Ye Rim lamentou não poder dividir com Eun Ha sua euforia por ter recebido um telefonema da rádio, dizendo que ela deveria se apresentar ainda hoje para uma entrevista eliminatória. Sua unnie estava dormindo pesadamente, após chegar quase pela manhã duas noites seguidas. Eun Ha andava misteriosa, mas tinha dito algo sobre estar fazendo aulas particulares. Claro que Ye Rim tinha achado estranho à princípio, aulas particulares noturnas, mesmo porque Eun Ha parecia pensativa e ansiosa.
Enquanto olhava pela janela no ônibus, sua mente vagava para pequenos planos para o futuro, tentando evitar pensar demais sobre o passado ou fazer projeções irrealistas.
Ye Rim queria aliviar as coisas para Eun Ha. Já fazia algum tempo que o dinheiro delas mal dava para as contas. A loja online com as roupas que Eun Ha fazia não estava movimentando dinheiro, e ela ainda trabalhava meio período como auxiliar de dentista, e Ye Rim não tinha conseguido até agora nada melhor que o Pérola e seus eventuais freelancers em casamentos. Não era para isso que tinham saído de sua cidade natal. Dias atrás, em frente aos caras ricos que iam à eventos beneficentes e jogos de squash sempre que quisessem, ela disse que estava tudo bem. Mas claro que não estava.
O tempo tinha passado irremediavelmente e várias oportunidades escaparam por seus dedos. outras vezes, mal e mal escapou de verdadeiras encrencas. Ela muitas vezes ficou surpresa por não ter percebido antes que fosse tarde que estava perdendo seu tempo precioso em projetos que não dariam frutos. Era assim tão inocente ou tão burra? Ela disse para Kim e Lee que tinha tido muito azar e que os três grupos em que ela estava escalada para debutar não aconteceram, mas isso não era totalmente verdade.
Entretanto, mesmo que seu sonho tivesse sido sufocado depois de tantas tentativas fracassadas, ela precisava de algo mais substancial do que cantar como estava fazendo para sustentar-se com dignidade. Se ele conseguisse o emprego, poderia pagar todo o dinheiro que Eun Ha já tinha emprestado, e ela conseguiria reinvestir em sua coleção e na loja online. Talvez não fosse como Eun Ha também tinha sonhado, mas era algo factível.
Às vezes se perguntava quando tinha deixado de sonhar grande, como Eun Ha ainda fazia. Mas a realidade era dura, e ela já tinha praticamente 27 anos. Qual era a chance real de debutar como cantora, solo ou em um grupo, com esta idade, em seu país? Infinitamente mínimas, e ela tinha que ser realista. Ela até mesmo teimosamente tinha tentando mantê-lo vivo nos últimos dois anos. Mas foram dois anos bem amargos.
Ainda assim, ela não sentia que tinha feito nada errado. Desceu em seu ponto de onibus para mais uma tentativa. Comparativamente modesta em relação a suas ambições de menina, mas ainda assim bastante grande frente a suas pequenas conquistas até ali.
O bonito prédio da emissora abrigava também uma das rádios mais ouvidas da capital. Quando se apresentou na recepção, ela percebeu que a recepcionista olhou duas vezes para ela. Ye Rim sorriu de volta, demonstrando reconhecer o escrutínio velado, e não comentou que já tinha estado ali no passado, mais uma garota entre as garotas com um sonho. Não faria diferença.
A recepcionista sorriu novamente, enquanto consultava seu documento de identidade e inseria informações no computador. Isso normalmente levava menos tempo, e Ye Rim se preocupou. Será que eles ainda guardam informações de tanto tempo atrás? O-M-G!
Como um clarão, sua mente se lembrou do caos, puxões de cabelo, sangue e gritos naquele mesmo saguão. As garotas do Bombshells causando um escândalo por partirem para as vias de fato em público, quatro eventos depois do debut.
Ela olhou novamente para a recepcionista, agora desconfiada. Será que ela está me reconhecendo? Como pode ser?
Ele estreitou os olhos, vigiando a atitude da funcionária, e a funcionária percebeu, e deu uma tossida estranha, continuando a digitar. Pelo barulho do teclado, ela não está preenchendo formulários, essa piranha! Ela está fofocando com alguém. Como ela pode me reconhecer? Sequer perguntar se sou eu mesma? Naquela época eu tinha cabelos brancos e olhos azuis! Praticamente outra pessoa!
A recepcionista fez um movimento brusco, para devolver seu cartão de identificação, e Ye Rim foi rápida em colocar novamente os óculos escuros, mesmo sendo um local fechado. Fazendo o seu melhor para mudar sua aparência, dobrou os lábios para afiná-los, deixando dentes ressaltados e a boca larga e rígida. Vamos lá, bebê, eu sou uma garota que gosta de botox, não essa aí na tela do seu computador.
"Obrigada, Srta Nam. Será que poderia tirar os óculos escuros, para eu registrá-la com a webcam?"
Maldita!
"Oh, uhum." Falar com a boca daquele jeito não era fácil.Ye Rim tirou os óculos e tentou deixar seus olhos arregalados, como se tivesse um excesso de procedimentos cirúrgicos na área dos olhos. "Demora muito?"
"Desculpe, o quê?"
"Registrar uma pessoa no sistema".
"Oh, bem. Normalmente não. Mas...Tive que atualizar seus dados, seu documento de identificação já constava no sistema. Meu supervisor precisa liberar, por favor nos perdoe pela demora."
Fala sério!
"Oh, sem problema!" Mas Ye Rim tinha uma memória de elefante, e viu quando o chefe de segurança, um pouco mais velho claro, mas ainda o mesmo homem, veio até o balcão atender o chamado da recepcionista. Ele tentou ser discreto para tratar do bloqueio no sistema, mas Ye Rim mantinha olhos de águia em cima dos dois funcionários.
Supervisor meu pé! Aish, que exagero! Quer dizer então que as Bombshells viraram personas non gratas nesta emissora?! Que ridículo!
O homem olhou para ela com um olhar apologético: Por favor, deve levar só um momento, nos desculpe."
"E se eles disserem que é um problema no sistema e que não podem liberar minha passagem?! Eu vou perder a entrevista?!" Ela ficou cuidando eles com o canto de olho, até que uma pequena fila de pessoas se formou atrás dela. Pareciam fazer parte de um grupo só. Ela imaginou que a recepcionista começava a ficar alarmada em deixa-los esperando enquanto o chefe de segurança se decidia o que fazer, então tomou uma atitude:
"Srta, fique com meu documento e eu o retiro na saída, tudo bem?" A recepcionista trocou um olhar com o chefe da segurança, que assentiu, e estendeu a identificação de visitante, ligeiramente indecisa. Ye Rim quase arrancou da mão dela, com avidez, virando-se imediatamente e seguindo para as cancelas. O que me faltava agora, aquele incidente mínimo me impedir de fazer minha entrevis… O-M-G! E se aquela desocupada já espalhou para o pessoal da rádio que eu estive envolvida numa briga aqui na emissora? E se isso atrapalhar minha contratação?!
Enquanto subia o elevador em companhia de outras pessoas, por mais que quisesse evitar, lembranças daquele dia fatídico vieram a sua mente, inclusive com todo o contexto que culminou em sangue, lágrimas e sonhos desfeitos.
O grupo Bombshell Unit passou por muitas reformulações até ser definido. Ye Rim esteve nos ensaios desde os primeiros dias, mas, muito perto do dia de estreia chegar, adicionaram uma sexta garota com um timbre de voz parecido com o dela. Foi no dia da chegada de Min Young que Ye Rim percebeu que suas colegas a odiavam, e que possivelmente havia algum tipo de complô entre elas.
Claro que Ye Rim já sabia que algumas delas agiam de maneira falsa e petulante, até mesmo as hoobaes. Ela sabia que havia insinuações que ela obtinha favores de um dos produtores. Embora Ye Rim achasse que o PD Kang torcesse por seu sucesso e eles realmente não tinham nenhum tipo de relação especial, ela sabia que as pessoas podiam pensar errado porque ele já tinha defendido sua permanência na agência mesmo após repetidas falhas nas audições. Ele costumava dar conselhos e pedir que ela treinasse duro para poder estrear, e por isso aquelas víboras tinham ciúmes e inventavam boatos. Inclusive boatos de que ela seria substituída por Min Young antes do debut do grupo. Mas o grupo debutou como planejado, com ela como principal vocalista.
Ela começou a se sentir ameaçada, quando estava no dormitório. Três delas, excluindo a novata Min Young e a indiferente Ih Na, começaram a ser crueis, e como Ye Rim era imune ao bullying, elas passaram a fazer brincadeiras, como chamavam, mais agressivas e descaradas. Isso tinha se estendido mesmo após o debut do grupo, abrindo um show para um grupo famoso. A recepção morna e o timing infeliz de MV do grupo, que coincidiu com o lançamento do MV do single de maior sucesso aquele ano, não melhorou o humor de ninguém.
Nesse dia, logo pela manhã, vieram à emissora participar das gravações de um programa de gincana, como parte da promoção do grupo. Várias coisas estranhas aconteceram com o grupo naquele dia, durante a gravação, e todo mundo ficou insatisfeito e nervoso. Já no elevador, as garotas começaram a atacá-la, dizendo que ela queria roubar os holofotes de todas, e Ye Rim já estava farta delas e de suas reclamações e nem se deu ao trabalho de refutar as acusações. Nem mesmo o gerente delas foi capaz de acalmar os ânimos. Ela lembrava-se como se sentiu, sim, acuada, porém muito mais irritada do que com medo. Ela parou de dar atenção a elas, e estava respondendo à mensagem de Eun Ha, que dizia estar no saguão esperando conseguir vê-la após sua primeira gravação de programa de TV, quando simultaneamente as portas do elevador se abriram e um tapa fez seu telefone voar e deslizar pelo chão do saguão.
Ela lembrava-se de ter erguido o olhar de sua mão agora vazia para o rosto da odiosa e petulante Ji Ah, e de sentir seus punhos crisparem-se por vontade própria. A próxima coisa a cair no chão e deslizar foi Ji Ah, e Ye Rim voou pra cima com muita sede de sangue, e sinceramente até hoje, mesmo nas lembranças, Ye Rim não conseguia ter nenhum tipo de remorso. Ela vagamente lembrava-se das outras garotas se intrometendo, de Eun Ha juntando-se a ela contra as outras, de mordidas, arranhões, socos e pontapés, gritos, palavrões e ameaças, ali mesmo naquela emissora, para quem quisesse ver. Ye Rim tinha até mesmo deslocado o polegar por causa da briga.
A consequência foi o disband do grupo e a rescisão de contrato com a agência, para todas elas.
"Não teria mesmo dado certo. Nem sequer era um bom conceito."
Ela falou alto, resumindo seus pensamentos sobre o incidente do passado. Algumas pessoas ao seu lado no elevador a olharam, estranhando. Ela sorriu, e pediu desculpas, e assim que a porta abriu, saiu do elevador apressada. Por sorte, era mesmo o andar da rádio.
Ye Rim alisou a roupa, ansiosa e cheia de esperanças, se dirigindo para o balcão de recepção.