Ofegante vapor escapava de minha boca a cada respirar, as gotas de chuva escorriam pela viseira do meu capacete em sincronia com as lágrimas que escorriam pelo meu rosto, enquanto pressionava com força o acelerador da minha moto. Em alta velocidade, até parecia estar cortando o vento e a chuva. Minha mente permanecia distante do meu corpo, aquele som de tiro que pelas minhas mãos foram disparados ainda zunia em meus ouvidos, naquele clima intenso e frio. Meu corpo recebia o ricocheteio da chuva e do vento como um julgamento. O estampido dos tiros ainda me assombrava enquanto o desespero me afogava. Eu não era assim, não era a pessoa que mataria realmente alguém, mas naquela noite chuvosa, a urgência e toda a situação me transformaram.
O homem que um dia foi meu amor estava lá, caído e ensanguentado no chão, a expressão que ele mostrava em seu rosto era uma tortura na minha mente. Minha única saída era aquela moto cortando a chuva intensa que caia sobre mim e meu parceiro de crime, as luzes vermelhas e azuis piscando atrás de mim. Pensei, mais uma vez, em agonia, que eu não era, de fato, uma criminosa, uma vez que nunca havia puxado o gatilho antes. Pelo menos, queria que não fosse assim. Naquela noite, em meio ao ruído da escapada, percebi que a minha realidade havia mudado. Havia-me tornado desprezível, e de fato, havia-me tornado uma criminosa.
O rugido do motor da moto que pilotava reverberava ainda mais forte, na chuva incessante, que apenas se tornava mais forte, o asfalto tornando-se um borrão cinza sob as rodas. O vento gélido e úmido da chuva chicoteava meu capacete com mais força ainda, trazendo um breve desconforto, era como medo, um medo que se misturava com as lembranças que ainda queimavam em minha mente. Foi quando um enorme som de buzina puxou minha atenção.
Um caminhão vinha de encontro conosco, a moto antes firme derrapou, um deslize fatal que nos lançou para o caminho do caminhão que, com aquela velocidade impiedosa, avançou sobre nós. O tempo parecia congelar para mim enquanto as luzes do caminhão nos engoliam, a buzina ressoando como um lamento. O impacto foi avassalador, com uma tremenda dor explodindo em meu corpo.
Aquele asfalto úmido misturava-se ao sangue e pedaços de carne e órgãos esmigalhados, e o som da chuva foi substituído pelo retumbar do acidente. Meu cúmplice estava ali, caído ao meu lado, com sua cabeça completamente desfigurada, e o caminhão desapareceu sem sequer parar. À noite estava um breu, e ela levava consigo nossas vidas aos poucos.
Naquele momento de caos, enquanto a chuva continuava a cair implacavelmente, a reflexão se desfez. Não havia espaço para arrependimentos ou justificativas. Pois ali havíamos pagado na mesma moeda, com nosso próprio azar e manchando o chão daquela pista com nossos órgãos e nosso sangue. Agora, éramos apenas vítimas de nossas próprias escolhas.
Antes de ser envolvida pela escuridão da morte, senti um formigamento estranho pelo meu corpo. Quando, sem qualquer sinal prévio, uma luz misteriosa apareceu, como se alguém lá em cima decidisse dar uma brincada com o meu destino. A dor que estava me consumindo deu uma aliviada e fui arrancada em um piscar de olhos da cena do acidente, direto para uma sala estranha com estilo arquitetônico medieval, porém com um toque chique.
No lugar do asfalto ensanguentado, me vi cercada por um grupo de pessoas vestindo túnicas que mais pareciam saídas de um filme de época. E no meio de tudo, lá estava um homem de meia-idade, com uma presença imponente, sentado em um trono extremamente chique com tecido que, apenas de ver, era possível deduzir ótima qualidade. Também havia detalhes com pedras valiosas e estruturas feitas de ouro.
O formigamento ainda persistia, mas agora parecia que cada pedacinho do meu ser estava passando por uma reforma, meus ossos, carne, tendões enrijeciam. Ao invés de lidar com a polícia e o caos, me vi no meio de uma sala estranha com pessoas estranhas, e o pior, tudo parecia muito fantasioso, como castelo medieval, reis e princesas, dragões e um mundo mágico, cheio de tudo que se possa imaginar.
Se isso é uma alucinação, um sonho bizarro ou uma realidade maluca, eu não faço ideia. Mas, com certeza, minha vida acabou de entrar numa trama que nem nos meus sonhos mais loucos e imprevisíveis poderia imaginar.
Com majestade e imponência, o homem que provavelmente era o Rei dirigiu-se a mim: - Saudações, grande heroína, escolhida pelas mãos de Deus! - Ele falou enquanto me encarava nos olhos.
O mesmo, ainda me observando de todos os modos, com uma aura de grandiosidade imponente, novamente exclamou: - Certamente, deve estar confusa quanto a este lugar. Este é um mundo diferente, e você foi eleita por Deus para guiar nosso império à iluminação... Bem-vinda ao Império Central de Lúmen.
A minha expressão só poderia ser uma, e ela era o espanto, desacreditando um pouco, olhei com calma e cuidado todos os arredores, aquela sala era enorme, havia estátuas e quadros com imagens de pessoas que tinham muita boa aparência, e havia até enormes pilares de sustentação. Foi após uma boa análise que fui cair na real de que realmente estava em outro mundo... Então, lembrando do acidente e das sensações que havia sentido antes, comecei rapidamente a averiguar meu corpo. E para surpresa minha, tudo estava no lugar sem qualquer arranhão.
O Rei, com fervor, me fisgou a atenção e então me disse: - Grande Senhora Heroína, vamos prover a você tudo que precisar, moradia, comida, dinheiro, parceiros e treinos especiais na academia humana mais renomada desse continente, a academia de talentos mágicos do Rei Feiticeiro Tarland... Tudo que precisamos é de sua ajuda. Só queremos viver uma vida de paz e harmonia sem a ameaça iminente que a Lorde Demônio Serafina representa... Por favor, ajude-nos a exterminar tudo que desagrada ao nosso amado, Deus. Nosso povo já não suporta mais aquela maldita praga -
Ainda insegura com tudo, pensei um pouco e então respondi com muita reverência: - Senhor, me perdoe se isso parecer brusco, mas como posso ajudar? Sou apenas uma humana comum, sabe ossos frágeis, mulher, sem músculos vantajados, baixa estatura e peso! Eu não sei o quão forte essa pessoa chamada Serafina é, mas com toda certeza deve ser grande o suficiente para ter este título, afinal, quem diabos no mundo seria perigoso o bastante para ter uma nação inteira como inimigo? -
O Rei, com um olhar fixo, decidido e sem brechas, exclamou novamente: - Não se preocupe com isso, nosso grandioso Deus a escolheu... Ele nunca erraria em suas escolhas. Você só precisará treinar e focar em ficar forte. E então você claramente poderá derrotar aquela moleca prepotente e arrogante. Já não posso mais permitir a Tirania daquela maldita gorila, ela simplesmente vive como quer e qualquer nação que é contra a vontade dela acaba virando cinzas ou sendo escravizada e forçada a pagar um tributo irracional a cada trimestre! -
O Rei, então me observando, apontou para meu braço pedindo para eu olhar. Com uma cuidadosa verificação, descobri em meu antebraço uma tatuagem verde oceânica que se assemelhava a uma espada cravada em uma pedra, um símbolo majestoso que agora estava completamente fixado em minha pele e carne.
Como ainda possuía muitas dúvidas sobre o funcionamento deste lugar desconhecido, decidi seguir as vontades locais para garantir minha sobrevivência. Aceitando o pedido do Rei, expressei com humildade: - Vossa Majestade, reconheço minha fraqueza atual, mas almejo um dia poder trazer glória a Lúmen, se assim foi decidido! - mas antes eu gostaria de perguntar algo: - Eu poderia retornar ao meu mundo em algum momento? -
O Rei, serenamente, me olhou e então respondeu:
- Certo, responderei sua dúvida. Deus me passou três mensagens antes de a enviar como nossa heroína, a primeira é que é realmente impossível que você possa voltar por meios normais, pois o seu ciclo de vida naquele mundo chegou ao fim. O segundo é que sua existência foi excluída completamente daquele universo, você nunca existiu lá, quando Deus a selecionou como heroína, tudo em relação a você desapareceu completamente, de modo que você não pode voltar a existir como era antes. Exceto se você quiser renascer novamente naquele mundo, porém, por mais que você volte a renascer, não poderá ter suas memórias guardadas! -
- E por fim, em nome da palavra de nosso grandioso Deus, eu ofereço a você riquezas, estadia e uma boa posição hierárquica na nobreza. Caso você consiga derrotar Serafina, sinto-me ruim em ter que dizer isso para a pessoa que será nosso salvador, mas vocês não têm outra opção melhor além dessa! -
"Pensando bem, nunca tive apego àquele mundo, sempre corri atrás de riqueza e poder, para alcançar minhas metas, menti, traí, desisti de tentar me apaixonar e acabei matando, mesmo sem querer... Eu não sei ao certo como as coisas devem ocorrer, fiz tantas coisas controversas na minha vida passada e ainda sou escolhida como uma heroína, acho que não tenho direito de exigir nada há muito tempo, mas depois de tudo simplesmente me recuso a perder a chance de obter aquilo que almejo, eu me tornei uma pessoa gananciosa e terrível, mas se um Deus quer que eu faça isso não deve ser algo ruim, e não parece uma ideia ruim já que posso matar três coelhos numa cajadada só!" Pensei olhando para o Rei.
Me preparando, indaguei:
- Certo majestade aceito essa proposta, farei o possível para derrotar Serafina e quem quer que ameace esse império, porém não quero apenas poder e riquezas, quero começar a minha própria nação, e para isso quero que Lúmen me ajude na fundação da minha própria nação, isso é minha condição creio que ao que tudo indica Lúmen é uma nação bem rica e influente já que sua Deusa parece se importar bastante com esse lugar, então essa condição não deve ser problema certo majestade? - Indaguei ao rei.
O Rei, pela primeira vez com olhar desconfortante, disse:
- Mas isso é uma loucura? Qual a necessidade de criar uma nação? Você está bem de saúde mental? Isso nem de perto é um pedido simples. Acha que administrar uma nação é algo simples, garota? Não brinque com a minha cara só porque você é a grande heroína, ao menos me dê uma explicação, um único motivo para que eu aceite essa condição absurda! Afinal, para fazer isso, teria uma enorme burocracia e precisaria de apoio de outros membros de alto escalão da nobreza - indagou o Rei, furioso e confuso ao mesmo tempo.
- Ah, majestade, você quer saber o porquê de querer criar uma nação, não é? É bem simples. Eu sempre quis que existisse um lugar sem pobreza onde todos possam sorrir, já vivi uma vida na pobreza e tive que fazer coisas horríveis para sobreviver, quero um lugar onde isso não venha acontecer. E então decidi, quero criar um lugar ideal, um lugar onde aquilo que eu acredito possa se tornar real, então para que isso seja possível, eu mesma vou criar uma nação onde decido as leis... Você me deu uma condição de escolha antes, mas você se esqueceu de quem realmente tem o direito de escolha aqui. Você pode ser rabugento o quanto quiser, mas só pode contar com minha ajuda para derrotar Serafina! E se não estiver bom para você essa razão, posso simplesmente seguir meu rumo sozinha sem ajudar ninguém, talvez sua Deusa amada possa invocar outro herói para ocupar meu lugar! - exclamei sarcasticamente rindo.
O rei, a ponto de enlouquecer de raiva, disse:
- Realmente ouvi isso que você disse? Ponha-te em seu lugar, inseto miserável, não irei tolerar nem mais uma blasfêmia contra Deus! Realmente te abomino, criança tola, mas como Deus lhe escolheu, aceitarei sua condição, porém proponho um pacto de alma mediante a Deus! - Exclamou o Rei.
- Pacto? Isso é como um contrato ou algo do tipo? - exclamei para o rei imbecil.
- Sim é exatamente um contrato, a condição de quebra desse contrato é a absolvição do âmago isso significa morte irreversível, pois o âmago é a alma e essência de todo humano, tudo que te define está dentro de seu âmago até mesmo sua definição como a heroína está gravado em seu âmago, caso você o quebre tomarei tudo de você, o mesmo vale para mim! - Disse o Rei claramente irritado, mas seriamente disposto a assinar o pacto.
- Uma roleta russa em! Você realmente está colocando tudo na mesa, acho que de alguma forma perfurei seu ego, hahahahahaha! Mas você não vai me amedrontar com isso, vossa majestade, já morri uma vez mesmo, apenas estou aqui por um acaso, nesse mundo não tenho nada a perder! Então, aceito o seu contrato, majestade. Impondo a condição de que o império disponibilize os melhores professores que esse lugar tem a oferecer e também quero apenas os mais fortes em meu grupo! - exclamei, rindo da reação do rei imbecil e surpreso.
O rei exitou por um pouco, então ele aceitou o contrato dizendo:
- Certo que assim seja feito, mas para que ninguém esqueça esse pacto, farei o ritual! - Disse o rei, juntando alguns magos que estavam ao redor.
Os magos rapidamente formaram um círculo em nossa volta, e bem no centro do salão começaram a desenhar símbolos estranhos no chão, então o rei começou a fazer o mesmo rapidamente, sincronizando com todos os magos. Porém, logo o rei começou a recitar algo em uma velocidade surpreendente. Enquanto o rei recitava, uma luz circular em cima de nossas cabeças pareceu e do círculo um feixe de luz atingiu meu olho, que ficou cego por um tempinho até que voltasse a enxergar. O Rei também havia sido atingido por aquilo e, quando o vi, seu olho atingido tinha uma marca. O Rei, olhando para mim, disse:
- Vê essa marca em meu olho? Ela representa o pacto perante Deus, de mesmo modo, você possui uma, conforme o definido, quem quebrar o pacto sofrerá as consequências! - Declarou o rei com expressão séria.
Olhando o Rei, logo em seguida respondi:
- Certo, vossa majestade, entendo perfeitamente que assim seja, a partir deste contrato me declaro responsável pela execução de Serafina! - exclamei em tom sério, mantendo-me à altura de um herói.