Após três dias de viagem, avistei Hasol no horizonte. A vila destacava-se por uma grande igreja em seu centro, tornando-a facilmente identificável. O sol estava próximo ao meio-dia. Apesar do perigo, viajei um pouco durante a noite para economizar tempo, mas isso me deixou bastante cansado.
Ao chegar, algo peculiar chamou minha atenção: tudo estava fechado, e as pessoas começaram a se aglomerar próximas à igreja.
Para evitar chamar atenção, decidi não sair perguntando sobre a pessoa mencionada pelo balconista de Namark. Mesmo assim, minha curiosidade sobre o que estava acontecendo não parava de crescer.
Será que as pessoas dessa vila são tão devotas a ponto de se reunirem em massa na igreja?
Ao olhar ao redor, notei um homem sentado em um banco com uma expressão de tédio. Resolvi me aproximar e sentei ao seu lado, tentando iniciar uma conversa.
— Não vai à igreja? — perguntei casualmente.
— Que se foda isso, to nem aí. Todo sábado é assim. por causa dessa merda, tá tudo fechado e até acabar não posso tomar umazinha.
— Pra que isso?
— Por causa daquela santa.
— Santa?
— Se quer saber vai lá, e se junta aqueles idiotas. Ah, esquece, só pessoas da vila podem entrar.
— Tá afim de beber uma depois?
— Se você pagar.
— Se me ajudar a entrar naquela igreja, te pago uma.
— Só isso? só acredito se me pagar agora.
— Aqui, só basta dizer que sou um amigo seu. — Entreguei um cruzeiro para ele.
— Tá bem, me fale seu nome que eu faço o resto.
— Me chamo Saito.
Levantei-me e comecei a acompanhá-lo. Nessas regiões pobres, muitas pessoas faziam quase tudo para ganhar algum dinheiro. Por estar próxima à capital, essa vila recebia suprimentos com prioridade e não era tão afetada pela escassez, mas, segundo meu mestre, quanto mais ao sudeste se avançava, mais evidente a pobreza se tornava, até atingir níveis desoladores.
Enquanto caminhávamos em direção à igreja, percebi que as ruas ficavam cada vez mais movimentadas, com moradores se aglomerando por todos os lados. Ao chegarmos à entrada, dois homens que aparentavam ser guardas da vila chamaram minha atenção. Assim que nos aproximamos, um deles estendeu o braço para nos parar rapidamente.
— Espera, nunca te vi antes. Apenas membros da vila podem entrar.
— Pedro, esse é meu amigo, Saito. Nos conhecemos a um tempo. Ele tá ficando aqui na vila por alguns dias, ele é gente boa.
— Rowan, não me diga que veio pra causar confusão de novo. Lembra o que você fez da última vez que tava bêbado?
Merda! Não é possível. De todas as pessoas que tem nessa vila, eu tinha que me deparar logo com um problemático.
— Não é nada disso, Pedro. Você sabe que já parei com isso a muito tempo. Sou um novo homem, não tá vendo? tou até vindo pra igreja.
Pedro permaneceu em silêncio por um instante. Em seguida, soltou um suspiro, seu olhar carregado de desconfiança.
— Tá, podem entrar. Mas se causar qualquer confusão, será expulso pra sempre.
Ao entrar na igreja, percebi imediatamente a imponência do lugar. Apesar de espaçosa, estava completamente lotada, sem nenhum lugar para sentar. Observei ao redor e notei a harmonia nos detalhes: os bancos de madeira polida, o altar ornamentado com esculturas delicadas e as paredes impecavelmente limpas. Tudo era bem cuidado, refletindo o zelo e a devoção dos moradores.
Pouco tempo depois, um padre subiu ao altar e iniciou algumas orações, e todos permaneceram em silêncio, orando juntos. Uma hora se passou, mas nada de estranho aconteceu. Comecei a pensar que essa história de santa era apenas uma mentira.
Assim que o padre concluiu as orações, uma atmosfera de expectativa tomou conta do ambiente. Murmúrios se espalharam entre os presentes, como se todos aguardassem algo extraordinário. Pouco depois, guardas da vila começaram a se mover discretamente, posicionando-se estrategicamente ao redor do altar. A tensão era palpável, e minha curiosidade aumentava a cada momento enquanto eu tentava decifrar o que estava prestes a acontecer.
— Chegou a hora, tragam ele! — bradou o padre em voz alta.
As pessoas abriram passagem no centro da igreja, criando um corredor em direção ao altar. Um dos guardas aproximou-se de um homem que estava sentado, ajudando-o a se levantar e guiando-o até o altar com cuidado. O homem tinha a perna enfaixada, uma evidência clara de que havia sofrido um ferimento.
Aproximei-me do altar para observar melhor o que acontecia. O guarda retirou cuidadosamente as bandagens do ferido, revelando uma perna quebrada e gravemente infectada. A situação era crítica, e parecia que a única solução para a salvar seria amputar a perna.
— Irmãos e irmãs, olhem todos bem! Na tarde de ontem este homem enquanto trabalhava, sofreu um acidente e agora está gravemente ferido. Todos disseram que não há mais nada que possa ser feito para salvar sua perna. A única solução é amputar ela. Mas, O criador não deixará um homem de bem desamparado.
Após as palavras do padre, uma jovem de cabelos loiros lisos, que brilhavam sob a luz suave das velas, e olhos verdes claros, surgiu de uma sala lateral próxima ao altar. Vestida com um hábito impecavelmente branco, ela caminhava com uma serenidade quase etérea em direção ao homem ferido, ajoelhando-se ao seu lado com movimentos suaves e elegantes. O silêncio na igreja era absoluto, com todos os olhos fixados nela.
A jovem colocou suas mãos delicadamente sobre a perna machucada do homem, e uma intensa luz amarelada começou a emanar de suas palmas, iluminando o altar com um brilho. Em questão de segundos, a perna gravemente ferida foi completamente curada, sem qualquer vestígio de ferimento. Um murmúrio de espanto percorreu a multidão, que logo começou a falar animadamente sobre o milagre extraordinário que acabavam de testemunhar.
hã? o que tá acontecendo? Como isso é possível? que tipo de poder esse? O mestre não me contou nada parecido, será um tipo de poder que ele não sabia? Espera! Logo meus pensamentos se voltaram para Yuri. Com esse tipo de poder, eu poderia ajudá-la a andar novamente. Uma onda de ânimo percorreu todo o meu corpo.
— Vocês viram diante de seus olhos, como sempre, não há truques. A perna dele foi curada! O Criador abençoou essa garota para nos ajudar!
— Sim, é um verdadeiro milagre! Vida longa à santa! Vida longa à santa! — As pessoas começaram a falar animadamente.
A garota se levantou, fez uma reverência em sinal de prece para todos e, em silêncio, retornou à sala lateral do altar. A igreja, que antes estava em um profundo silêncio, agora estava tomada por ruídos e celebrações pelo milagre recém-presenciado.
As portas da igreja se abriram, e as pessoas começaram a sair em um fluxo constante. Olhei ao redor em busca de Rowan, mas não consegui encontrá-lo. Apressei-me para fora da igreja e, finalmente, o avistei um pouco mais adiante. Sem hesitar, fui rapidamente ao seu encontro.
— Ei Rowan, quem é aquela garota que chamam de santa?
— Ficou interessado nela, não foi? Eu sei, ela é bem bonita, mas é melhor nem tentar. O pai dela é um escroto.
— Como posso falar com ela?
— Ela fica na taberna do pai dela. Só seguir reto por ali que acha. — Ele apontou na direção.
— Certo, obrigado.
— Se quiser mais ajudas é só falar.
Levantei a mão em agradecimento e segui na direção indicada. Pouco tempo depois, cheguei à taberna. Ao entrar, deparei-me com um ambiente simples, com mesas espaçadas e lotado de pessoas que comiam e bebiam animadamente. Notei um grupo reunido em um canto e me aproximei, curioso para descobrir o que estava acontecendo.
— Clarice, não tenho nem como agradecer por ter ajudado meu filho. muito obrigado mesmo — disse uma mulher mais velha, segurando as mãos de Clarice.
— Tá tudo bem, não precisa agradecer.
Havia bastante gente ao redor dela, então decidi esperar um pouco antes de me aproximar. Após algum tempo, as pessoas começaram a se dispersar, e aproveitei o momento para falar com ela.
Agora ela estava vestida de forma mais casual, usando uma blusa branca de mangas longas, acompanhada por um corpete ajustado em um tom profundo de marrom. O corpete, amarrado com cadarços cruzados, combinava com uma calça ajustada de couro escuro, que moldava a silhueta com elegância.
Meus palpites estavam certos: ela devia ser uma mística. O fato de usar roupas que cobriam praticamente todo o corpo reforçava essa ideia. Eles eram a raça menos conhecida, vivendo isolados nas montanhas, o que explicava o desconhecimento sobre os poderes que possuíam. Além disso, eram extremamente religiosos.
— Oi, posso falar com você.
— Desculpe, estou um pouco cansada. Deixe pra outro dia.
— É rápido. É que eu tenho uma amiga que se machucou há alguns anos e perdeu os movimentos das pernas. Teria como curar ela?
— Você disse "há alguns anos"?
— Sim, ela tá longe, mas eu a trago aqui.
— Eu sinto muito, mas não posso curar ela.
— Hã? Por quê? Eu vi você curando aquele homem. Se for questão de dinheiro, eu pago, não importa o valor.
— Não é isso, é que não consigo curar ferimentos de muito tempo.
— Você pode tentar…
— Já tentei muitas vezes. Ferimentos cicatrizados com o tempo, veneno ou doenças, meu poder não funciona.
Eu realmente acreditava que poderia ajudar Yuri, mas, naquele momento, todas as minhas esperanças desmoronaram.
— Clarice, a comida do seu pai é a melhor — disse um homem que passava atrás de mim.
— Obrigado, volte sempre. — Ela sorriu e levantou a mão para agradecer.
Eu estava chateado, mas, ao olhar para o braço dela enquanto o levantava, a manga deslizou levemente para baixo, revelando algo inesperado. Surpreso, agarrei rapidamente seu braço e puxei a manga para cima, arregalando os olhos diante do que vi.
— Ei, o que tá fazendo? — Ela puxou o braço das minhas mãos com um movimento brusco, claramente desconfortável com minha atitude.
Eu não conseguia acreditar no que via: o que deveria estar lá simplesmente não estava. Não havia nenhuma marca no corpo dela. Nada fazia sentido. Não tinha como ela ser uma elfa, uma anã ou uma elementalista; ela não apresentava nenhuma das características dessas raças. Minha mente girava entre inúmeras possibilidades, mas nada fazia sentido…
O que é você?
— Por que fez isso?
— Achei que tinha visto um inseto entrando na sua roupa.
— Um inseto? Aaaaa. — Ela começou a vasculhar a própria roupa.
— Clarice, esse cara tá te incomodando? — O guarda que estava na entrada da igreja aproximou-se, com uma expressão séria e postura firme.
Agora, observando com mais atenção, percebi que ele era ligeiramente mais alto do que eu, com cabelos pretos bem alinhados, olhos castanhos intensos que pareciam avaliar cada movimento, e uma espada firmemente presa à cintura.
— Não Pedro, tá tudo bem.
— Se ele tiver te perturbando só avisar.
— Tá tudo bem, já falei.
— Certo, então. Se precisar de qual quer coisa é só chamar. — Ele afastou-se para uma mesa próxima, onde se juntou a outros guardas.
— Seu namorado?
— Que? não. É só um amigo de infância.
Neste momento, uma mulher passou ao lado carregando uma tigela de comida. Ao sentir o aroma, minha barriga roncou alto, e, ao refletir, percebi que já fazia quase um dia inteiro que eu não comia nada. Além disso, minha boca estava seca.
— Pelo visto você tá com fome. A comida do meu pai é a melhor. Vai querer?
Fui imprudente ao gastar tanta grana por uma informação e ainda perdi tempo desviando do meu caminho. Não queria gastar mais, mas seriam sete dias de caminhada até a próxima vila para conseguir um transporte em direção à Floresta da Noite Eterna. Não teria dinheiro suficiente para voltar à capital e pegar um transporte de lá. Além disso, meus suprimentos eram limitados. O melhor que poderia fazer naquele momento era encher a barriga ali e partir.
— Tá, vou querer.
— Legal! não vai se arrepender, eu garanto.
Notei uma garota passando com uma jarra de água, de costas para mim. Fui até ela para pedir um pouco, tocando levemente em seu ombro para chamar sua atenção.
— Pode me dar…
— AAAAHH — Ela gritou, jogando a bandeja com a jarra para o alto, molhando-me completamente. Em seguida, abaixou-se, cobrindo a cabeça com as mãos, e começou a chorar desesperadamente.
Clarice passou correndo por mim, abaixou-se e abraçou a garota com cuidado, tentando acalmá-la.
— Anne, tá tudo bem, sou eu Clarice, Calma. Eu estou aqui com você.
— O que aconteceu, Clarice? — Pedro aproximou-se apressadamente, acompanhado de outros, com uma expressão de preocupação estampada no rosto.
— É a Anne, poderia levar ela pro quarto dela?
Clarice estava abraçada a Anne, enquanto alisava sua cabeça e tentava acalmá-la. Anne, por sua vez, continuava tremendo e chorando.
— Certo, venha. — Ele pegou Anne e a levou para outro local.
— Eu só queria pedir um pouco de água.
— Não se preocupe, a culpa não é sua.
— E o que foi isso?
— Você tá molhado. Vou buscar um pano. Pode se sentar naquela mesa. — Ela apontou para uma mesa no canto.
Fui até a mesa e me sentei, notando alguns olhares desconfiados direcionados a mim. Pouco depois, Clarice retornou com um pano, entregou-o para mim e sentou-se à minha frente. Eu ainda estava um pouco atordoado com tudo o que havia acontecido.
— Eu fiz algo de errado?
— Não, é um trauma que ela tem.
— Um trauma?
— Sim. A família dela vivia em uma parte afastada da vila. Eles eram fazendeiros… 5 anos atrás, eles foram atacados por quatro bandidos. O pai dela tentou reagir, mas acabou sendo morto. Mas o pior veio depois…
— O que?
Clarice abaixou o olhar, sua expressão tornando-se triste.
— A mãe de Anne foi brutalmente violentada e abusada na frente dela até morrer. Por sorte, naquele dia, meu pai e outros homens tinham ido buscar legumes que eles forneciam e chegaram a tempo de impedir que algo pior acontecesse com Anne.
— Mataram esses lixos?
— Não, meu pai não faria isso. Encontraram eles em um local próximo. Após Anne os reconhecer, foram presos. Ela tinha dez anos e mesmo após cinco anos, ela ainda tem esse trauma. Meu pai colocou ela pra ajudar no salão na esperança de que isso a distraísse e ajudasse a melhorar, mas nos últimos dias, ela tem piorado.
— Tem algum motivo?
— Parece que eles foram soltos pra trabalhar por falta de mão de obra. Mas, eu acredito que eles mudaram.
— Mudaram? você acredita nisso? deveriam ter matado esses lixos.
— Não fala assim. Eu confio que após serem presos, mudaram.
— haha.
— Que foi? por que você não acredita?
— Que saber? A última vez que confiei em uma pessoa, uma amiga se machucou muito e uma pessoa importante morreu. Eu odeio os humanos.
— Como pode falar isso? Você não é humano também!?
— Eu sou o humano que mais desprezo.
Naquele momento, uma jovem apareceu com uma jarra de água e um copo. Enquanto se inclinava para colocá-los sobre a mesa, o copo escorregou da bandeja. Instintivamente, estendi a mão para pegá-lo, mas acabei apenas esbarrando nele, e ele caiu no chão.
— Nossa, que reflexos! Você quase conseguiu pegar — exclamou Clarice, surpresa.
Reflexos? Fiquei olhando para minha mão, intrigado. Aquilo foi estranho; por um momento, parecia que eu sabia que o copo iria cair antes mesmo de acontecer.
— Desculpa, eu pego. — A jovem pegou o copo do chão, colocou-o delicadamente sobre a mesa e saiu em silêncio.
— Eu esqueci de pergunta seu nome, qual é?
— Saito.
— Me chamo Clarice, mas acho que você já deve ter ouvido por aí. Haha. Pela mochila, você parece um viajante, tá indo pra onde?
— Não tenho um destino.
— E você é de onde?
— Bartton.
— Eu já ouvi muito sobre lá. Dizem que tem campos vastos de terras férteis e lagos enormes. Isso é verdade?
— Sim.
— Nossa, deve ser lindo. Sempre sonhei em visitar lá algum dia. Você tem sorte, deve ser muito divertido viajar.
A animação em seus olhos era evidente enquanto falava. Para alguém que vive nessas terras áridas, a visão de campos vastos e terras verdes realmente parecia algo tirado de um sonho.
— Só ir embora.
— Não posso deixa Anne sozinha aqui… e também não teria como levar ela.
Por um momento, lembrei-me de Yuri, que também sonhava em viajar pelo mundo para conhecer diferentes tipos de flores. Infelizmente, eu tirei esse sonho dela.
— Clarisse, a festa vai ser amanhã, certo? — perguntou uma garota em uma mesa próxima.
— Sim, vai ser amanhã.
Clarisse desviou o olhar e soltou um longo suspiro. Em seguida, inclinou-se para frente, deixando a parte superior do corpo descansar levemente sobre a mesa. Com os braços cruzados apoiando a cabeça abaixada.
— Normalmente as pessoas ficam felizes com festas.
— Esse é o pior dia do ano, meu aniversário.
— E o que tem de ruim?
— É que o padre decidiu que esse dia é sagrado, por ser o dia do meu nascimento. Ai, todos ficam me bajulando o dia inteiro. É Muuuuuito chato.
— Não fala isso, esse dia é muito especial pra mim. — Um homem se aproximou, colocando a mão suavemente sobre a cabeça dela.
Ele tinha cabelos pretos bem alinhados, olhos verdes que transmitiam calma, e usava óculos redondos. Em uma das mãos, equilibrava uma bandeja cuidadosamente, onde repousavam uma tigela de comida fumegante.
— Papai, você sabe que eu não gosto disso!
— Você já ajudou muitos. Deixe que eles te agradeçam.
— Pode ficar com os agradecimentos pra você.
— Aqui está sua comida. Também quero me desculpar pelo o que aconteceu. Assim, só precisa pagar metade.
Ele colocou uma tigela de canja na minha frente, e minha boca se encheu de água instantaneamente só pelo aroma.
— É raro um viajante por aqui. Se precisar de um quarto pra dormir, tenho um confortável disponível.
— Não precisa, vou partir hoje.
— Por que não fica pra à festa amanhã?
— Não, estou com um pouco de pressa.
— Devido ao movimento, amanhã vou precisar de ajuda. Se puder me ajudar, pode passar a noite de graça e ainda posso dar alguns suprimentos.
— Não tem outras pessoas pra isso?
— É que praticamente todo mundo só quer se divertir amanhã, e como todo ano, eu acabo ficando sobrecarregado.
— Se eu fosse você, iria embora.
Eu não queria perder mais tempo nesta vila, mas a proposta era realmente tentadora. Ter um pouco mais de suprimentos poderia ser uma grande ajuda na jornada até a próxima vila.
— Certo. Eu aceito.
— Vou ficar na cozinha, se precisar de alguma coisa, só me avisar.
Após ele se afastar, não resisti e comecei a comer. Assim que coloquei a primeira colherada na boca, fiquei impressionado com o sabor: era incrível, quase no mesmo nível do que o tio Jack fazia. A carne e os legumes estavam cortados nos tamanhos ideais, perfeitamente cozidos, e os temperos exalavam um aroma irresistível.
Ao levantar o olhar, percebi que Clarice me observava com um leve sorriso nos lábios.
— Que foi?
— Então, não é a melhor comida que já comeu?
— Não, conheci outra pessoa que fazia melhor.
— Ah, para. Você só não quer admitir.
— Ainda falta um pouco pra ser a melhor.
— Sei… com aquela cara que fez quando experimentou? haha.
— Ei Clarice, acho melhor você ir ficar um pouco com a Anne — disse Pedro enquanto se aproximava.
— Tá bem. — Ela se levantou. — Vou ter que ir.
Balancei a cabeça em confirmação e continuei comendo, faminto como estava. Ela parou por um momento e ficou me encarando.
— hmm… Comendo desse jeito, e diz que não é a melhor.
— Tá, tá, é a melhor. — Eu só queria comer em paz. Ela sorriu levemente antes de se afastar.
Assim que terminei a refeição, recostei-me na cadeira, sentindo uma satisfação profunda. Embora a noite ainda não tivesse caído, a exaustão me dominava. Fui até o pai de Clarice para pedir a chave do quarto, pois dormir em uma cama confortável seria, sem dúvida, revigorante. Tentei pagar pela refeição, mas ele não quis aceitar, mesmo com minha insistência.
Ao abrir a porta do quarto, localizado um pouco atrás da cozinha, deparei-me com um espaço bem pequeno. Confortável, né? Havia apenas o suficiente para uma cama e uma mesinha ao lado, onde repousava um lampião. Apesar da simplicidade, aquilo pouco importava; tudo o que eu precisava naquele momento era descansar. Coloquei minha mochila no canto e me joguei na cama com um suspiro de alívio.
Talvez não tenha sido tão ruim ficar um pouco mais. Afinal, o que um dia a mais pode mudar?