A cidade de Halcyon, com seus altos e baixos, tinha uma característica marcante: a profunda desigualdade entre seus habitantes. No centro, as grandes mansões das famílias de elite se erguiam como fortalezas de riqueza e poder, enquanto nas zonas periféricas, como a Zona Sombria, a miséria era uma constante. A realidade de Eliar refletia o pior dessa desigualdade, mas ele nunca se deixava vencer pela amargura. Sua mãe, Madame Rosaria, sempre dizia que a luta era o que tornava a vida digna, e ele absorvia cada palavra como um mantra.
A única fonte de sustento da pequena família era o trabalho de Rosaria, que servia como faxineira na mansão dos Ainsworth, uma das famílias mais prestigiadas da cidade. A moeda de prata que ela recebia por mês parecia uma piada diante das necessidades básicas de vida. A comida era escassa, as roupas eram simples, e Eliar, apesar da pouca idade, já entendia que nada era garantido. Ele e sua mãe sobreviviam com o mínimo, mas sempre com dignidade, graças ao esforço incansável de Rosaria.
A moeda de prata de 50 dólares que Madame Rosaria recebia por seus serviços parecia uma fortuna à primeira vista, mas era o suficiente apenas para manter a casa em pé. Alimentação, roupas, cuidados com a saúde... tudo isso tinha um custo. E, por mais que o sacrifício fosse grande, Rosaria nunca se queixava. Ela sabia que sua missão era cuidar de Eliar, não só como mãe, mas como a única pessoa que o protegeria contra o cruel destino que parecia ter reservado para ele.
Após o incidente na escola, onde Eliar manifestou pela primeira vez seus poderes destrutivos, ele se tornou uma aberração entre os outros estudantes. Os professores e os colegas o evitavam, temendo que ele fosse uma ameaça. No entanto, ele se apegava à ideia de que seu poder deveria ser usado para algo maior, algo bom, embora não soubesse ainda como.
Aos 13 anos, após concluir a escola regular da Zona Sombria, Eliar já estava ciente de que o trabalho era sua única opção para ajudar sua mãe. Rosaria, que sempre fizera questão de dar-lhe uma educação, sabia que o momento de encontrar um emprego chegara. Foi quando ela procurou Lady Eveline Ainsworth, a matriarca da família, com quem havia mantido uma gratidão de longa data.
Lady Eveline Ainsworth, que sempre se lembrava com carinho de quando criança, fora cuidada por Rosaria, que havia sido sua babá e protetora quando seus pais representavam a família. Eveline sempre teve uma gratidão imensa por Madame Rosaria, e essa gratidão foi a razão pela qual aceitou Eliar na mansão dos Ainsworth. A antiga babá sabia que sua posição humilde e sua falta de referências a tornariam invisível aos olhos da alta sociedade, mas Eveline, com um coração generoso, sabia que podia confiar em sua amiga.
Porém, a diferença de classe social era evidente. A mansão dos Ainsworth era um espetáculo de luxo, com sua arquitetura majestosa e a aparência imponente de seus jardins. Lá, Eliar seria mais uma peça no imenso quebra-cabeça da grande família nobre, mas para Rosaria, era uma oportunidade de dar a Eliar o mínimo necessário para crescer.
O contraste entre Lady Eveline e seu marido, o patriarca da família, Lord Valerian Ainsworth, era imenso. Eveline, com sua doçura e gentileza, lembrava-se sempre das questões que enfrentara na juventude, e isso moldava sua visão de mundo. Ela tratava a todos com respeito e compaixão, e sempre acreditou que a verdadeira força estava em ajudar os outros.
Lord Valerian, por outro lado, era o oposto. Impiedoso, rude e de temperamento forte, ele era um dos maiores heróis da cidade. Sua força física e habilidade em combate o tornaram uma lenda viva. Contudo, sua visão de mundo era muito mais pragmática e fria. Ele acreditava que o mundo precisava ser moldado pela força, e qualquer fraqueza deveria ser erradicada. Esse contraste de personalidades era visível na mansão, e seus filhos, incluindo Aeryn, a filha mais nova, cresceram sob sua sombra severa.
Quando Eliar entrou pela primeira vez na mansão dos Ainsworth, o choque foi inevitável. Ele estava diante de um mundo completamente diferente do seu, onde as pessoas viviam em um luxo inacessível. Ele se sentiu pequeno e deslocado, mas ao mesmo tempo, sentia que esse era o passo que ele precisava dar para alcançar algo maior.
Logo, Madame Rosaria, que já estava acostumada a lidar com as regras da mansão, conseguiu convencer Lady Eveline a permitir que Eliar ajudasse em pequenos serviços. Ele passava os dias organizando os jardins, limpando os corredores e realizando pequenas tarefas para a família. Era um trabalho árduo, mas ele sabia que estava dando o seu melhor.
E foi nesse ambiente de grande opulência que Eliar conheceu Aeryn, a filha de Lady Eveline e Lord Valerian. Aeryn era curiosa e aberta, sem o orgulho ou a arrogância que outros da sua classe social tinham. Ela se aproximou de Eliar de maneira simples, perguntando sobre sua vida e oferecendo-lhe um sorriso sincero.
-Você é Eliar, certo? ela perguntou ao encontrá-lo no jardim, onde ele estava aparando algumas flores. - Eu sou Aeryn. - Vi você ajudando madame Rosaria.
Eliar, surpreso com a cordialidade dela, respondeu de maneira tímida: -Sim... Eu sou.
Aeryn sorriu e sentou-se ao seu lado. -Nunca vi você por aqui antes. Você trabalha para minha mãe?
-Sim, trabalho aqui com minha mãe, Rosaria. Eu... sou novo aqui. Disse Eliar, hesitante. Não sabia o que dizer, mas a sinceridade de Aeryn o fez sentir-se mais à vontade.
Aeryn olhou para ele com curiosidade. - Eu nunca soube de alguém como você. Você não é como os outros aqui, é? Está aqui porque quer aprender ou porque precisa?
Eliar refletiu por um momento. Ele sabia que Aeryn não entenderia, mas não podia negar a sua realidade. -Eu... preciso. Afinal Eliar jamais conseguiria cobrir os custos da prestigiada Academia Celestia, local onde era formado os maiores heróis que Halcyon já viu, pai de Aeryn era um deles.
-Eu entendo, disse Aeryn, com uma expressão compreensiva. - Eu também preciso de algo. Algo além do que me é dado.
As palavras de Aeryn ficaram com Eliar por dias, e ele começou a perceber que, talvez, sua vida não fosse destinada a ser apenas uma sobrevivência, mas uma jornada em busca de algo maior. Algo que ele ainda não entendia, mas que estava começando a sentir dentro de si. Algo que talvez envolvesse mais do que sua própria força ou poder.