O silêncio reinava nos corredores da Organização, quebrado apenas pelos passos ritmados de Renier, da Administradora e de Dra. Jennifer. A luz branca que banhava o chão e as paredes dava um ar estéril ao local, como se o espaço fosse uma extensão da própria mente calculista da Administradora. Dra. Jennifer segurava um tablet, deslizando os dedos pela tela enquanto analisava informações que claramente não interessavam a Renier. Ele caminhava atrás das duas, seus olhos azuis brilhando com a curiosidade de quem absorvia cada detalhe do ambiente.
O som dos passos ecoava, criando uma estranha harmonia, até que Renier, como era de seu costume, decidiu quebrar o silêncio.
— É uma base impressionante, devo dizer — começou ele, sua voz carregada de interesse genuíno. — Fundir-se às raízes de Yggdrasil... Essa ideia foi pura genialidade.
A Administradora, como sempre, segurava sua caneca branca de café. Ela deu um pequeno gole antes de inclinar a cabeça levemente em sua direção, seus olhos púrpuras se estreitando com curiosidade.
— O que faz você pensar assim? — perguntou ela, sua voz firme, mas interessada, carregada de um tom quase desafiador.
Renier, com um sorriso de canto, observou os arredores e respondeu calmamente:
— A energia de Yggdrasil não tolera intrusos. Qualquer tentativa de se aproximar de suas raízes por formas de vida comuns seria vista como um ato parasitário. E parasitas, claro, não têm lugar em algo tão puro... seriam pulverizados antes mesmo de chegarem perto.
A Administradora deu mais um gole no café, o vapor subindo suavemente. Ela continuou caminhando, mas agora com um leve sorriso de canto. Ele não estava errado, mas ainda assim, deixou-o continuar.
— No entanto — prosseguiu Renier, sua voz carregada de uma pontada de admiração —, seu corpo é algo além disso. Ele não é inteiramente orgânico nem inteiramente sintético. É algo único. Tecnologia arcana, magia, e energia cósmica entrelaçadas de maneira tão perfeita que você não apenas se fundiu com as raízes, mas as tornou parte de si.
Ele a olhou diretamente, seus olhos brilhando com perspicácia.
— Não seria exagero dizer que você e a base da Organização são uma única entidade. Essa fusão lhe deu não só a capacidade de operar em harmonia com Yggdrasil, mas de se tornar algo maior, algo único... uma verdadeira Entidade Cósmica. Estou errado?
O corredor pareceu mais quieto por um momento, como se as próprias paredes estivessem absorvendo o impacto das palavras de Renier. A Administradora parou de caminhar por um breve segundo, seus olhos púrpuras fixando-se nele. Ela se viu sorrindo, um sorriso mais intenso do que estava acostumada a permitir. Por dentro, estava genuinamente surpresa. Ser compreendida daquela forma, tão rapidamente e com tamanha precisão, era algo que não esperava.
Renier era mais do que aparentava, e isso a intrigava profundamente.
— Você é observador, Guardião — disse ela, sua voz levemente controlada, mas com uma admiração que ela não se preocupou em esconder. — E está absolutamente certo sobre mim.
Dra. Jennifer, que até então mantivera-se quieta, levantou os olhos do tablet, parecendo um pouco impressionada com a conversa. Mas ela se conteve, optando por não interromper a troca de palavras entre os dois.
A Administradora deu mais um gole no café antes de continuar a caminhar, dessa vez com uma postura levemente diferente. Havia algo nas palavras de Renier que a deixara pensativa. Ele não era apenas um Guardião. Ele era algo mais. E talvez, apenas talvez, ele fosse a chave para algo ainda maior.
Os passos ecoavam novamente pelos corredores brilhantes da Organização. Renier, com as mãos nos bolsos e um sorriso despreocupado, quebrou o silêncio mais uma vez:
— Então, para onde exatamente estamos indo? E o que exatamente vocês querem que eu faça? — Sua voz carregava uma mistura de curiosidade e provocação.
Dra. Jennifer, que caminhava ao lado da Administradora com seu tablet em mãos, ergueu o olhar de forma crítica. Ajustou os óculos escuros enquanto as cobras em seus cabelos revelavam um pouco de sua inquietação. As criaturas sibilavam levemente, observando Renier com línguas bifurcadas que pareciam captar cada movimento dele.
Jennifer finalmente respondeu, sua voz fria e levemente desdenhosa:
— Normalmente, anomalias capturadas pela Organização são estabilizadas e controladas por mim. Graças aos meus Olhos Místicos da Górgona, elas ficam... obedientes. — A última palavra foi dita com um tom ácido, acompanhada de um olhar provocativo direto para Renier.
Ele, por sua vez, apenas riu baixinho, o som ecoando pelos corredores. A risada carregava um tom debochado, mas ao mesmo tempo divertido, como se estivesse se divertindo com a provocação.
— Obedientes? — Renier repetiu, com um sorriso malicioso. — É uma palavra interessante, doutora. Mas sinto muito, não sou do tipo que segue ordens cegamente.
A Administradora, que assistia à troca com um sorriso discreto, interveio:
— Dra. Jennifer está apenas ressaltando que, diferentemente das anomalias que capturamos, você, Guardião, não pode ser controlado. Por isso, precisamos ter certeza da sua... lealdade.
Renier ergueu uma sobrancelha, agora visivelmente mais interessado.
— E como exatamente planejam fazer isso? — perguntou, cruzando os braços enquanto olhava alternadamente para as duas.
A Administradora tomou mais um gole de seu café antes de continuar, sua voz firme e inabalável:
— Queremos um teste, Renier. Não de seus poderes, porque sabemos que eles são incontestáveis. O que queremos é ver o que você pode oferecer à Organização como um de nós. Precisamos saber se você é capaz de lidar com anomalias — mesmo aquelas que estão abaixo do nível de um Guardião. É mais do que lidar com Sombras ou inimigos de grande escala. É mostrar que você sabe operar no campo, enfrentando o sobrenatural em diferentes escalas.
Renier assentiu lentamente, absorvendo as palavras.
— Então, basicamente, vocês querem que eu prove que sou capaz de lidar com coisas mortais e destrutivas, sendo enviado para missões em mundos que vocês designarem. — Ele sorriu, um brilho travesso nos olhos. — Parece divertido.
A Administradora inclinou a cabeça, confirmando com um aceno.
Dra. Jennifer, agora com os olhos de volta ao tablet, interveio:
— A Organização dos Seres da Noite — e, claro, a própria Administradora e eu — daremos todo o suporte e tecnologia de que você precisar para que as missões sejam eficazes. Você terá instruções detalhadas para cada mundo ao qual será enviado.
Renier virou-se para a Administradora, um sorriso brincando nos lábios.
— Então, a poderosa Administradora vai me dar alguns brinquedos para brincar? — Sua voz carregava um tom de provocação, mas também de genuína curiosidade.
A Administradora sorriu de volta, um brilho calculado em seus olhos púrpuras.
— Tudo o que o Guardião Negro precisar, o "cérebro" aqui fará questão de providenciar.
Renier deu uma risada baixa e inclinou levemente a cabeça, como em um gesto de respeito.
— Gosto da sua eficiência. Acho que vamos nos dar bem.
A troca terminou com um leve silêncio confortável enquanto os três continuavam caminhando, cada um carregando pensamentos diferentes, mas com um objetivo comum: garantir que o equilíbrio do multiverso fosse mantido, e que o Guardião Negro fosse uma peça chave nesse esforço colossal.
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Quando o trio chegou à sala, Renier imediatamente percebeu o ambiente peculiar. A sala parecia mais uma oficina futurista, repleta de armas de tecnologias avançadas, apetrechos misteriosos e vários outros itens que ele não reconhecia. As paredes estavam cobertas por painéis iluminados, e o ar estava impregnado com o cheiro de metal e eletrônicos.
Renier, com os braços cruzados e os olhos atentos, olhou para a Administradora e perguntou, com uma leve ironia em sua voz:
— Então, essa é a sua sala de trabalho?
A Administradora, com seu sorriso enigmático, manteve o olhar calmo e respondeu:
— Pode ser chamada assim, se preferir.
Jennifer e Renier entraram na sala quase simultaneamente, mas algo logo chamou a atenção de ambos. O ar estava visivelmente mais frio do que o resto da instalação. Jennifer, cuja natureza de Medusa e sangue frio a tornava sensível a tais mudanças, logo fez uma careta e reclamou:
— Está fazendo um frio absurdo aqui... — Ela se encolheu ligeiramente, tentando se ajustar ao clima gelado.
Mas o que veio a seguir surpreendeu a todos. Renier, geralmente impassível e acostumado com mudanças de ambiente, também sentiu a queda de temperatura. Ele franziu a testa e, com uma expressão desconfortável, comentou:
— Esse lugar está me deixando com sono... — Sua voz soou desinteressada, mas o tom de desconforto era claro.
Dra. Jennifer, surpresa, olhou para ele com uma mistura de ceticismo e espanto. Ela sabia o que Renier era — um Guardião Negro, uma entidade cósmica —, então a última coisa que esperava era que ele fosse afetado por um simples fator como a temperatura. Ela perguntou, incrédula:
— Você... está sentindo frio? Com o que você é, isso é... estranho.
A Administradora, que observava a cena com um interesse sutil, deu um leve sorriso irônico e respondeu, como se estivesse explicando algo óbvio:
— É curioso, de fato. Normalmente, um Guardião Negro como Renier não sentiria qualquer alteração climática. — Ela fez uma pausa, virando-se para Jennifer e completou, com um tom educado: — Mas você, Dra. Jennifer, tem o sangue frio de uma Medusa, o que a torna sensível a ambientes gelados. Isso pode até colocá-la em um estado de hibernação, não é?
Renier, com sua postura relaxada e expressão impassível, explicou com uma calma desinteressada:
— Sou um híbrido... Tenho sangue de dragão em mim, e desde que usei minha transformação de Dragão Cósmico em combate, mudanças como essas começaram a ser... inconvenientes. Não sou imune às alterações no clima, parece que algo na minha fisiologia foi alterado.
A Administradora, visivelmente surpresa pela revelação, deu um passo à frente, observando-o atentamente. Ela nunca imaginara que a transformação de Renier fosse mais do que uma habilidade. Seu olhar se suavizou levemente quando ela disse:
— Então, você não pode se transformar em um dragão apenas porque tem a habilidade... Você tem uma herança de sangue para tal transformação. Isso muda as coisas, não?
Renier deu de ombros, como se não fosse um grande problema, e permaneceu em silêncio enquanto Jennifer, ainda surpresa, olhava para ele com uma nova consideração.
A Administradora, não se deixando abalar pela conversa, fez um gesto com a mão, e a temperatura da sala começou a aumentar gradualmente. O ar frio começou a se dissipar, e uma sensação de calor logo tomou conta do ambiente. Ela, com sua postura de sempre, disse, sem demonstrar qualquer sinal de desconforto:
— Eu não sinto frio nem calor... Mas já que ambos estão incomodados, não vejo problema em ajustar a temperatura.
O ar se tornava mais quente, e Jennifer, aliviada, deu um suspiro de satisfação. Renier, por outro lado, não expressou mais desconforto, mas seus olhos revelavam um leve interesse na capacidade da Administradora de manipular o ambiente à sua vontade.
— Muito melhor. — Renier comentou, sem realmente se importar com a mudança, mas deixando claro que agora estava confortável.
Enquanto isso, Dra. Jennifer continuou observando Renier, agora com um olhar mais atento, como se estivesse começando a entender um pouco mais sobre a verdadeira natureza do Guardião Negro. A Administradora, com um sorriso quase imperceptível, olhou para ambos, claramente satisfeita com a situação e o resultado da interação.
— Agora podemos continuar — ela disse, dando um passo para frente e indicando que a reunião estava prestes a entrar em uma nova fase.
Continua…