Ao acordar pela manhã, Davi ainda podia sentir seu corpo dolorido, mas ele tinha se recuperado mais rápido do que de costume. Talvez fosse pelo seu nível ter aumentado.
Apesar da dor, ele manteve sua rotina de treino diária. Ele precisava estar com seu corpo no melhor nível possível, se quisesse ser um caçador apesar da sua classe.
Em seguida, como tinha combinado de falar com a Luna pela tarde, sua manhã acabou sendo pacata. E sem ter o que fazer, pensou que deveria pelo menos tentar se despedir da sua mãe. Ele até tentaria se despedir do seu irmão, mas tinha medo que acabaria sendo recebido com violência e seu corpo não aguentaria mais golpes.
O garoto andou pela cidade pequena sem rumo ou vontade, até chegar na pequena loja da sua mãe. Lá encontrou uma mulher vestindo roupa de escritório.
Era Lídia uma jovem arrogante que gostava de fingir que era empresária, A verdade era que passava o dia na academia cultivando a bunda que sua roupa colada acentuava muito bem. Apesar das pernas bonitas, seu rosto era apenas normal, mas ela provavelmente se achava a dama mais bela da cidade.
Enfim, nada disso realmente importava para Davi, o importante eram três coisas: primeiro, ela era uma das amantes do seu pai. Segundo, ela era dona do terreno que sua mãe alugava para fazer sua lojinha. Terceiro, ele era uma mulher ciumenta que, aproveitando do seu poder, ia humilhar sua mãe dia sim dia também
Naquele dia, ela estava fazendo chacota dos produtos da mulher e até quebrou um dos vasos artesanais que a mãe tinha feito com todo esforço. Foram três meses de trabalho destruído em instantes.
Claro, Lidia pagaria por tudo, mas as perdas não eram materiais. Trabalhado com cuidado, aquele vaso era um presente. Por mais que fosse pouco, era a única coisa que podia dar para seu filho que já tinha uma vida tão difícil.
A mulher se sentia mal por não fazer mais que isso, mas pelo menos queria mostrar seu amor e suporte sempre que possível. Na verdade, depois de pagar as contas, sempre guardava os que sobrava de dinheiro da lojinha para o seu filho.
Davi, como de costume, esperou a confusão passar. Ele até pensou em avisar Lidia que seu pai tinha pedido para chamá-la, sabia que isso resultaria nela o encontrando com outra garota, no caso, uma colegial de 16.
Contudo ele desistiu, do jeito que aquela mulher era estúpida, acabaria irritado com ele, não com o cafajeste do seu pai.
Demorou uma eternidade, mas Davi finalmente viu aquela bunda enorme sair do caminho. De saco cheio, foi logo entregar uns incensos de presente para mãe e avisar que iria embora para sempre.
Quando viu a mulher se surpreendeu, ela estava machucada, seu rosto cortado e alguns hematomas escondidos.
"Mãe, está bem?" Largou a sacola que tinha na mão e correu para a garota machucada. "Aquela mulher foi longe demais dessa vez," murmurou frustrado.
"Cala a boca." Palavras frias cortaram os sentimentos do Davi. "Não quero sua preocupação repugnante, até parece que vai fazer alguma coisa, fraco inútil."
Como sempre, quando se tratava do seu filho mais velho, a mulher mudava de gatinho assustado para uma leoa. Se dependesse dela, apenas o seu filho caçula existiria.
Esperando esse tipo de resposta, Davi nem se surpreendeu, apenas entregou a sacola sem muita vontade. "Vim te dar um presente de despedida. Mais uma coisa, tem certeza de que está bem, aquela mulher realmente está indo longe demais".
"Relaxa," ela se sentou arrogantemente e começou a fumar maconha "aquela ali nunca tocaria em mim, depois que eu contar para o seu irmão o que aconteceu hoje, ela está acabada. Um pedido dele e seu pai nunca mais fala com aquela puta."
Davi ouviu sem interesse os elogios ao seu caçula. Não que ele sentisse inveja, já tinha passado desse ponto, só ficava triste de imaginar que seu irmãozinho tivesse que lidar com a loucura da sua mãe.
"Diferente de você, ele é um verdadeiro orgulho, graças a ele, seu pai até voltou a me dar atenção, já fizemos duas vezes esse ano." As palavras eram vulgares e crueis, mas era melhor do que quando batia nele e mandava agradar seu pai de merda.
Ele encarou a mulher, cujo olhar mostrava claramente que sua sanidade tinha sido perdida a muito tempo. Ele não sabia se deveria sentir raiva ou pena dela, mas no fundo o único sentimento que restava depois de todo aquele tempo era apatia e tristeza.
"Que bom para você." Por isso ele respondeu sem vontade, acabando logo com a conversa. De qualquer forma, ela não daria ouvidos a nada do que ele dissesse.
Davi suspirou, aceitando que a sua parte ele tinha feito. Se ela não queria se despedir ou falar com ele, não havia o que ser feito.
E mesmo que fosse só o esperado, ser tratado daquela forma ainda incomodava.
Ignorando o vazio incomodo no peito, o garoto esperando pela tarde, quando poderia conversar com a Luna e deixar para trás os pensamentos ruins.
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Davi ajeitou as coisas, colocando em cima do seu ombro um pequeno robô-câmera. Ele era apenas uma bola redonda, que podia flutuar e era até que bonitinho.
Aquela era uma das maravilhas da tecnologia. Que tinha se tornado mais acessível nos últimos anos, graças à mistura de ciência com magia.
O aparelho tinha um alto falante e microfone, e podia ser controlado remotamente. Luna podia se consertar nele e ter uma conversa com Davi, enquanto ele mostrava o que sobravam de vistas bonitas na sua cidade natal.
Na verdade, essa era uma das coisas que a garota mais gostava de fazer. Ela tinha nascido e vivido sua vida inteira na ilha artificial, por isso paisagens naturais eram uma novidade.
Claro, depois de mais de um ano de amizade com Davi, o efeito de novidade se diluiu um pouco, afinal ele já tinha mostrado para ela todos os cantos da cidade.
"Ohh! Eu nunca me canso de ver esse mirante," Luna comentou animadamente, depois que se conectou a uma chamada com o garoto.
O pequeno robô em seu ombro copiou animadamente, transmitindo as emoções da garota. Vendo aquilo, Davi riu levemente e os sentimentos ruins que apertavam o seu peito desapareceram.
"Como foi o seu dia?" Com um leve sorriso no rosto, ele perguntou.
"Hummm… Então, eu tive que apresentar o meu novo projeto de pesquisa para a banca, mas as coisas não deram muito certo." A voz tomada animada dela logo se tornou um pouco triste.
A garota odiava ter que lidar com plateias e, como de costume, acabou falhando em fazer uma apresentação convincente. Por causa disso, apesar do seu talento, ela sempre tinha mais dificuldade em conseguir bolsas de estudos e verba.
"Mas tudo bem, eu vou dar um jeito com o que tenho de verba!" Ela declarou com confiança.
"Ok, só não fique sem comer dessa vez," Davi a repreendeu, relembrando de um incidente que tinha acontecido alguns meses antes.
Não era incomum que entre comida ou novos equipamentos para o laboratório, ela escolhesse a segunda opção.
"Foi só uma vez e eu tinha um bom motivo para isso!" Luna ainda tentou defender o indefensável. "Além do mais, por que estamos falando sobre mim? Não era você que queria conversar comigo, diga logo o que quer!"
O pequeno robô balançou pelo ar antes de acertar o ombro do Davi. Era sempre divertido ver como Luna controlava o pequeno objeto de forma a transmitir suas emoções.
"Quero esperar o pôr do sol para isso," Davi deu de ombros, então começou a andar em direção a cidade.
Como eles gostavam de fazer de tempos em tempos, os dois passearam enquanto conversavam sobre assuntos inúteis.
Aquela era uma boa distração e, de certa forma, o garoto também queria andar por aquele lugar uma última vez.
"É você, finalmente te encontrei!" Contudo o momento de paz deles foi abruptamente cortado.
Aquele que procurava por Davi, era um garoto magro e baixinho. Seus olhos azuis eram bem bonitos, mas a coisa mais chamativa sobre sua aparência, era a camisa desnecessariamente larga que ele vestia. Talvez fosse mais apropriado dizer que ele estava usando um vestido.
Davi ficou surpreso que alguém estava procurando por ele. Contudo antes que ele tivesse tempo de dizer qualquer coisa, o pequenino se curvou e exclamou com um sorriso radiante:
"Obrigado, Davi, por tudo o que você fez por mim naquela mina!
Aos poucos, certas memórias voltarão para a mente do garoto. Obviamente ele lembrava da briga que tinha tido com seu chefe, isso tinha acontecido no dia anterior.
A questão é que a briga tinha começado, porque o homem queria enviar um novato para fazer um trabalho perigoso. E por mais que Davi tentasse, ele não conseguia lembrar o rosto desse novato que ajudou.
Dito isso, ele apenas assumiu que o garoto diante de si era ele.
"Ah... Não foi nada," respondeu com um sorriso nervoso, coçando a nuca. Ele não era exatamente acostumado a receber elogios, muito menos de maneira tão empolgada.
"Não foi nada? Você aceitou ser demitido só para me salvar! Eu digo em nome de todos, você é uma lenda. Você é minha inspiração."
Davi preferia ser enterrado vivo do que continuar sendo elogiado. Ele definitivamente não estava acostumado com aquilo, por isso ficava envergonhado.
"Então, mr. Heroi, por que não me contou nada sobre isso?" Assim que o garoto saiu, Luna comentou provocando Davi.
Pelo seu tom de você ela parecia muito feliz e mais animada do que de costume. Ela fez o robozinho girar sem parar no ar alegremente.
"Não foi nada de importante, só fiz o que deveria. E por que está tão feliz?"
"Não diga isso, tenho certeza de que você foi ótimo. Além do mais, é bom ver que tem alguém que percebe o quanto você é incrível."
Sentada em uma cadeira velha no seu quarto, a garota não conseguia parar de sorrir. Ela ficava genuinamente feliz por Davi, finalmente ser tratado com respeito e admiração por alguém. Ela sabia que na maior parte da sua vida, ele conviveu com pessoas que o desprezavam.
"Você é uma pessoa muito admirável, mesmo que não se veja assim ainda."
"Ahan! O sol já está para se pôr, não acha?" Mudando bruscamente de assunto, o garoto apontou para o sol que se apresentava firmemente no horizonte. Claramente ainda restavam algumas horas antes do pôr do sol. "Acho que já vou andando para o ponto de observação."
Ele rapidamente começou a andar para fora da cidade, enquanto continuava tentando fingir que nada tinha acontecido. Dito isso, seu rosto avermelhado deixava claro o quanto ele estava envergonhado.
Luna achou divertido observar o lado fofo do seu amigo, mas também não o provocou mais. Ela ia guardar o resto dos seus elogios para quando se encontrassem pessoalmente.
"Obrigado," e depois de um longuíssimo silêncio, Davi disse isso, mas não tocou mais no assunto.
Ele era péssimo em se abrir sobre suas próprias emoções.
Falando sobre coisas mais práticas, eles conversaram sobre os planos para o futuro. Luna morava em um apartamento pequeno, mas não seria um problema dividir ele com Davi.
Depois disso, o garoto teria que encontrar alguma forma de se tornar um explorador de sucesso. O que parecia quase impossível só com sua classe atual.
E falando sobre classe, depois de enrolar bastante, Davi finalmente contou que tinha chegado ao nível 25. Então ele cuidadosamente explicou a situação, dizendo que a condição para desbloquear a nova classe era ter uma namorada.
Então, de forma quase repentina, ele se declarou:
"Eu te amo."
Um silêncio um pouco desconfortável tomou o momento, tal qual Davi esperava que o lindo pôr do sol lhe desse a coragem que precisava. Contudo o sol, no horizonte, demorava mais do que ele esperava para se pôr de fato.
"Quero deixar isso claro. Eu te amo e, se possível, gostaria que fosse minha namorada. Isso não tem nada a ver com a minha classe, eu simplesmente te amo. Eu realmente te amo."
Notando que o sol tinha lhe deixado na mão, Davi juntou a coragem para continuar falando.
"Você é a minha preciosa amiga, por isso se os sentimentos não forem recíprocos, não precisa se preocupar em me rejeitar. Ainda seremos amigos. Mas eu precisava dizer isso."
O sol no horizonte finalmente se punha de verdade, revelando uma vista realmente bela para aqueles dois.
"Eu te amo," Davi disse uma última vez.