O som extremamente alto de um relógio ressoou na cabeça da jovem enquanto recuperava os sentidos aos poucos. "Estava dormindo no chão?" Se perguntou. A superfície rígida debaixo de si fez com que abrisse os olhos e a dor latejante na cabeça a impediu que se levantasse de imediato. Desnorteada, teve dificuldades em perceber a paisagem ao redor, piscou algumas vezes até conseguir focar a visão no céu a sua frente.
Observando o infinito véu, percebeu que estava escuro e estrelado, de uma forma que ela nunca pensou que seria capaz de ver antes e isso a deixou maravilhada. Estrelas assim não podiam ser vistas de onde veio. Mas... de onde veio mesmo? Sua cabeça doeu um pouco mais. "Onde estava?" Resolveu olhar ao redor e virou o rosto para o lado. Um momento de surpresa a pegou em cheio e ela se levantou com dificuldade enquanto ignorava a dor que martelava em sua cabeça como um tambor.
— Mas que lugar... — Não conseguiu deixar de murmurar enquanto observava a paisagem surreal debaixo daquelas estrelas brilhantes.
O ambiente estava iluminado apenas pelo céu deslumbrante. No lugar em que se encontrava, tudo que podia ver estava fora da sua realidade e isso de alguma forma a deixou ansiosa.
Lindos vales e morros verdes se estendiam até onde a vista alcançava e um rio corria ao fundo da paisagem, mas a parte comum se acabava aí. Torres flutuantes de dominós também se estendiam para além do horizonte e em tamanhos diferentes. Haviam árvores constituídas de cubos em degradê que mostravam ícones em cada face, como se fossem outdoors. Em algumas torres, havia plataformas onde se podia ver algo como uma grande caixa de sapato aberta sobre o topo delas, que ficavam coloridas com essas árvores florescentes e diversos cubos que funcionavam como lanternas flutuando ao redor. Dentro das "caixas", havia máquinas como fliperamas e outras miudezas que ela não conseguia distinguir de longe.
Ela começou a rir se deixando levar um pouco pelo desespero.
Não fazia ideia de onde estava e o lugar era surreal demais para acreditar. Continuou rindo enquanto girava para olhar onde ela mesma se localizava. Havia o mesmo design das plataformas anteriores e se parecia com uma caixa de sapato aberta, onde estavam do lado de dentro com diversas bonecas de pano e almofadas enfeitadas com puzzles de tamanhos diferentes recostadas ao fundo do tablado. Com tantas almofadas, como exatamente ela foi parar dormindo no chão? A risada acabou no mesmo instante em que notou outra pessoa caída inconsciente no chão no meio da plataforma.
Correndo o mais rápido que sua dor de cabeça permitia, ela chegou até a pessoa e se ajoelhou à sua frente. Era uma garota e deveria ter por volta de 20 anos! Ela tinha cabelos ondulados castanho escuros e pele clara, vestia calça e blusa de mangas compridas de moletom brancos. Ambas estavam descalço. Sua primeira reação foi observar para ver se ela estava respirando. Um suspiro de alívio deixou a sua boca ao perceber que o abdômen da garota fazia o movimento de subir e descer.
— Ei — chamou enquanto dava uns empurrõezinhos na tentativa de fazê-la acordar.
— Olá??? — repetiu o chamado com a esperança de alguma reação.
Sentimentos de solidão e nervosismo começaram a incomodá-la.
— ACORDA! — gritou empurrando a garota com força dessa vez, ignorando todas as recomendações médicas para casos semelhantes.
Sua cabeça doeu ao pensar sobre isso.
— Argh — grunhiu a jovem.
A garota acordou depois do grito claramente sentindo uma forte dor de cabeça, igual à que a outra sentiu momentos atrás. Esta, teve a dor indo embora pro esquecimento assim que se ajoelhou pra acordar sua companhia inesperada. Diferente dela, a primeira reação da outra jovem foi de se sentar, independente da dor de cabeça e com muita dificuldade, ela abriu os olhos ainda meio tonta e observou um pouco do lugar ao redor. Estupefata a garota tinha um olhar de surpresa e um pouco de confusão no rosto.
— Mas onde estou? — murmurou.
Enquanto se levantava com dificuldade, a menina percebeu a forte dor no corpo por ter dormido no chão.
— Ela também não sabe — sussurrou a outra desanimada.
Isso fez com que a garota se virasse para a observar um pouco. A moça que havia acordado primeiro tinha lindos olhos e cabelos dourados, que pareciam brilhar refletindo a luz das estrelas. E sua pele pálida e corpo magro debaixo daquele vestido branco simples a fazia parecer ter saído de um conto de fadas. Apesar disso, carregava uma expressão triste e a testa franzida.
— Onde estamos? — perguntou a jovem de cabelos escuros olhando ao redor assustada.
— Não sei...
A loira se voltou em direção à borda para olhar em que tipo de plataforma estavam exatamente.
— Minha cabeça dói... — reclamou a garota.
Sentindo uma dor de cabeça excruciante, a jovem de cabelos escuros tentou se lembrar de alguma coisa. Seu coração estava acelerado, sentia que a boca havia secado, mas não conseguia se lembrar sequer do próprio nome.
— Qual o seu nome? — perguntou conferindo o estado da companhia com relação ao assunto.
Nesse momento a loira se deu conta dessa verdade simples que não havia percebido e respondeu balançando a cabeça em negativa. Nenhuma delas fazia ideia de qual era seu nome e nem se lembravam de como haviam ido parar ali.
— Você sabe como viemos parar aqui? — lançou a pergunta angustiada.
A loira riu da pergunta por algum motivo e se virou pra olhar a garota atrás dela.
— Acha mesmo que quem não sabe o próprio nome lembraria?
A resposta tinha uma estrutura ignorante e sarcástica, mas o tom era ansioso, quase desesperado e a expressão melancólica.
— Então que espécie de lugar é esse... — divagou um pouco a outra jovem se sentindo em desalento.
Ela andou até a borda contrária a que a de olhos dourados estava.
— Você está acordada a muito tempo? — perguntou tentando se acalmar de alguma forma.
— Não estou, na verdade eu acordei pouco antes de você.
— Pouco antes de mim? — A garota repetiu a informação quando estava próxima da borda da plataforma. Quando viu a altura em que estavam, se engasgou e parou de falar.
— Sim, eu te empurrei com força pra você acordar...
Neste momento a loira ponderava um pedido de desculpas e sem palavras nem para comentar a afirmação dela, nem para comentar a vista a sua frente, a garota de cabelos castanhos ficou em silêncio.
Um silêncio desconfortável se instalou entre as duas enquanto observavam as bordas da plataforma. Era exatamente como uma caixa de sapato e ela também estava flutuando em uma longa torre de dominós! Não era possível ir para o chão pela torre porque os dominós não estavam ligados fisicamente uns aos outros e o piso estava fracamente iluminado por cubinhos flutuantes que faziam papel de mini lâmpadas.
A garota de cabelos castanhos caminhou para o canto, onde poderia ficar longe das beiradas que não tinham guarda corpo, um pouco nervosa. Perto da parede, entre as almofadas havia algo lhe chamando a atenção.
— Ei, Goldie! — chamou a garota de cabelos escuros recuperando-se um pouco do choque e tentando melhorar a situação.
A garota loira virou pra ela com uma cara confusa.
— Me chamou?
— Já que não temos nomes, vou te chamar de Goldie porque seus olhos e cabelos são dourados. — disse com a tentativa de um sorriso.
— Não é dourado, é âmbar... — disparou antes de perceber que havia se lembrado de algo mínimo, antes de terminar num sussurro. — âmbar...? — âmbar é uma das 5 cores de olhos mais raras no mundo e seu olho tinha essa cor. Era tudo que tinha conseguido se lembrar. — Então vou te chamar de Cacau! — terminou.
— Por qual motivo escolheu Cacau? — perguntou, um pouco mais calma com a interação.
— Porque é com cacau que se faz chocolate... — Mais uma informação veio e se foi da mente dela num instante, então um pouco de dor começou a incomodar acima dos olhos. — Seu cabelo tem cor de chocolate... — terminou.
— Chocolate... — repetiu Cacau enquanto pensava no assunto. Cacau se lembrou do que era chocolate e sentiu fome em resposta à memória.
— Por que me chamou? — Goldie perguntou enquanto se aproximava dela.
— Ah! Acho que achei uma porta... — Cacau apontou atrás das almofadas e do monte de bonecas de pano, algo que parecia ser o esquadro de uma porta.
Retirando com dificuldade uma multidão de bonecas de pano da frente, Cacau e Goldie revelaram a pequena porta que a garota havia descoberto.
— Bom trabalho! — Elogiou Goldie gentilmente.
— Obrigada... Eu acho.
Finalmente, Goldie pôs a mão na maçaneta para abrir a porta e a puxou, infelizmente só para descobrir que estava trancada. Elas não conseguiram evitar um suspiro de decepção. Sem se entregar ao desânimo, Goldie decidiu olhar em volta e começou a buscar em cada canto uma forma de abrir aquela porta.
— O que está fazendo? — perguntou Cacau, perceptivelmente melhor, depois do esforço.
— Procurando uma forma de abrir essa porta...
— Mas ela nem tem fechadura! — respondeu tentando abrir a porta mais uma vez, porém seu esforço foi em vão e ela não se moveu nem um milímetro.
Goldie a ignorou e continuou a retirar as bonecas e as almofadas do lugar, jogando-as no meio do pátio, com dificuldade, pois eram mais pesadas do que pareciam. As almofadas em forma de puzzle combinavam bem com a decoração dos azulejos no chão. "Azulejos no chão?" pensou. Parou de jogar as almofadas a esmo e decidiu olhar com mais cuidado para onde estavam pisando. As almofadas tinham cores e formas idênticas aos azulejos debaixo dos seus pés.
— Poderia isso... — murmurou para si mesma.
— O que foi? — perguntou Cacau percebendo que ela havia parado de trabalhar. — Achou alguma coisa?
— Não exatamente.
Nesse momento Goldie estava reorganizando as almofadas em cima dos azulejos correspondentes ao formato e cores delas no chão.
— Parece um quebra cabeça — Cacau observou enquanto ela trabalhava.
As duas se deixaram levar pela curiosidade e colocaram todas as almofadas nos seus respectivos lugares. Nem todos os azulejos em formato de puzzles haviam sido preenchidos e isso deixou algo parecido como um caminho para elas andarem da porta até a extremidade da caixa.
— Acha que devemos seguir esse caminho? — perguntou Cacau duvidosa.
— Talvez... Melhor do que nada, não é mesmo?! — falou Goldie já seguindo azulejo por azulejo até chegar ao último na extremidade da caixa.
Olhou ao redor e nada aconteceu.
— Não acho que esses azulejos signifiquem alguma coisa... — disse Cacau e voltou a olhar dentre as bonecas espalhadas nos cantos pra ver se achava alguma pista.
Goldie andou quadrado por quadrado enquanto observava Cacau mexendo com as bonecas. Quando chegou no último quadrado do caminho, a porta se abriu sozinha. Então imediatamente Cacau gritou:
— A porta abriu! Como você fez isso?
Goldie olhou para porta, então olhou ao redor e o caminho estava todo aceso por onde havia andado, ela nem mesmo havia se dado conta disso enquanto caminhava. Cacau correu até a porta e a abriu. Na frente delas havia um enorme caminho de dominós flutuantes que giravam em espiral. O movimento de girar permitia que houvesse uma passagem em direção à outra plataforma, mas se perdessem a hora de trocar para outro dominó, elas com certeza cairiam. E pra completar, tudo que havia abaixo dos dominós era um grande precipício a uma altura assustadora até que se pudesse chegar ao chão.