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Chapter 3 -  A Proposta de Clara

O som do despertador digital cortou o silêncio da manhã, trazendo Lívia de volta do sono agitado. Sonhos estranhos a haviam perturbado a noite toda: céus estrelados rodopiando em espiral, sussurros em uma língua desconhecida, a sensação constante de ser observada por um brilho intenso. Levantou-se da cama, sentindo-se mais cansada do que quando havia se deitado. A sensação de desconexão da realidade parecia ainda mais forte naquela manhã, como se um véu sutil a separasse do mundo ao seu redor.

Na cozinha, enquanto preparava um café forte, seus olhos se fixaram no céu através da janela. O sol da manhã ainda não havia rompido a linha do horizonte, mas o céu já começava a clarear, tingindo-se de tons rosados e alaranjados. Sirius não era mais visível, ofuscada pela luz crescente. Mas Lívia ainda podia sentir a presença da estrela, como uma marca invisível em sua mente.

A caminho da faculdade, a cidade pulsava com a agitação matinal. Pessoas apressadas, carros buzinando, o barulho constante da vida urbana. Lívia se sentia como uma espectadora silenciosa, observando tudo de fora, como se estivesse em um filme sem som. Seus pensamentos ainda giravam em torno da noite anterior, do observatório, do brilho de Sirius e da estranha sensação de chamado.

Na sala de aula, durante a aula de Astrofísica Teórica, sua mente divagava constantemente. As equações complexas e os diagramas intrincados pareciam distantes, desconectados da magia e do mistério que ela sentia em relação ao universo. Seus olhos se voltavam repetidamente para a janela, buscando um vislumbre do céu, mesmo que fosse apenas um pedaço azul emoldurado pelo concreto da cidade.

Durante o intervalo, encontrou sua amiga Clara no refeitório. Clara era o oposto de Lívia: extrovertida, social, sempre rodeada de amigos e novidades. Mas, de alguma forma, as duas se entendiam. Clara admirava a paixão de Lívia pela astronomia, e Lívia apreciava a leveza e a alegria contagiante da amiga.

"Você parece meio aérea hoje," observou Clara, enquanto mordiscava um biscoito. "Aconteceu alguma coisa?"

Lívia hesitou por um momento, ponderando se deveria compartilhar seus estranhos sentimentos com Clara. Mas a ideia pareceu absurda. Como explicar o chamado de uma estrela? Como traduzir em palavras a sensação de desconexão e a vaga expectativa que a consumia?

"Só… meio cansada," respondeu, forçando um sorriso. "Noite longa no observatório."

Clara assentiu, sem parecer totalmente convencida. "Você precisa relaxar um pouco, Lívia. Sabe, hoje à noite vai ter uma festa no Bar do Céu. Por que você não vem com a gente? Desconectar um pouco dos telescópios e conectar com pessoas reais?"

A ideia de uma festa soava quase surreal para Lívia naquele momento. Mundo real? Pessoas reais? Era exatamente disso que ela se sentia desconectada. Mas talvez Clara estivesse certa. Talvez um pouco de distração social fosse exatamente o que ela precisava para afastar as sensações estranhas e os pensamentos nebulosos.

"Talvez," respondeu, sem muita convicção. "Eu… penso no assunto."

Clara sorriu, satisfeita com a resposta ambígua. "Ótimo! Não se esqueça, Umbral Bar , oito da noite. Não me faça ir sozinha!"

Lívia assentiu novamente, enquanto seus olhos se perdiam no céu lá fora, buscando, mesmo sem esperança, o brilho fugaz de Sirius em meio à luz da manhã. O chamado persistia, silencioso, mas inconfundível. E Lívia sabia, no fundo de seu coração, que sua vida estava prestes a tomar um rumo inesperado, impulsionada por forças muito além de sua compreensão.