[ Enge, Zurique - Suíça ]
Lana Hartmann | 08:15 AM
Sempre me disseram que eu deveria ser grata. Grata pela vida que tenho, pelas oportunidades que me foram dadas, pelas portas que se abrem diante de mim sem que eu precise fazer um esforço. Afinal, minha família construiu tudo isso com muito sacrifício e visão, e eu sou apenas a herdeira, destinada a manter o legado.
Quando terminei a faculdade de Arquitetura, todos esperavam uma grande celebração. E foi uma celebração, sim, mas cheia de olhares calculistas, conversas sobre negócios e… o inevitável lembrete: o casamento com André. Desde pequena, ele foi tão parte do meu destino quanto os muros que projetei na faculdade. Eu sabia que o amor, naquele contexto, nunca foi necessário. Apenas a conveniência e a continuidade da história.
Eu não posso dizer que sou infeliz, mas às vezes me pergunto onde está a minha escolha nesse jogo. Quando vi o último desenho do meu projeto final de arquitetura, me senti perdida em um mar de linhas e formas que não eram minhas, mas que todos esperavam que eu seguisse. Era o retrato perfeito do que minha vida se tornaria se eu não tomasse uma decisão radical.
A manhã do meu último dia de faculdade foi como todas as outras, planejada, organizada. Mas a noite... a noite foi diferente. A festa do meu último dia foi o ponto de ruptura, o momento em que o controle saiu das minhas mãos e eu deixei que a frustração tomasse conta.
Naquela noite, ninguém sabia onde eu estava. E por uma vez na vida, eu não me importava.
Eu sabia exatamente o que me aguardava no dia seguinte: mais uma dessas festas intermináveis da minha família. Era o tipo de evento onde o glamour parecia ser a única coisa que importava. E, entre taças de champanhe e conversas sobre imóveis, eu seria apenas mais uma "boa filha" sorrindo e fazendo o papel que me foi designado.
A festa de gala da noite seguinte seria o cenário perfeito para mais uma rodada de apresentações e cumprimentos vazios. "Ah, Lana, você está tão bonita... e o casamento com André está mesmo marcado para o mês que vem, não é?" Eles não perguntavam, apenas afirmavam. E lá estaria eu, em um vestido chiquérrimo que minha mãe escolhera, com o sorriso no rosto, ouvindo perguntas sobre meu futuro, enquanto o céu estrelado da cidade parecia prometer algo bem mais interessante do que aqueles encontros sociais entediantes.
Mas, de certa forma, eu já estava acostumada com isso. Até o olhar de "mãe, me deixa em paz" que joguei para minha mãe, quando ela entrou no meu quarto para perguntar se eu já tinha escolhido o vestido, foi automático.
Lana: Claro que vou, mãe. Não posso perder o espetáculo, não é mesmo? — respondi, tentando dar a impressão de que tudo estava ótimo.
Ela sorriu satisfeita, sem perceber a ironia no meu tom. Afinal, para ela, aquela era apenas mais uma noite de "obrigação social". E quem sou eu para quebrar uma tradição, não é mesmo?
Mas, sinceramente, nem tudo seria tão chato assim. No fundo, eu até gostava dos vestidos, das músicas e da comida. O problema era o resto: as conversas superficiais, as mesmas piadas de sempre e as expectativas que pareciam estar grudadas em minha pele como se fossem um segundo corpo.
E então, antes de me perder em mais um daqueles monólogos internos sobre a vida entediante que eu estava prestes a viver, lembrei-me da última vez em que me deixei levar... E o que aconteceu depois.
Eu ri sozinha.
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[ Aeroporto De Zurique, Zurique - Suíça ]
Brayder Schwarz | 08:30 AM
Eu sempre soube que a minha vida na Suíça não seria a mesma quando voltasse ao Brasil. Não era só o clima que ia me dar um choque — eram as pessoas, as expectativas e, claro, a grande festa de família que estava marcada para o fim de semana. O tipo de evento onde todos se reúnem para dar um tapinha nas costas e perguntar "E o futuro, hein?". Uma dessas reuniões onde os negócios se misturam com a moral, e onde, no fim, é sempre sobre quem tem o melhor carro, o melhor casamento e a melhor história de sucesso.
E eu, como o primo rebelde que sempre morou do outro lado do mundo, sei exatamente como será. As mesmas caras, as mesmas conversas, o mesmo cheiro de dinheiro no ar. Minha mãe, com aquele sorriso forçado, tentando me convencer a participar ativamente de tudo, como se fosse possível me encaixar nesse jogo. E meu pai, é claro, já me preparando para aquele "exemplo de comportamento" que ele tanto espera de mim.
Mas eu já estou cansado disso. Na Suíça, tudo é mais simples. Não há essas pressões familiares. Não há uma obrigação de manter as aparências o tempo todo. Aliás, quem eu mais sinto falta é da liberdade de sair para esquiar nas montanhas, ou até mesmo passar uma tarde no café de Zurique, sozinho, com um bom cappuccino e meus próprios pensamentos. Não essa loucura de festas em que tudo parece ser uma grande encenação.
A viagem foi tranquila, mas a ansiedade de voltar e encontrar todos novamente estava me incomodando mais do que eu imaginava. Eu sabia que, quando chegasse, o discurso seria o mesmo: "E o casamento da Lana com o André? Quando é que a gente vai ver um compromisso, hein, Brayder?" Ou algo nesse estilo. Eu já podia até ouvir o tom de desespero na voz da minha tia.
A verdade é que a família nunca entendeu direito por que eu escolhi ficar tão distante. Para eles, era quase um insulto. "A Suíça não tem o calor do Brasil, Brayder", minha mãe sempre dizia. Mas é claro que a questão nunca foi o calor ou o frio. Eu só estava tentando encontrar meu lugar, longe do drama familiar, longe das obrigações que me pareciam impostas desde que nasci.
E agora, lá estava eu, de volta ao meu país, tendo que lidar com mais uma dessas festas "obrigatórias" que, no fim, só me lembravam o quanto eu estava fora de lugar. Mas, enfim, já sabia como essas coisas funcionavam. Seria apenas mais uma noite de sorrisos forçados e perguntas irritantes. Mas no fundo, quem se importava? A única coisa que eu queria era uma boa desculpa para sair mais cedo e voltar para minha vida tranquila em Zurique.