A Zona Sombria era um lugar onde os sons de sirenes e o barulho das ruas acima parecem nunca chegar. A cidade de Halcyon era dividida entre os poderosos, os esquecidos e habitantes da parte mais baixa da cidade, onde Eliar renasceu, não sabiam o que era uma vida sem medo. O medo de ser consumido pela pobreza, o medo de ser ignorado pela sociedade, e o medo do próprio futuro.
Madame Rosaria era uma mulher velha, com mãos ásperas de tanto trabalho e um olhar gentil, mas cansado. Ela morava sozinha, sua casa era modesta e escura, mas era nela que Eliar encontraria o amor que nunca conheceu de outra pessoa. A velha senhora tinha sido marcada pela dor da perda, mas ainda assim, tinha um coração generoso.
Ela andava pelas ruas vazias com sua bengala, o som de seus passos ecoando pelas vielas sujas. O vento cortante balançava os poucos cabelos brancos que ainda restavam em sua cabeça. A essa altura da vida, nada mais a assustava, exceto talvez o abandono das crianças nas ruas, as mesmas crianças que a cidade ignorava. E foi ao passar por uma rua estreita, cheia de lixo e restos de uma vida negligenciada, que ela ouviu um som fraco, quase como um gemido, vindo de um canto sombrio.
Quando se aproximou, viu algo que congelou sua espinha: um bebê, com não mais de um ano, coberto por um cobertor com símbolos nunca vistos cobertos por sujeira e rasgado, envolto entre os restos de comida e lixo. Ele estava ali, sozinho, abandonado, com uma aura de sofrimento que parecia ter se arrastado até ele de algum lugar distante. Mas, o que realmente a fez parar foi o brilho nos olhos do menino. Um brilho roxo, tão vibrante e único que parecia impossível. Algo em seus olhos dizia que ele não era uma criança comum.
Rosaria hesitou por um momento, temendo que alguém tivesse deixado aquele bebê ali com más intenções. Mas, olhando-o com mais atenção, ela sentiu algo mais forte, algo que a fez tomar uma decisão sem hesitar: ela o pegou nos braços, sem pensar nas consequências.
"Você não está sozinho", ela sussurrou, embora as palavras parecessem não ser para ele, mas para ela mesma.
Enquanto ela o levava em seus braços, um sentimento inexplicável de proteção a envolveu. Ela não sabia quem ele era ou o que significavam seus olhos, mas sabia que tinha que cuidar dele. A cidade poderia deixá-lo morrer, mas ela não faria isso.
Os anos passaram rapidamente. Eliar cresceu sob os cuidados de Rosaria, mas sempre com a sensação de que era diferente. As outras crianças o olhavam com desconfiança, sussurravam sobre seus olhos roxos e o que isso significava, mas, para Rosaria, ele era apenas o garoto que ela amava como se fosse seu próprio filho.
Ele não tinha amigos. As crianças riam dele, diziam que seus olhos eram amaldiçoados. Eliar, porém, fingia não se importar tanto. Tinha aprendido a conviver com a solidão, mas dentro de si, algo o incomodava. Ele sentia que, a qualquer momento, poderia fazer algo que mudaria tudo. Mas o quê? Ele não sabia.
Na escola, os outros meninos eram crueis. As zombarias não eram apenas sobre seu olhar, mas também sobre o seu corpo, alto e magro, o jeito silencioso e distante com que ele se movia pelo mundo. Nunca se sentia como as outras crianças, nunca conseguia se encaixar, e isso o tornava ainda mais isolado. O peso da solidão crescia a cada dia.
Tudo mudou na manhã em que um menino o empurrou no corredor da escola. Eliar havia se afastado para evitar a briga, mas o empurrão foi forte demais, e ele caiu, seu corpo se chocando contra o chão de maneira dolorosa. O burburinho ao seu redor aumentava, risadas ecoavam, mas naquele momento, o ódio e a frustração dentro de Eliar começaram a crescer.
Ele fechou os olhos com força, sentindo uma raiva que nunca soubera que possuía. Seus pulsos queimavam, e o ar ao redor parecia começar a vibrar. De repente, sem entender o que estava acontecendo, suas mãos se ergueram de forma instintiva. Quando seus dedos se esticaram, uma onda escura, densa e pura, se espalhou. No instante em que isso aconteceu, a sala parecia desaparecer diante dele.
Onde a onda de energia passava, tudo se desfazia: as paredes, os objetos, até mesmo as sombras, como se o próprio espaço ao redor se rendesse ao poder de Eliar. E tudo foi engolido por um vazio absoluto.
Ele parou, com os olhos arregalados, sentindo um terror profundo. O que ele tinha feito? Ninguém poderia entender o que aconteceu. Ele não sabia como controlar isso, mas sabia que era algo perigoso. Não era apenas uma brincadeira. Ele poderia destruir tudo.
O silêncio tomou conta da sala, e todos o observavam em choque, até que o diretor chegou, preocupado com o estrago. Mas ninguém sabia o que havia acontecido. Nem ele mesmo.
Rosaria, ao saber do incidente, não reagiu com medo. Ela sabia que algo assim era perigoso, mas ela também sabia que Eliar não era mau. Ela o amava como um filho, e isso era o suficiente para ela.
"Não é sua culpa, Eliar", ela disse, abraçando-o. "Você é mais do que isso. Não importa o que os outros digam. Você tem um coração bom. Só precisa aprender a controlar isso."
Eliar não respondeu. Ele apenas se recostou em seus braços, sentindo uma mistura de medo e esperança. Algo dentro dele estava despertando, e ele não sabia se estava preparado para isso. Mas, uma coisa era certa: ele não seria apenas mais um garoto da Zona Sombria. O que ele se tornaria, ainda estava por vir.