No centro do grande laboratório biológico, uma cápsula de contenção preenchida com um líquido translúcido se erguia como o ponto focal. Renier estava dentro dela, imóvel, mas consciente, com os olhos fechados. Seu corpo flutuava levemente no líquido, enquanto diversos cabos e sensores estavam conectados a pontos específicos de sua pele, coletando informações em tempo real. Seu traje havia sido removido, restando apenas sua roupa íntima, expondo sua pele, um corpo naturalmente equilibrado e perfeito entre a juventude e poder bruto sem o exagero muscular transparecendo…
A sala ao redor era tão fria quanto metódica. Computadores avançados piscavam em um ritmo constante, processando os dados que chegavam da cápsula. Telas holográficas exibiam gráficos, sequências de DNA e leituras incomuns, enquanto o ambiente parecia ser o coração pulsante da Organização dos Seres da Noite.
— Como pode ser... — Dra. Jennifer murmurou, os olhos fixos nos dados que passavam freneticamente pelas telas à sua frente. Ela ajustou seus óculos com um toque impaciente e observou mais de perto, mas os códigos continuavam a dançar como se fossem indecifráveis. — Isso é impossível.
A Administradora, com sua postura impecável e olhar sereno, permanecia ao lado, observando calmamente os mesmos dados. Sua expressão não demonstrava surpresa, apenas um interesse profundo e calculado. Jennifer continuou, agora mais exaltada:
— O objetivo era entender a estrutura biológica do Guardião Negro, mas isso? — Ela gesticulou para a tela, os olhos brilhando de incredulidade. — Isso não é estrutura. Isso é caos. Um emaranhado de códigos atrás de códigos! Ele é... uma aberração.
A Administradora, ouvindo o comentário, se sentou com elegância em uma cadeira ao lado, cruzando as pernas e apoiando o queixo em sua mão. Seu sorriso era enigmático, quase indulgente. Após alguns segundos de silêncio, ela finalmente falou, com um tom calmo, mas carregado de um peso quase filosófico:
— Seus olhos, Dra. Jennifer, são limitados demais para enxergar o que está à sua frente. — Ela olhou para os dados com um brilho de fascinação em seus olhos. — O que você chama de caos, eu chamo de perfeição. O inexplicável é uma forma de arte, e Renier é, sem dúvida, uma obra-prima.
Jennifer virou-se para encarar a Administradora, um misto de confusão e frustração em sua expressão.
— Perfeição? Ele é um amontoado de códigos indecifráveis! Não há padrão, não há lógica. Isso não pode ser compreendido.
A Administradora ergueu uma sobrancelha e respondeu, sua voz adquirindo um tom de mentoria:
— Não confunda o desconhecido com o disforme, Dra. Jennifer. Se Renier nos entende, mesmo com sua natureza caótica, isso significa que ele não é apenas o que aparenta ser. Ele nos vê por completo, além de nossas máscaras. — Ela fez uma pausa, lançando um olhar penetrante para Jennifer. — Você o chama de aberração porque não consegue compreendê-lo. Mas a verdadeira aberração... — ela sorriu, mas seu tom tornou-se mais sombrio — sou eu.
Jennifer ficou em silêncio, surpresa com a declaração. A Administradora continuou:
— Eu sou o que sou porque não podem me entender. Sou uma abominação aos olhos do mundo. E ainda assim, Renier me vê, me compreende. Você precisa aceitar, Dra. Jennifer, que o caos dele é o que o torna extraordinário. Ele não é uma aberração. Ele é um enigma que espera ser desvendado. Tanto fisicamente quanto... profundamente.
Dentro da cápsula, Renier abriu os olhos, um brilho discreto, mas intenso, refletindo no líquido que o envolvia. Ele não podia ouvir a conversa claramente, mas uma leve curva em seus lábios indicava que ele sabia que era o centro da discussão. Era como se ele já soubesse de sua natureza caótica, mas a aceitasse como parte de quem era, e, talvez, até se divertisse com a confusão que ela causava nos outros.
Jennifer olhou para Renier através do vidro da cápsula, uma mistura de curiosidade e hesitação crescendo dentro dela. As palavras da Administradora ainda ressoavam em sua mente, desafiando sua visão limitada do que era normal ou compreensível.
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Renier estava de pé no centro da sala, a pele ainda úmida do líquido da cápsula enquanto gotas escorriam pelos contornos bem definidos de seu corpo. Ele vestia apenas roupas íntimas, mas agora começava a colocar o novo traje que a Administradora orgulhosamente apresentava. Ela se movia ao seu redor com precisão quase cirúrgica, ajustando cada peça com cuidado e explicando cada detalhe de sua criação.
— Este traje — começou a Administradora, o tom carregado de orgulho e profissionalismo — foi projetado com base nas suas próprias escamas cósmicas de dragão, extraídas com sua permissão durante os testes. Essa tecnologia, Guardião Negro, é a mais avançada em todo o multiverso.
Renier ergueu uma sobrancelha, observando-a enquanto colocava as peças do traje. O tecido era escuro como a noite mais densa, mas havia algo de especial. Linhas de néon, com um brilho suave e etéreo, percorriam as costuras, pulsando como se estivessem vivas. Ele passou os dedos pelas linhas, sentindo a energia pura que fluía por elas.
— Não é algo que se encontra por aí — comentou Renier, franzindo a testa. — Esse tecido... É leve. Flexível. Nem parece que estou vestindo algo.
A Administradora acenou com a cabeça, um sorriso contido surgindo em seus lábios.
— Esse é o objetivo. Seus trajes anteriores, criados com sua energia bruta, eram eficazes, mas... grosseiros. Poderosos, mas sem refinamento. Sua energia cósmica é pesada e caótica, Renier. Você é como uma estrela em colapso, sempre prestes a explodir, e isso limita sua capacidade de criar algo mais... sofisticado.
Renier riu baixinho, ajeitando a parte superior do traje que agora cobria seu torso.
— Sofisticado nunca foi meu estilo — respondeu, um tom de sarcasmo em sua voz.
A Administradora se aproximou, segurando nas mãos um capuz escuro, que era a última peça. Ela o colocou sobre a cabeça de Renier e deu um passo para trás, admirando o trabalho concluído. Quando Renier ajustou o capuz, algo aconteceu: uma máscara surgiu. Era uma máscara de kitsune, como as lendas japonesas, com entalhes que brilhavam em um azul cósmico. O contraste entre a escuridão do traje e o brilho enigmático da máscara dava a ele uma aura quase mística.
— Isso é novo... — murmurou Renier, olhando para a máscara que agora cobria seu rosto. Ele moveu o corpo levemente, sentindo como o traje reagia ao movimento. — Com isso, posso me mover mais rápido. Não há resistência.
A Administradora cruzou os braços, satisfeita.
— O traje é mais do que leveza, Guardião. Ele é um catalisador. Sua energia, embora poderosa, não é refinada. Você é uma tempestade, e tempestades são destrutivas por natureza. Esse traje ajudará você a canalizar sua energia de forma mais precisa. Sem a brutalidade de antes.
Renier inclinou a cabeça, pensativo, enquanto passava os dedos pelo capuz, sentindo a textura quase alienígena do tecido.
— Então você transformou a minha força em algo... controlado?
— Exatamente — respondeu a Administradora. — Mas o controle está em suas mãos. Eu forneci as ferramentas. Cabe a você decidir como usá-las.
Renier sorriu por baixo da máscara, que desapareceu assim que ele abaixou o capuz.
— Nada mal, Administradora. Nada mal.
Ela deu um pequeno sorriso, seu olhar carregado de um misto de fascinação e satisfação.
— Apenas faça valer a pena. Esse traje não é apenas uma peça de tecnologia. É uma extensão de quem você é, Guardião Negro.
Renier, agora completamente vestido, esticou os braços e se virou para a porta.
— Veremos do que ele é capaz — disse, sua voz carregada de determinação. — E, por tabela, do que eu sou capaz.
Enquanto ele saía da sala, as luzes do traje pulsavam suavemente, como se respondessem à energia do próprio Guardião Negro. A Administradora observou-o ir embora, sua mente já calculando o potencial que aquela criação poderia desbloquear em Renier. Afinal, o caos, quando refinado, se torna a força mais poderosa do universo.
A sala estava mergulhada em um silêncio quase opressivo depois que a Administradora saiu, suas últimas palavras ainda ecoando na mente de Renier. Ele se inclinou contra a mesa metálica, os dedos deslizando pelas linhas brilhantes do novo traje. Mas sua solidão foi interrompida pelo som ritmado de saltos altos se aproximando.
Renier ergueu o olhar e viu Dra. Jennifer entrar, impecável como sempre. Seu jaleco branco movia-se com graça enquanto ela caminhava, mas algo imediatamente chamou sua atenção: Jennifer estava sem os óculos escuros que sempre escondiam seus olhos. Agora, pela primeira vez, seus olhos estavam completamente expostos, as íris amarelas brilhando com uma intensidade penetrante. Eram os olhos de uma Górgona, profundos, místicos, quase hipnóticos. Renier sentiu uma leve tensão no ar, mas permaneceu imóvel, estudando-a com interesse.
Jennifer se aproximou sem hesitar, sua postura calma e confiante como sempre, mas algo em sua aura parecia diferente. Ela invadiu o espaço pessoal de Renier, levantando a mão com um pequeno dispositivo preto entre os dedos. Antes que ele pudesse questionar, ela prendeu o objeto delicadamente em sua orelha.
— O que é isso? — Renier perguntou, tocando na orelha com uma expressão de leve desconfiança.
Jennifer deu um pequeno sorriso, sua voz serena e firme como sempre:
— Um dispositivo de comunicação. Eu verei o que você vê, ouvirei o que você ouve e poderei me comunicar com você diretamente. Isso me permitirá guiá-lo e fornecer informações em tempo real, onde quer que você esteja.
Renier a observou em silêncio por alguns segundos, inclinando levemente a cabeça. Jennifer parecia... mais calma do que o habitual. Ele não conseguia deixar de notar como a ausência dos óculos revelava uma nova camada dela, uma que ele não havia percebido antes.
— Interessante — disse ele, simplesmente, enquanto cruzava os braços.
Jennifer não respondeu de imediato. Ela apenas se afastou lentamente, o som de seus saltos ecoando pela sala, até que ela parou perto da porta. Virando-se levemente, ela lançou um olhar por cima do ombro, seus olhos brilhando com um tom de autoridade.
— O que está esperando? — perguntou ela, sua voz carregada de expectativa. — Sua primeira missão como Guardião Negro e membro da Organização dos Seres da Noite começa agora.
Renier arqueou uma sobrancelha, intrigado com o súbito senso de urgência. Ele ajustou o capuz em sua cabeça e deu um passo à frente, um leve sorriso surgindo em seus lábios.
— Finalmente — respondeu ele, sua voz carregada de antecipação.
Jennifer abriu a porta, gesticulando para que ele a seguisse. Enquanto eles saíam, Renier não podia deixar de pensar que, apesar da calma exterior, algo nos olhos da Górgona revelava que aquela missão seria tudo, menos simples.
Continua…