O silêncio se dá por vários segundos. Aquelas duas personalidades se fitam em conflito direto. A sensação de um tempo quase parado corre por todo o espaço, e cada um deles aguarda pelo menor dos movimentos por parte do outro.
Jake fecha seus punhos, encarando com intensidade a pessoa à sua frente. Ali, em uma pequena distância de apenas dois metros de altura, ele vê a oportunidade de vencer aquela missão.
Ele prepara um veloz soco, atingindo a estrutura de madeira da casa. Um enorme buraco é formado na parede escura, contudo, não realizando o mínimo dano. A enigmática garota havia desviado.
"Acho que você errou!" Ela o provoca, desviando lateralmente enquanto literalmente escala pelas paredes.
Jake presta atenção naquela ação. A garota prendia-se à parede com o uso das pontas dos dedos não-cobertos por luvas de tecido de cor preta. Ao observar com maior cuidado, ele nota o interessante modo como seus dedos estão presos à parede por minúsculos cristais de gelo, imitando o modo como a língua pode ser presa por um pedaço de gelo.
"Gelo e água, huh? Isso pode ser mais problemático do que eu imaginei." Jake pensa apenas consigo mesmo, analisando os movimentos da garota.
"O que há? Você não quer tanto esse anel?" Ela o exibe em sua mão livre, que não está a tocar a parede.
Acrobática, a jovem garota de cabelos crespos em tom alaranjado utiliza-se de sua habilidade com o domínio de gelo ao máximo. Ela salta, de parede em parede, agilmente, prendendo-se nelas utilizando gelo. Aquele ambiente é perfeito para si, seu verdadeiro campo de combate. Em um ambiente como aquele, as chances de Jake são altamente minimizadas.
Em tempo nenhum, ela esconde-se, saltando para cima, possivelmente escondendo-se nas partes superiores, no teto. Ela utiliza-se da escuridão no lugar para ocultar-se, mascarando perfeitamente sua presença.
Estando perfeitamente escondida, a voz suave e feminina ecoa por todo o espaço vazio da ampla sala de estar.
"Acho que você não vai conseguir pegar o anel! Veja só... Nem sequer está tentando!" Ela desafia Jake, que até então, apenas analisa o ambiente em que se encontra.
O rapaz está vigilante e silencioso, e aguça sua visão, em uma tentativa de observar um pouco mais profundamente naquela escuridão intensa. As diversas partículas da atmosfera empoeirada dançam sob o baile proporcionado pela escassa luz solar que penetra pelas falhas estruturais geradas pelo tempo. Ainda é o início daquela manhã, e isso indica que há muito para acontecer.
... ... ...
"Surpresa!" Da poça d'água próxima dos pés de Jake, surge aquela garota.
Ele não possui tempo para se defender do chute potente que atinge seu rosto. Ela consegue saltar bastante, de fato. Seu estilo de luta é ágil e dinâmico, diferentemente do combate cru e não-especializado de Jake.
Jake cai ao chão com aquele chute, e é logo atingido por uma rajada de outros chutes mais fracos. Entretanto, o simples fato de serem executados em rápida sucessão é surpreendente. A dor é imediata. Jake cai, seu rosto atingindo o chão.
Ao perceber aquilo, a garota para a sequência de golpes, aproximando-se do rapaz desalmado, que tentava erguer seu rosto do chão, atordoado pela rajada de golpes.
"Sabe de uma coisa? Você não é o primeiro aventureiro com o qual eu lido. Não se sinta mal por estar sendo completamente humilhado por um simples ladrão do Burgo Esquecido!"
Jake, ainda caído ao chão, observa a face de sua atacante. Por um momento, aquela garota expressa uma feição de sutileza e feminilidade, ao sorrir de forma um tanto graciosa, em oposição completa aos seus talentos para o combate.
Jake aproveita-se daquele momento de distração. Ele já havia aprendido o suficiente acerca dela para ser capaz de desenvolver algum tipo de estratégia. Assim, enquanto ela perde seu tempo com aquele sorriso, Jake agarra a bota que calça o pé direito dela, fazendo-a cair ao chão.
Jake então revela o que havia escondido sob a manga longa da roupa, esfaqueando a garota com a adaga que adquirira de um daqueles combatentes encapuzados. A lâmina acerta o coração dela em cheio, e sangue jorra abundante, em união exata com uma expressão desesperada.
Ele levanta-se, e mordendo a língua com força para apaziguar a dor de um nariz a sangrar, rapidamente o realoca, de uma maneira surpreendentemente direta e fria. O jovem homem observa o corpo desfalecido, de roupas inteiramente tingidas de vermelho.
"Mais água."
Ele vê conforme pele, roupas e até mesmo o sangue se reduzem à transparente e pura água. Aquela é apenas mais uma das pegadinhas daquela brincalhona inimiga.
"Oh! Eu não acredito que você me matou! Você é cruel!" A voz dela ecoa novamente pelo cômodo amplo, proveniente de um espaço desconhecido na escuridão.
Apenas mais uma daquelas falsificações feitas com a água. Jake fita a poça sob seus pés, sabendo que aquilo pode vir a tornar-se algo prejudicial para ele novamente. Ele lembra-se das observações mentais que realizou a respeito do inimigo em questão.
***
"Relembrando tudo o que sei... Ela utiliza água e gelo, ou seja, é uma usuária de Magia. Em si esse simples fato torna as coisas mais difíceis para mim. No entanto, sei perfeitamente como posso ganhar essa luta..."
Jake permanece cauteloso e vigilante, sendo constantemente tentado e vigiado de algum lugar por aquela garota. Em sua mente, no entanto, resta apenas a perdurante calma.
"Ela é bastante ágil e sabe fazer uso do ambiente para combater, o que também torna as coisas difíceis para mim. Seu uso de água e gelo é mais do que apenas problemático, posta sua aparente grande experiência com o poder que possui. É bastante inteligente e consegue planejar, no entanto..."
"Eu estou aqui!" Mais uma daquelas falsificações feitas de água surge, tentando atacar Jake.
"... Desta vez, eu tenho um plano."
Jake não havia permanecido parado desta vez. O rapaz caminhou com cuidado, calculando cada um de seus movimentos. Assim, ele para em um espaço bastante específico daquela pomposa sala de recepção: ao lado de um pilar de sustentação, feito de madeira.
O clone feito de água passa a atacá-lo. Jake tenta atacar de volta, atingindo a grande peça de madeira suporta o peso de um quarto da casa inteira. Ele utiliza seu mais potente soco, e de forma aparentemente impensada, passa a quebrar através das estruturas de madeira das paredes com bastante força. A casa treme por inteiro quando o primeiro golpe é dado.
"Não consegue? Venha pegar o anel!" Ela desvia com absurda facilidade de todos os fortes e destrutivos socos de Jake.
Enquanto salta de parede em parede, realizando cambalhotas e manobras impossíveis. Ela continua rindo de Jake e seu esforço para atingi-la.
"Já pensou em como você é apenas mais um desses aventureiros patéticos que se acham capazes de ganhar o mundo? Você é ridículo!" Ela o provoca.
"Ora, cale a boca!" Jake reage à provocação de propósito, intensificando a sequência de socos.
Em pouco tempo, tudo naquela grande sala é quebrado. A força física estupenda de Jake facilmente irrompe através da resistente madeira de lei, quebrando desde paredes, até mesmo mesas e, principalmente, estruturas importantes para a sustentação da construção.
Ao fim daquilo, e mais uma vez destruindo o clone e tornando-o em uma poça de água, Jake para, encostando-se em uma viga de sustentação. Sua respiração está intensa, indicando o cansaço físico. O rapaz apoia sua mão esquerda sobre o joelho, assim, recostando-se ali.
Notando aquela postura, a garota deixa seu esconderijo. Ela estava exatamente escondida no teto do grande cômodo. A jovem mulher aproxima-se de Jake, fazendo questão de apontar a condição física dele.
"Você não me parece muito bem... Já está desistindo?" Ela pergunta, observando o anel.
A garota retira uma de suas luvas, analisando o anel, e logo posicionando-o em seu dedo anelar direito.
"Sim! É do tamanho certo! Pelo visto, esta linda joia já encontrou um novo dono!" O item encaixa perfeitamente.
... ... ...
"Será isso de fato verdade?"
A voz de Jake corre a casa de forma intensa. Aquela simples frase atrai a atenção da garota, que se surpreende com o que vê.
"Esse é o fim dessa brincadeira." Jake chuta o último pilar de sustentação, desestabilizando toda a estrutura.
Ele ergue-se imponente. O cansaço se resumira a apenas puro teatro, um grande fingimento. Jake não está cansado e faz com que essa realidade se torne visível para a garota.
O lugar irá ruir em segundos. Tudo naquela estrutura passa a cair. O teto de madeira cede, caindo em grandes porções. Jake havia planejado tudo aquilo, e agora, aquela garota iria morrer soterrada pela construção e assim, ele poderia encontrar o anel assim que a poeira da destruição abaixasse, nas proximidades do corpo morto daquela garota.
Um grande pedaço de madeira sólida cai do teto. Independentemente da velocidade que possui, ela não conseguirá desviar a tempo e será soterrada pelo restante dos dejetos...
"Eu preciso dela viva."
Errado. Jake não planeja matar aquele inimigo, ou sequer deixá-la para morrer. É nesse momento que o garoto estende sua mão para frente, permitindo que a única intenção que se passa em sua mente encontre uma realização. O único pensamento de Jake é o de agarrar aquela garota.
De um segundo para o outro, a escuridão toma um formato definido, e diversas correntes feitas de pura treva surgem da parte de baixo da manga da blusa de Jake. Estes apêndices pretos envolvem-se no corpo da garota, puxando-a.
Jake não perde tempo, e após fazer aquilo, carrega seu inimigo para fora da construção em colapso, cruzando a porta de entrada apenas poucos segundos antes de toda a edificação ir abaixo.
A nuvem de poeira cegante e asfixiante permanece espessa por cerca de dois minutos, até que, ambos cobertos de poeira clara, conseguem ver um ao outro, caídos sobre a estrada de paralelepípedos.
***
Entre tosses e engasgos em decorrência do excesso de poeira no ar, ela recobra seu senso acerca da situação que a rodeia. A casa está inteiramente destruída, e escombros e pedaços de madeira partidos em vários pedaços agora tomam as imediações do local.
Finalmente, seus olhos se encontram com os dele. O inimigo a salvou? Mas que coisa!
Ainda caída ao chão e levemente atordoada, ela observa conforme ele ergue-se, espanando a poeira das vestes.
"Por que me ajudou?"
O questionamento que repousa nos olhos castanhos dela é justificável. Seus lábios levemente partidos indicam uma certa confusão, e enquanto apoia-se sentada, sobre suas duas palmas, aguarda por uma resposta de Jake.
O rapaz, por sua vez, conclui o serviço de limpar, ao menos parcialmente suas vestes, direcionando seu olhar direito e afiado como as pontas de um tridente para a jovem mulher.
"Não pense que salvei você por compaixão. Preciso de você viva. Você não possui chances de me derrotar, ao menos, não nesse estado físico."
Jake aponta os diversos pequenos ferimentos que cobrem o corpo da jovem, pequenas, contudo bastante dolorosas lacerações, causadas pela queda do material da residência, e majoritariamente em decorrência da escapada acelerada.
"Eu quero o anel." Jake deixa suas intenções friamente claras.
A garota olha para o chão, e após pensar por alguns segundos, deixa que as palavras escapem por entre seus lábios finos e rosados.
"Eu não o tenho..."
Ela logo trata de demonstrar o anel que contém uma bela pedra vermelha em seu centro. Ao mantê-lo em sua mão, Jake pode presenciar como o objetivo rapidamente é transformado em água e escorre para o chão de pedra e terra, sendo rapidamente absorvida pela superfície.
"O verdadeiro anel não está comigo..." Ela encara sua lateral direita.
No entanto, para a surpresa dela, que já esperava uma reação violenta por parte do rapaz, sente seu coração saltitar quando vê que esta não é a verdade.
"Se é assim, me diga com quem ele está, e onde está. Me diga o nome dos outros que estão com você, e principalmente, quem você é."
"E por que eu deveria contar para você?" Ela ri.
"Porque você sabe que não estou aqui para incriminar você. Cooperemos, diga a localização do anel, e não entrego você e seus amigos para a Guilda dos Guerreiros. Agora que sei a localização aproximada da área que ocupam, posso simplesmente ajudar a cidade a acabar com vocês. Você não tentaria me impedir, posto que não consegue combater neste tipo de ambiente. Diga o que desejo saber acerca o anel e eu inventarei qualquer tipo de história e guardarei sigilo acerca desse lugar, que de acordo com o que posso ver, não me parece ser o palco de uma tragédia."
As palavras meticulosamente calculadas de Jake ecoam pela mente da garota, e inúmeras preocupações tomam o espaço dedicado previamente aos pensamentos e à logística. Deve ela confiar na palavra dele?
De fato, ela sabe a realidade em que vive. A vida de um ladrão com uma fama é a pior possível, e com isso, cooperar com aquele rapaz parece ser a opção com melhor benefício para ela e seu grupo.
"O que eu vou ganhar com isso? O que há para mim se eu ajudar você e devolver o anel?"
Jake fecha seus olhos, respirando profundamente.
"Esperava pelo momento em que você perguntaria."
O rapaz, na ausência de bolsos onde repousar suas mãos, estala as vértebras dos dedos ao invés, caminhando de forma lenta e contemplativa, observando o ambiente ao redor. Ele aprecia a visão das ruas e casas abandonadas, em um estado relativamente agradável de conservação.
Ele rebaixa-se, agarrando uma pequena folha esvoaçante, trazida pelo vento, e fitando-a com um olhar inflexível, passa a falar.
"Há uma recompensa abastada sobre o anel. 10 moedas de prata."
Ao escutar isso, a garota aguça seus sentidos. É de fato um grande valor.
Jake larga a folha, deixando-a voar com a corrente de ar.
"Estou disposto a fracionar isso com seu grupo. Esse anel não vale mais do que duas ou três moedas de prata, e pelo fato de seu valor ser majoritariamente sentimental, a dona do mesmo apostou de forma tão aguda no trabalho dos aventureiros, considerando a virtual falta de valor da peça. Cinco moedas, metade da recompensa. Ambos lucraremos. O que me diz dessa proposta?"
Ela hesita por um momento, pensando em suas possibilidades. Até onde sabe, aquilo pode ser uma mentira, contudo, é um contrato temporário bastante tentador. Entretanto, há um segundo motivo pelo qual ela deve trabalhar com Jake, um motivo que de fato não possui envolvimento algum com o anel ou qualquer recompensa.
"Eu aceito." A resposta surge sem a menor hesitação.
"Uma sábia escolha."
Jake estende sua mão para ela, erguendo-a com facilidade do chão em que estava sentada. Ao fazer isso, o jovem recorda-se do que justo ocorrera consigo.
"Aquilo foi Magia?"
Em sua mente, Jake questiona-se a respeito daqueles "fios de escuridão" que surgiram naquele momento. Magia não deveria ser algo fácil de se aprender, e ele recorda-se desse detalhe aprendido na conversa com a Entidade, o ser que o enviou para esse mundo.
Porém, aquilo foi algo completamente natural. Jake foi capaz de utilizar a Magia com perfeição, mesmo sequer receber qualquer tipo de treinamento ou orientação. Apenas o simples pensamento de agarrar o levou àquela realização.
"Eu preciso descobrir mais a respeito de tudo isso." Ele encara sua mão, mais especificamente, a sombra que sob a manga da blusa faz sua presença.
***
"Qual o seu nome?" Jake questiona.
"Não acha que você deveria dizer isso primeiro?" Ela responde de forma direta.
"Você conhece meu nome."
"Você é bem sisudo, não é? O tipo de pessoa que a maioria desaprova... Não há dúvida de que você foi abandonado!" Ela reage de maneira simples, possuindo a reação que qualquer outra pessoa presenciaria.
Jake ignora aquele comentário por completo. Aquilo não é importante.
"De todo modo, eu me chamo Laula. Uma ladra de primeira categoria!" A garota, chamada Laula, vangloria-se ao arrumar seus cabelos crespos e volumosos coloridos como o poente.
"... E que por algum motivo perdeu para um aventureiro de décima quinta categoria..." Jake experimenta satirizar. Nenhuma sensação em especial surge.
"Huh... Aparentemente meu senso de humor também foi perdido." Jake pensa consigo mesmo, pensando no que acabara de dizer.
Enquanto isso, Laula marcha em passos firmes, cruzando os braços, fazendo uma careta. Sua personalidade é um tanto brincalhona e bastante ativa.
"Aquele foi um momento de fraqueza! Você nunca teria me derrotado se eu estivesse empenhada em acabar com você!"
Jake fecha seus olhos.
"É claro."
O fato é que tudo já estava planejado. Jake meticulosamente executou um plano formulado com base em um conjunto de observações.
"Você não sabe de nada. Tudo o que eu tive de fazer foi aplicar pressões em gatilhos corretos, e literalmente tomei o controle da luta. Você é um tanto malandra demais, Laula, e justamente sua personalidade a condenou."
Jake olha para a garota enérgica que caminha ao seu lado, ponderando a respeito.
"Sua apreciação por humilhar os oponentes psicologicamente foi fácil de atiçar. Tudo o que precisei fazer se resumiu a fingir. Apenas fingi estar irritado e cansado, e você estava tão entretida com estar zombando de mim que não percebeu a destruição das estruturas e a desestabilização da casa. A luta já era minha desde o momento em que percebi isso. Você não é mais um oponente para mim."
Notando o grande silêncio de Jake, Laula o questiona.
"Você realmente não gosta de falar, não é?" Ela para de saltitar e realizar acrobacias sobre-humanas para questionar isso.
"Você acertou. O quão próximos estamos?"
"Geez... Não dá para conversar com você! Que bom que já estamos um tanto próximos!" Ela responde à pergunta, mesmo sem desejar.
E assim, sob o sol matutino, ambos caminham, cada um em seu ritmo, pelas ruas do Burgo Esquecido.
"Isso não me cheira bem... Algo nesse lugar é errado demais." Jake deixa que sua visão corra pelas ruas.