[ Enge, Zurique - Suíça ]
Lana Hartmann | 20:45 PM
A casa estava silenciosa, exceto pelo som suave dos passos que ecoavam pelo corredor enquanto eu descia as escadas. O cheiro de comida vindo da cozinha me fazia lembrar do quanto minha mãe era meticulosa em tudo o que fazia. Cada detalhe de nossa vida estava sob controle. Ela planejava tudo, desde o menu do jantar até os assuntos que seriam discutidos à mesa. Era assim que funcionava. Um jogo de aparências onde todos tinham um papel a desempenhar.
E lá estava ele, sentado na ponta da mesa, como se fosse o centro do universo — André, meu noivo, o filho do melhor amigo do meu pai, aquele com quem minha vida foi trilhada desde o início. Ele não era de demonstrar grandes sentimentos, mas estava ali, sempre presente nas celebrações que a vida impunha.
Quando entrei na sala de jantar, ele me olhou com aquele sorriso controlado, como sempre. Nada de surpresa, nada de emoção. Apenas a conformidade do que sempre foi esperado de nós. Não que eu esperasse algo diferente, claro. Às vezes, penso que nos casamos há tanto tempo quanto nossas famílias nos uniram. A única diferença é que agora estamos nos aproximando da data que todos aguardam, e eu sinto que, de alguma forma, estou mais distante dele do que nunca.
André: Você está maravilhosa, como sempre. — André disse, se levantando para me dar um beijo no rosto, seu tom formal e cortês, mas sem verdadeira afeição.
Lana: Obrigada, André. — Respondi, forçando um sorriso, enquanto me sentava à mesa, colocando os talheres delicadamente à minha frente.
Havia algo de vazio naquele jantar. Não era só a comida de luxo ou o ambiente sofisticado que nos cercava; era a sensação de que estávamos ali por obrigação, não por escolha. Conversas vazias começaram a surgir, como sempre acontecia nessas ocasiões, onde todos fingiam se importar, mas no fundo, estavam apenas esperando que o outro falasse algo para manter as aparências.
Pierre: Então, Lana, como anda o seu novo projeto na arquitetura? — Perguntou meu pai, enquanto minha mãe organizava os pratos com a precisão de uma orquestra.
Lana: Está indo bem, pai. — Respondi, mantendo o tom neutro. — Só um pouco ocupada com os detalhes finais, mas nada demais.
Os olhares calculistas de todos estavam em mim, esperando que eu desse a resposta certa, que mantivesse a minha posição. Eu não podia ser apenas uma mulher realizada na profissão; tinha que ser também uma boa noiva, uma boa filha, uma boa herdeira. E, enquanto os talheres batiam suavemente nos pratos, eu me perguntava onde exatamente eu cabia nisso tudo. Onde estava o meu desejo, o que realmente me fazia feliz?
André e eu continuávamos conversando sobre os planos de casamento, sobre o que nossa união significaria para os negócios de nossas famílias, e, por algum motivo, aquele era o único assunto em que ambos realmente nos encontrávamos. Eu sabia o que se esperava de nós. O que sempre se esperou. O que tínhamos que ser.
Mas, à medida que ele falava sobre os detalhes do evento — uma cerimônia de luxo, com todos os detalhes minuciosamente planejados — eu não conseguia parar de pensar no que havia acontecido na noite anterior, quando me perdi em algo que era tão só meu, algo que não tinha a ver com o que minha família queria ou com o que o futuro de André e eu nos reservava. Algo que, por um momento, me fez sentir viva de novo.
Quando os pratos foram retirados e as sobremesas servidas, a conversa continuou, mas minha mente estava longe dali. Eu sabia que essa noite, como todas as outras, seria apenas mais uma na longa lista de eventos que preenchiam nossa vida. Mas a minha mente continuava a vagar para onde as coisas podiam realmente ir. Onde eu poderia realmente ir.
Quando a sobremesa foi colocada à minha frente, eu olhei para a fatia de bolo na minha frente e, por um momento, imaginei o que aconteceria se eu decidisse seguir outro caminho. Um caminho sem as expectativas de todos ao meu redor.
Olhei para André. Ele estava absorto em uma conversa com meu pai sobre investimentos, e, pela primeira vez, senti como se ele fosse uma figura distante, alguém que eu simplesmente não conhecia mais.
Talvez fosse hora de dar o próximo passo. Ou talvez fosse tarde demais. Eu não sabia, mas havia uma coisa que me dizia que eu não poderia continuar vivendo pela expectativa dos outros.
E, enquanto os talheres batiam suavemente contra o prato, a noite parecia se arrastar, e com ela, minha sensação de estar presa.
O jantar seguiu como esperado, um desfile de sorrisos, frases feitas e um clima que se arrastava sem nenhum verdadeiro brilho. Mas então, quando a sobremesa foi finalizada e os risos ao redor da mesa começaram a diminuir, André se levantou, como se algo tivesse se acendido dentro dele. Ele olhou para mim com aquele sorriso intrigante e disse, com a voz baixa o suficiente para que ninguém mais ouvisse:
André: Que tal uma caminhada no jardim, Lana? O ar lá fora está agradável, e precisamos de um pouco de privacidade, não acha?
Eu hesitei por um segundo. Não estava com vontade de ser levada mais uma vez pelas armadilhas daquele jogo, mas a ideia de escapar do ambiente de formalidades me parecia tentadora. Dei um sorriso discreto, e assenti.
Lana: Claro. — Respondi, me levantando e seguindo-o até a porta que dava para o jardim da casa.
O jardim estava calmo, iluminado apenas pelas luzes suaves que refletiam nas árvores e nas flores. A sensação de frescor da noite era reconfortante, e a quietude do ambiente parecia um alívio do barulho constante das conversas e risos dentro da casa. Era uma fuga temporária, mas, por um momento, sentia que podia respirar de novo.
André, no entanto, não parecia interessado em aproveitar o silêncio. Ele se aproximou de mim, mais do que eu esperava, e antes que eu pudesse dar um passo para me afastar, ele já estava perto o suficiente para que eu sentisse sua presença pesada ao meu lado.
André: Lana, você sabe que eu quero mais de você, não é? — Ele disse, a voz baixa, mas com uma carga maliciosa que logo me fez desconfortável. — Este casamento... ele não precisa ser só sobre as aparências, sobre o que os outros esperam de nós. Podemos fazer de nossa união algo muito mais pessoal, muito mais real.
Eu engoli em seco, mas procurei não demonstrar o incomodo imediato. A pressão de ser o que ele queria estava sempre lá, esperando a hora certa para se manifestar. E agora, parecia que essa "hora certa" tinha chegado. Eu podia sentir a intensidade de seu olhar, e sabia que ele esperava algo de mim. Algo que eu não sabia se estava pronta para oferecer.
Lana: André... — comecei, com a voz um pouco mais firme, mas tentando ainda não ser agressiva. — Acho que você está se adiantando. Eu... preciso de tempo, preciso que o casamento aconteça primeiro. Só depois podemos pensar em qualquer coisa além disso.
Ele franziu a testa, um leve sorriso brincando em seus lábios. Ele não estava convencido, mas parecia disposto a jogar o jogo.
André: Claro, Lana... claro. — Ele respondeu, com um tom que misturava paciência e, quem sabe, uma certa frustração. — Eu sei que você é tradicional. Mas não pense que você vai escapar de mim tão facilmente, não é?
Eu me senti tensa. Seu olhar penetrante não me dava espaço para respirar, mas ao mesmo tempo, havia algo em suas palavras que soava como um aviso, um lembrete de que eu era apenas uma peça nesse grande tabuleiro de xadrez em que minha vida havia se tornado.
Acho que ele sabia que eu não estava pronta. Talvez até soubesse que não queria essa pressão. Mas, para ele, tudo isso fazia parte do processo, do que se esperava de nós. E, no fundo, eu sabia que não poderia escapar das expectativas que ele e minha família tinham sobre mim.
Lana: Eu só preciso disso, André. O casamento. A cerimônia. E depois veremos... o resto. — Forcei um sorriso, tentando parecer mais tranquila do que realmente estava.
André me olhou por um momento, avaliando minha resposta. Ele parecia estar refletindo sobre o que eu havia dito, mas logo voltou a colocar seu sorriso no rosto, como se tudo estivesse sob controle.
André: Está bem, Lana. Eu entendo. Vamos seguir com o plano então. — Ele disse, sua voz suavizando, mas o olhar ainda carregado de um desejo que eu não podia negar.
O silêncio entre nós ficou mais espesso, como se ele esperasse algo mais. Eu, por outro lado, não sabia o que mais poderia dizer. Minha mente estava um turbilhão, mas de alguma forma, consegui manter a compostura.
Ele deu um passo em minha direção, e eu senti o impulso de dar um passo para trás. Mas ao invés disso, olhei para as estrelas, tentando encontrar uma razão para tudo aquilo. A pressão estava se tornando insuportável, e eu só queria que essa noite terminasse.
Lana: Vamos voltar para dentro? — Perguntei, tentando quebrar o clima tenso.
André sorriu de forma quase satisfeita, e então, sem dizer mais nada, começamos a caminhar de volta para a casa. Mas algo dentro de mim sentia que, naquele momento, as escolhas que eu tinha feito até ali estavam se aproximando do limite. Eu não sabia quanto tempo conseguiria manter esse jogo, ou se a minha decisão radical ainda poderia me salvar de tudo isso.
E, por mais que tentasse não pensar nisso, a sensação de que algo estava prestes a mudar me tomava, mesmo que eu não soubesse o que exatamente seria.