vez da imagem da filha!
A repressão, a falta de conversa. Alias, nem mesmo Allan sabia de sua repressão.
Ela jamais teria agido como sua mãe, ao descobrir um relacionamento homossexual em uma das filhas.
Mas nunca dera a nenhuma delas a oportunidade de conversar
Maira contara que o medo de assumir o romance com Nika a levara a usar álcool e drogas e que em busca de conseguir esquece-la, se envolvera com diversos parceiros. Não sabia quem era o pai da criança, nem de quem teria contraído o vírus.
Havia chegado a hora de Bia contar todo o seu passado, desde Maressa. E de dizer que teria entendido tudo. Poderia ter sido tudo tão diferente.
Para refazer muitas coisas, agora era tarde. Mas restava a esperança de salvar a criança de Maira.
Depois, procuraria Nika. Agora poderia ir em busca da felicidade.
No hospital receberam esclarecimentos sobre o risco de transmitir o HIV para o bebê durante a gravidez, o parto ou a amamentação. Sem tratamento, o risco de a criança ser infectada é de 25%. Com tratamento durante a gravidez, porém, o risco cairia para menos de 2%.
O momento mais perigoso, a hora do parto. O parto seria cesáreo e Maira não poderia amamentar.
O primeiro passo fora dado. Agora, seria seguir o tratamento à risca.
Maira seria acompanhada por psicólogos durante a gravidez.
Pareceu a Bia que nem tudo estava perdido. Poderia dar tempo de ela salvar sua filha da escuridão além do espelho.
Ligou para Nika e marcaram um local para conversar e lá contou tudo o que acontecera., Não queria perde-la por nada no mundo, mas Nika deveria entender.
Precisava se dedicar ao trabalho e a Maira.
Lentamente, as coisas pareciam mudar o rumo e a vida parecia estar voltando ao normal.
Talvez, afinal, a nuvem negra se dissipasse.