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Chapter 5 - Passagem complicada

Assim que se retirou da companhia das duas garotas e se desconectou, o observador recebeu uma presença inesperada.

— Algum progresso?

— Não, nenhum que seja gritante pelo menos.

— Você não tentou estimular a mente dela nem um pouco?

— Eu tentei, a capacidade dela de raciocinar está num ritmo muito, muito bom. Mas não tem como forçar o progresso e você sabe disso tanto quanto eu.

— Eu sei... Só quero que tenhamos resultados o mais rápido que pudermos. Eu sei que estou querendo de mais, mas a ansiedade está me matando!

— A todos nós querido amigo! Você está nervoso e ansioso demais.

— Vamos ver o que o próximo consegue fazer e esperar que tenhamos mais sucesso desta vez.

— Você não ficou sabendo?

— Sobre?

— Ele disse que não vai entrar. 

— Ele largou o projeto?

— Não, ele fez todos os preparativos, mas disse que não vai entrar.

— Por quê?

— Ninguém sabe ao certo. Alguns comentários dizem que ele não quer que haja sucesso nessa área específica.

— Mas... se ele não for entrar, então como ficam as provas?

— Vamos ter que esperar para ver! Se o progresso estagnar eu entro de novo pra ajudar. 

— Não sei se apoio a ideia, você está trabalhando sem descansar...

— Estar lá dentro é o mesmo que descansar pra mim. Não tenho que usar minha cabeça pra pensar em nada, só tenho que ficar lá enquanto eles fazem tudo por si só.

— Você realmente tentou estimulá-los um pouco? — perguntou o homem agora muito duvidoso.

— Eu tentei, estou dizendo a verdade! Se não acredita é só conferir o replay!

— Hmmm hum! 

O visitante foi embora e o observador continuou a fazer o que tinha que fazer.

Enquanto isso, debaixo da água que caía do chuveiro e levava embora boa parte das ansiedades que Goldie estava sentindo, ela permaneceu ali, apenas sentindo o fluxo da água descer por um tempo, então decidiu sair. Quando deixou o banheiro, notou que Cacau estava na extremidade da plataforma fitando o vazio com uma cara complicada. Observando o que ela fazia, pegou uma pera entre as frutas e começou a comer. Cacau tinha uma pizza na mão e olhava fixamente para o vazio no alto e para baixo entre as mordidas na massa com a testa franzida.

— Mas o que ela está fazendo?

Quando decidiu conferir o que Cacau tanto observava, viu ela pondo o pé fora da plataforma e deixou a maçã cair da boca. No reflexo, ela correu pra onde a colega estava, mas antes de chegar lá viu uma cena confusa pois, ela havia posto os dois pés para fora do tablado e parecia estar flutuando!

— Mas o que está acontecendo aqui?

Cacau voltou para a plataforma onde as duas estavam e respondeu:

— Tem uma passagem aqui, vem ver! — chamou apontando para o nada.

Goldie se aproximou e observou o lugar onde Cacau havia apontado, com muito esforço ela viu a linha da beirada do caminho que a companheira tinha encontrado. Boquiaberta ela perguntou: 

— Como você achou isso?

— Estava comendo e como não tinha mais nada pra fazer eu decidi olhar em volta-deu de ombros enquanto falava. —, foi quando aquelas lanterninhas me chamaram a atenção e me distraí com elas — contou apontando novamente em direção ao ar onde a passagem se encontrava. — Acabei notando uma linha estranha embaixo delas e percebi que parecia um caminho. 

— Daí decidiu testar?

— Sim. Quando senti firmeza debaixo do meu pé direito, subi em cima dele de um vez.

— Isso foi perigoso.

Mas não é bom já poder saber onde temos que ir?

— Mas da próxima vez teste com outra coisa ao invés do seu corpo, não tome ações perigosas assim.

Cacau notou a expressão verdadeiramente preocupada acompanhando as palavras duras, e assentiu com a cabeça. Goldie tinha um modo de falar um pouco duro, mas se preocupava genuinamente com seu bem estar. Ah.. se ela soubesse alguns dos pensamentos anteriores da colega a quem ela estava elogiando mentalmente! Pessoalmente, Goldie estava pensando no fato de que não queria ser deixada sozinha ali, mas lá no fundo uma certa afeição fraternal crescia em relação a colega.

Goldie observou o ar onde o caminho parecia se estender e focou sua atenção nele. As letras flutuantes que brilhavam parcamente só iluminavam até certo ponto, mas ainda era possível notar que o caminho era bem estreito e só suportava uma pessoa de cada vez.

— Você está mais corajosa agora -Goldie expressou olhando ao longo com atenção, registrando mentalmente onde aquele caminho passava — , bem diferente de antes. São suas memórias?

— Acredito que sim.

Cacau tinha um sorriso fraco no rosto, parecia estar lembrando do que viu enquanto estava desmaiada. Bom, se isso havia dado a ela forças e coragem pra seguir em frente, então era uma coisa maravilhosa!

— Ele realmente liga até a outra plataforma — Goldie disse quase num sussurro. — Mas parece que só vai ser possível passar ele com segurança durante a noite.

— Podemos descansar um pouco antes?

— Claro! Por que não?!

Dito isso as duas voltaram ao self-service por assim dizer. Goldie recolheu a maçã do chão e a jogou para longe da plataforma, lançando-a bem alto no ar. Cacau percebeu que ela parecia frustrada, incomodada pela jornada de testes. Ela mesma também estava, a falta de informações a estava preocupando e matando por dentro também.

— Você está bem?

— Estou sim, Ellen, obrigada! — Goldie respondeu em tom baixo, mas desanimado.

— Por que não dormimos um pouco antes de ir até lá?

— É uma boa ideia.

O rosto de Goldie pareceu melhorar um pouco com essa indicação inteligente.

Já que não sabemos quanto tempo vai demorar, vamos levar algumas coisas pra comer quando sairmos daqui. Caso contrário só teremos como voltar na noite seguinte!

— Acho uma ótima ideia! — respondeu Cacau sorrindo feliz.

Cacau parecia mais corajosa, mas não era tanto assim! Intimamente ela estava muito nervosa, porque dessa vez não haveria um plano de segurança capaz de segurá-la caso caísse de lá. Mas decidiu que iria se focar nas lembranças de sua família, será que estavam aguardando seu retorno? Se sim, teria que se esforçar muito pra voltar pra eles. Então apresentaria a eles a nova amiga rabugenta que fez através das situações complicadas ali dentro!

Goldie comeu apenas um hambúrguer e se encheu de frutas. Não havia como escovar os dentes. "É tão incômodo!" Pensava ela. Apesar de ter comido apenas por comer, porque estranhamente não estava com fome, Goldie ainda tinha inclinação a sentir falta da higiene. Ao lavar as mãos novamente após terminar de comer, ela pegou seu travesseiro e seu lençol e deitou no chão.

Este piso era infinitamente melhor que o outro, percebeu ela. Devido ao novo mapa ser feito de livros, o chão em que pisava era composto com páginas destes, e era extremamente macio se comparado ao anterior. E de bônus havia comida. Todos sabem que comida é sempre uma válvula de escape eficaz, apesar de engordar as pessoas como consequência.

— Já vai dormir?

— Sim, temos que passar ali durante a noite ainda, vai ser melhor se dormirmos cedo.

— Entendi.

Não tardou até que Goldie houvesse caído no sono. Cacau observou a paisagem um pouco mais. A outra plataforma parecia vazia, só tinham os livros que a compunham e as lanternas de letrinhas. Decidiu deitar também e longo caiu no sono.

Cacau agarrou o vestido de Goldie pelas costas fazendo com que ela quase caísse ao pisar em falso, tendo que recuar o pé pra trás, o que acabou fazendo com que ela pisasse no da colega que a seguia.

— Desculpe.

— Pensei que sua coragem tivesse melhorado um pouco.

Cacau tinha as mãos trêmulas agarradas ao vestido de Goldie, ela apertava o lábio com força na tentativa de conter o nervosismo.

— Está tudo bem. Pode continuar segurando se quiser.

— Obrigada!

— Quer ir um passo de cada vez?

— Huhum.

E assim as duas reiniciaram a caminhada, uma passo de cada vez. Carregar as coisas das duas pro outro lado e ainda ter Cacau pendurada nas costas dela era um pouco complicado. Ela parecia estar arrastando um peso gigante enquanto andava numa corda bamba. Mas Goldie respirou fundo e continuou a caminhar com o olhar fixo no caminho que vinha a sua frente. Desde que visse a posição da passagem uma única vez, ela saberia onde deveria por os pés, mas ainda assim testava a largura desta, pois nunca se saberia quando o mapa lhe pregaria uma peça!

Quando ela acordou, tomou banho novamente e acordou Cacau que foi se banhar também, enquanto ela comia o café da manhã e colocava alguns lanches num saco de papel que estava disponível acima do balcão. Dentro do seu lençol dobrado ela pôs algumas peras e maçãs pra si mesma e o dobrou. Pegou o de Cacau e dobrou também, pondo nós nas pontas dos dois e colocando os travesseiros dentro deles. Agora eles se pareciam com mochilas.

— Já arrumou tudo... — Cacau observou o que Goldie havia organizado enquanto comia uma pizza.

— Coma algumas frutas também! Massas não sustém por muito tempo.

Ao dizer isso, Goldie sentiu algo familiar retornando a mente. Mas assim como repentinamente chegou, assim também se foi a sensação e ela deixou o sentimento de lado. Cacau terminou de comer, Goldie pegou o pacote de comida e pôs a mochila improvisada nas costas. Essa mochila atravessava um braço e a cabeça, e ficava disposta na transversal no corpo. Cacau imitou e achou graça na aparência deles com a mochila nas costas.

— Posso colocar as frutas aqui dentro? — Cacau perguntou se desviando do conselho de comer mais frutas.

— Você pode, mas vai ficar pesado.

Goldie carregava o pacote com os lanches na mão, então cacau percebeu que ela estava dividindo o peso entre os dois lados e fez o mesmo.

— Estou pronta.

— Então vamos lá!

Goldie andou em direção ao caminho quase invisível e observou com cuidado. Ao mapear onde ele começava e parte de onde ele se estendia, ela subiu acima dele e deu alguns passos, então olhou pra trás convidando Cacau a subir também. Apenas um pouco receosa, a garota subiu com o máximo da sua coragem e seguiu os passos que Goldie deu. Havia um longo caminho a frente. Passo a passo Cacau seguia onde Goldie passava. Esta, caminhava lentamente pela passagem para que a colega pudesse acompanhar.

Dizem que o ser humano só consegue focar a atenção em determinado assunto por apenas 7 minutos, depois disso sua mente se abstrai involuntariamente. Após algum tempo de caminhada, Cacau se distraiu com as letras que iluminavam o caminho e pisou em falso, o que a levou a segurar o vestido de Goldie pelas costas completamente sem fôlego e com o coração acelerado.

Agora, Goldie estava praticamente a "carregando" pelo restante do caminho. E onde Goldie pisava Cacau também o fazia. Quando sua mente voltava a se distrair ela falava:

— Espera!

— O que houve?

— Só preciso de um minuto pra focar minha atenção.

— Não podemos ficar parando o caminho todo, temos que continuar!

— Tenho medo de que se continuarmos amdando eu faça nós duas cairmos daqui...

Goldie ficou em silêncio. Elas paravam diversas vezes, e só voltavam a caminhar quando Cacau sinalizava que estava melhor. Seguiram nessa lentidão que consumia Goldie por dentro mais do que o peso das suas coisas e da companheira que estava sustentando. Quando finalmente chegaram a outra plataforma e Cacau deu o último passo para fora daquela passagem já era quase de dia. Goldie sorriu e quase deu um grito de alegria de terem chegado ali, o cansaço psicológico era muito maior que qualquer outra coisa que enfrentassem ali.

Olhando ao redor, seu sorriso foi diminuindo ao notar os textos nas paredes da plataforma. Onde havia visto isso? Indagando a si mesma ela sentou no chão enquanto observava a escrita do texto. De repente a paisagem que via piscou. As imagens de um amontoado de livros empilhados no chão de uma biblioteca e uma criança sentada absorta na leitura ao lado deles haviam substituído o muro a sua frente, o que a fez se levantar imediatamente. Mais uma vez a paisagem borrou e piscou, um homem sorrindo se agachou ao lado da criança e disse palavras que ela não conseguia ouvir, essas cenas tomaram o lugar daquelas imensas páginas de livro que formavam as duas únicas paredes da plataforma.