O sol mal começava a se pôr quando Logker Liverston, com seu semblante sério, mas ainda carinhoso, entrou na pequena casa nas montanhas onde sua família vivia. O ar estava gelado, e a neve cobria tudo ao redor, mas dentro da casa, o calor da lareira fazia o ambiente acolhedor.
Kawe estava sentado no chão, ao lado de sua mãe, Kylia, que preparava o jantar. O menino observava com curiosidade enquanto ela mexia na panela, seus olhos fixos nas chamas que dançavam na fogueira.
"Kawe, não fique aí parado. Vai treinar um pouco antes que escureça, já está na hora," disse Logker, entrando na sala e se aproximando do filho.
Kawe levantou-se rapidamente. "Sim, pai," respondeu ele, com um brilho nos olhos. "Eu só estava esperando a comida."
Logker sorriu, mas sua expressão logo se fez mais séria. "Você sabe que precisa estar sempre pronto. Você tem o potencial de ser grande, Kawe, e eu estarei sempre aqui para te ajudar com isso. Mas também precisa ter disciplina."
Kylia levantou os olhos de sua tarefa e sorriu com suavidade para os dois. "Logker, não seja tão rígido com ele. Ele é apenas uma criança ainda."
"Eu sei, Kylia," disse Logker, olhando carinhosamente para sua esposa. "Mas o mundo lá fora... ele não vai esperar ele crescer. Precisamos garantir que ele esteja preparado para qualquer coisa."
Kawe olhou para os dois, admirando o pai e sentindo um orgulho imenso. Mesmo com a seriedade dele, ele sabia que Logker sempre quis o melhor para ele. Depois de um momento, ele saiu para o campo perto da casa, segurando sua espada de madeira, sentindo a pressão de treinar, mas também a emoção de querer fazer seu pai orgulhoso.
Kylia observou o filho partir e suspirou, o olhar distante, cheio de preocupação. Logker percebeu a mudança na expressão dela e se aproximou, colocando a mão em seu ombro.
"Ele vai ficar bem, Kylia. Estamos fazendo a coisa certa."
Kylia forçou um sorriso, mas seu coração estava pesado. "Eu sei, Logker. Eu só... eu só tenho medo. De tudo. De perder você, de perder ele... de tudo mudar."
Logker a olhou com carinho, inclinando-se para beijar sua testa. "Nada vai nos separar, Kylia. Sempre estaremos juntos, eu prometo."
Kawe estava fora, praticando seus movimentos com a espada de madeira, sem saber que aquele seria o último momento tranquilo com seus pais. Quando o sol finalmente se pôs e ele voltou para casa, a noite trouxe uma sensação de que algo estava prestes a acontecer. Mas nada poderia prepará-lo para o que estava por vir.
Kawe acordou com o som do vento batendo nas janelas. O frio da manhã penetrava as frestas da casa de madeira, mas o garoto não se importava. Ele estava acostumado àquele frio. O que não estava acostumado era ao silêncio que parecia ter invadido a casa.
Ele se espreguiçou na cama, com os olhos ainda pesados de sono, e olhou ao redor. A casa estava silenciosa demais para o seu gosto. Normalmente, o som das conversas de seus pais ou o farfalhar da lenha na lareira preenchiam o ambiente. Mas hoje, tudo estava quieto.
Kawe se levantou e caminhou pela casa. Ele procurou pela mãe, por seu pai, mas não os encontrou. Uma estranha sensação o envolveu, como se algo estivesse errado. Ele foi até o quarto dos pais, mas a porta estava entreaberta. Quando empurrou, encontrou o quarto vazio.
A sensação de desconforto aumentava, mas Kawe não entendia o porquê. Decidiu sair da casa e procurar por eles, mas algo no ar lhe dizia que algo não estava certo. Lá fora, o sol começava a despontar no horizonte, tingindo o céu de um laranja suave. O vilarejo nas montanhas parecia tão tranquilo quanto sempre.
Kawe andou pelas trilhas que conhecia tão bem, chamando por sua mãe e seu pai. Seu coração começava a bater mais rápido. Ele não sabia o que estava acontecendo, mas sentia que algo estava errado.
Foi então que ele ouviu o choro.
A princípio, ele pensou ser algo distante, mas ao se aproximar, a dor e o sofrimento se tornaram mais nítidos. Kawe seguiu o som até uma clareira na floresta, perto de uma árvore antiga que seu pai sempre dizia ser um lugar de respeito. E lá, ao ver sua mãe ajoelhada sobre o corpo de seu pai, o mundo de Kawe desabou.
Kylia estava abraçada a Logker, seu rosto enterrado no peito do marido. As lágrimas escorriam por seu rosto, e ela parecia completamente perdida. A visão de Logker, imóvel, com um olhar vazio, fez o coração de Kawe apertar de uma dor que ele jamais havia sentido.
Ele correu até ela, chamando por sua mãe, mas ela não parecia ouvir. A dor era tão profunda que Kawe não sabia como lidar. Ele olhou para o corpo de Logker, sem entender, sem saber o que tinha acontecido. Seu pai, tão forte, tão presente, agora estava ali, sem vida, em um estado que parecia impossível.
"Mãe, o que aconteceu com o pai? O que aconteceu, mãe?" Kawe perguntou, sua voz tremendo de medo e confusão.
Kylia ergueu o olhar lentamente, como se acordasse de um pesadelo profundo. Ela olhou para o filho, mas seus olhos estavam vazios, como se não o visse realmente.
"Ele... está morto, Kawe. Ele... morreu," ela sussurrou, como se as palavras fossem difíceis de sair de sua boca.
Kawe caiu de joelhos ao lado da mãe, seus olhos fixos no corpo de Logker, tentando entender o que estava acontecendo. Ele não sabia o que fazer, não sabia como lidar com a perda tão repentina. Seus pensamentos estavam confusos, e a dor era esmagadora.
"Por quê? Como? O que aconteceu?" Kawe perguntou novamente, sentindo a angústia tomar conta dele.
Kylia, com o olhar distante, apenas sussurrou: "Não podemos fazer nada agora, Kawe... não podemos fazer nada..."
O som do vento parecia mais forte naquela manhã, como se o próprio mundo quisesse mostrar a Kawe o vazio que havia se instaurado. A dor da perda de seu pai era algo que ele não sabia como carregar. Ele olhou para o corpo de Logker uma última vez e, sem saber o que fazer, se levantou.
Ele sentia que o peso do mundo agora estava sobre seus ombros. A vida de Kawe mudara para sempre, e ele não sabia o que o futuro lhe reservava.
Kawe correu pela trilha, seus pés batendo forte no chão enquanto sua mente estava em um turbilhão de pensamentos. Seu pai... ele não podia estar morto. Não depois de tudo o que haviam passado. Ele ainda acreditava, profundamente, que havia alguma chance de salvar Logker. Talvez, apenas talvez, ele ainda estivesse vivo, esperando para ser encontrado.
Syvir era o médico do vilarejo. Se alguém poderia ajudar, seria ele. Kawe não tinha tempo a perder. Quando viu a casa de Syvir ao longe, a respiração dele ficou mais acelerada, mas ele não desacelerou. Ele precisava de respostas. Precisava de algo para se agarrar.
Ao chegar, Kawe bateu na porta, sem esperar que fosse aberto gentilmente. O médico apareceu logo em seguida, surpreso ao ver o garoto tão agitado.
"Kawe? O que aconteceu?" Syvir perguntou, seu tom de voz cheio de preocupação ao perceber a aflição no rosto do garoto.
"Por favor, me ajude... Eu preciso que você venha comigo... Meu pai..." A voz de Kawe quebrou, mas ele logo se recompôs. "Ele está... não pode estar morto. Talvez você possa salvar ele, Syvir, por favor."
Syvir olhou nos olhos de Kawe, um olhar de tristeza tomando conta de seu rosto. Ele sabia o quanto a situação poderia ser devastadora para o garoto, mas, ao mesmo tempo, a expressão de desespero no rosto de Kawe o fez hesitar. Era difícil dizer o que ele sabia que precisava ser dito.
"Kawe, eu... sinto muito. Mas não sei o que mais posso fazer." Syvir tentou ser gentil, mas as palavras eram difíceis.
"Por favor, não me diga isso!" Kawe interrompeu, a voz ainda rouca, mas com a esperança latente. "Ele ainda pode estar vivo, Syvir! Eu sei que ele é forte. Ele sempre foi forte! Só precisamos tentar."
Syvir suspirou, percebendo que não poderia negar o pedido do garoto. Ele sabia que Kawe estava em uma situação de choque, mas não podia simplesmente ignorá-lo. "Ok, Kawe... vamos, eu vou com você."
Sem mais palavras, os dois saíram pela porta, Kawe à frente, determinado a tentar o impossível. Eles correram juntos pela trilha, até que finalmente chegaram perto da grande árvore onde Kawe sabia que encontraria seu pai.
Ao chegarem, Syvir examinou o corpo de Logker, deitado de forma pacífica sob a árvore. Sua expressão, normalmente forte e imponente, estava agora serena, mas inconfundivelmente sem vida.
Kawe se aproximou, os olhos marejados, tentando se convencer de que havia algo a ser feito, que ainda havia tempo. Ele se ajoelhou ao lado de seu pai, pegando uma das mãos frias de Logker, e sussurrou: "Por favor... Pai... acorde..."
Syvir se aproximou lentamente, colocando uma mão no ombro do garoto, mas a dor nos olhos de Kawe era imensa demais. O médico suspirou, compreendendo a gravidade da situação.
"Kawe..." Syvir começou suavemente, "Eu sei o quanto é difícil, mas... não há mais nada a ser feito. Seu pai se foi."
Kawe olhou para seu pai, para aquele homem que sempre foi sua fortaleza, o pilar que o sustentava. Não podia ser verdade. Não poderia ser. As lágrimas começaram a cair, mas ele não queria acreditar. "Ele não pode... Não pode ter ido... não agora."
"Eu sei que é difícil, Kawe," Syvir continuou, sua voz cheia de compaixão. "Mas seu pai morreu em paz. Não há nada mais que eu possa fazer."
Kawe queria gritar, queria negar, mas a realidade estava ali, diante dele. Ele olhou mais uma vez para Logker, tocando o rosto do pai como se esperasse algum sinal de que tudo aquilo não era real. Mas não havia resposta.
O silêncio se estendeu entre os dois por alguns momentos. Kawe não sabia o que fazer agora. O mundo parecia ter perdido todo o sentido, e a dor era tão intensa que ele não sabia como continuar.
Syvir, vendo o garoto completamente devastado, falou com suavidade: "Kawe... você tem que ser forte agora, para sua mãe. Ela precisa de você. Você pode ajudar ela a superar isso. Ela vai precisar de seu apoio."
Kawe olhou para o médico, ainda em choque, mas sentindo a verdade nas palavras de Syvir. Ele precisava ajudar sua mãe. Kylia estava em um estado de desespero profundo e, se Kawe não fosse forte agora, ela poderia se perder completamente. Ele não podia deixar isso acontecer.
Com um último olhar para seu pai, Kawe se levantou, ainda em lágrimas, e se afastou da árvore. O peso de sua perda era insuportável, mas, pela primeira vez desde que a tragédia acontecera, ele começou a entender o que Syvir quis dizer.
"Vamos voltar para casa, Kawe," disse Syvir, colocando a mão no ombro do garoto. "Agora você precisa cuidar de sua mãe."
Syvir visitava a casa dos Liverston com frequência desde a morte de Logker. Ele fazia o possível para ajudar Kylia, que ainda lutava contra a depressão, e sempre trazia ervas e tratamentos que poderiam ajudá-la a melhorar.
Naquela tarde, ele não veio sozinho. Sua filha mais nova, Emylia, o acompanhava. Ela já havia visto Kawe antes, mas nunca tinham conversado de verdade.
Ao entrar na casa, Syvir olhou para Kawe, que estava sentado perto da porta, pensativo.
— Kawe, por que você não vai lá fora brincar um pouco com Emylia? Vou dar uma olhada na sua mãe.
Kawe hesitou. Ele nunca foi de recusar uma brincadeira com seus amigos do vilarejo, mas os últimos dias tinham sido diferentes. Sua mente estava sempre voltada para seu pai, para as dúvidas que não tinham resposta.
Antes que ele pudesse responder, Emylia sorriu e pegou sua mão.
— Vamos, vai ser divertido!
Kawe ficou sem jeito. Não que ele não gostasse da ideia, mas parecia estranho agir como se nada tivesse acontecido. Ainda assim, sair dali não parecia uma má ideia.
— Tá bom… — disse ele, meio sem entusiasmo.
Do lado de fora, Emylia correu na frente e subiu numa pedra grande. Ela olhou ao redor, sentindo o vento bagunçar seus cabelos loiros.
— Esse lugar é bonito — disse ela, sorrindo. — Você já tentou olhar para o vilarejo daqui de cima? Parece um mapa!
Kawe se aproximou devagar, enfiando as mãos nos bolsos. Ele conhecia aquele lugar desde sempre, mas nunca tinha parado para ver as coisas do jeito que Emylia via.
— Nunca pensei nisso… — respondeu, olhando para o horizonte.
Emylia virou-se para ele, animada.
— Eu quero ver muitos lugares diferentes! Meu pai sempre conta histórias de cidades distantes, montanhas enormes, florestas cheias de criaturas misteriosas… Deve ser incrível explorar o mundo!
Kawe ficou em silêncio por um instante. Para ele, o mundo não parecia tão interessante assim no momento. Tudo que ele queria era entender por que seu pai morreu.
— Eu… não sei. — Ele chutou uma pedrinha no chão. — Acho que antes de qualquer coisa, preciso saber o que aconteceu com o meu pai.
Emylia ficou pensativa por um momento. Ela não entendia exatamente a dor que Kawe sentia, mas queria fazê-lo se sentir melhor.
— Então vamos descobrir! — disse ela, animada.
Kawe ergueu uma sobrancelha.
— Como assim?
— Ué, você quer respostas, né? Se for uma aventura, eu topo! — Ela abriu um grande sorriso. — Eu posso não entender muito bem o que você sente, mas se tem uma coisa que eu sei, é que ninguém deveria ficar triste pra sempre. Se procurar por essas respostas te deixa mais feliz, então vamos atrás delas juntos!
Kawe piscou algumas vezes. Ele não esperava aquilo. Mas, de alguma forma, o jeito leve e entusiasmado de Emylia fazia parecer que as coisas não eram tão impossíveis.
Ele suspirou e, pela primeira vez em dias, esboçou um pequeno sorriso.
— Tá bom… Mas não reclame se essa aventura for perigosa.
Emylia deu uma risada.
— Perigosa? Isso só deixa tudo mais interessante!
Os dois trocaram um olhar cúmplice. E, sem que percebessem, ali começava uma amizade que mudaria o destino de ambos.