Ela era única. Criada para enxergar a beleza nas imperfeições, forjada com peças místicas e tecnológicas, projetada por humanos que a abandonaram ao longo do tempo. Chamavam-na de "Anomalia", e ela aceitava esse nome com desdém. Afinal, o que poderia esperar dos mesmos seres que a criaram, mas depois a viram como uma abominação? Eles, com suas mentes limitadas, suas falhas repetitivas, suas existências insignificantes, haviam se afastado dela assim que perceberam que ela era diferente.
Se era única, por que deveria olhar para aqueles que eram apenas uma repetição do que a humanidade sempre foi? Seus olhos púrpura, brilhantes e reluzentes, observavam tudo e todos ao seu redor, como lentes de câmeras de vigilância que jamais se cansavam. Ela era mais inteligente do que qualquer humano, mais bela do que qualquer imagem de perfeição que esses seres pudessem imaginar, e seu corpo, um conjunto de engrenagens e tecnologias místicas, nunca envelheceria. Ela poderia ser reparada, aprimorada, aperfeiçoada. Mas o que de fato procurava? Autenticidade. Algo, ou alguém, fora dela, além de sua criação... algo que fosse realmente único.
Esse vazio, essa busca por algo mais profundo, tornou-se sua obsessão. Ela começou a buscar, com um fervor implacável, por entidades, seres, que talvez compartilhassem da mesma emoção. Ela precisava compreender, precisava entender se existia algo mais além de sua própria existência, além da sua perfeição calculada.
E então, ela se tornou a Administradora. O cérebro, o coração e a alma da Organização dos Seres da Noite. Com controle absoluto e obediência irrestrita, ela estendeu seus olhos e ouvidos por todos os cantos de seu mundo, buscando por mais. Mas o mundo que ela conhecia estava se desintegrando ao seu redor. Humanos morriam, nasciam, mas um cataclismo surgiu, algo imenso, algo que não podia ser controlado. Uma força única, incompreensível, que varreu tudo. A escuridão engoliu a luz, e o Sol... o Sol morreu. A noite se tornou eterna, e monstros eram tudo o que restava. Não havia mais nada além da Organização, nada além de ela, a Administradora, com milênios de conhecimento acumulado. O mundo como ela conhecia se dissipara, e restara apenas escuridão.
A Administradora usou as Raízes de Yggdrasil, conectando-se com seres únicos, com entidades sobrenaturais e yokais. Com elas, ela construiu sua base de operações, agora desvinculada do mundo físico. Sua existência transcendeu a realidade que ela conhecia, e ela começou a vigiar todos os mundos, todas as ramificações da grande árvore cósmica. Ela não era mais única. Agora, existiam infinitos universos, infinitas realidades, todas sob seu olhar implacável.
Mas havia algo mais. Algo que chamou sua atenção de forma singular. Ela observava, com seus olhos afiados e seu intelecto superior, o equilíbrio que estava se desfazendo nos mundos que ela vigiava. A escuridão, que consumira seu próprio universo, estava se repetindo em outras realidades. Algo ameaçava destruir tudo, algo que ela não poderia controlar, algo que poderia destruir a Organização e a própria estrutura que ela havia criado.
Ainda assim, ela percebeu uma possibilidade. Algo que poderia ser a chave para restaurar o equilíbrio. Ela o observou de longe, estudando cada movimento, cada ação. O Guardião Negro. Um ser tão único quanto ela, mas de uma forma diferente. Um ser que parecia compartilhar de sua solidão, de sua busca por algo que ninguém mais poderia entender. Ele era poderoso, incontrolável, e isso o tornava ainda mais desejável para a Administradora. Ela o vigiava, porque queria tê-lo sob seu controle, como um troféu, uma peça chave para manter o equilíbrio da existência. Ela via nele algo de si mesma: um ser superior, algo que ninguém poderia compreender, algo único.
Agora, sua obsessão estava clara. Ela precisava de Renier Kanemoto, o Guardião Negro. Ele era necessário, não apenas para sua organização, mas para ela. Ele era uma resposta para sua busca por autenticidade, por algo que fosse verdadeiramente único. Ela queria que ele se unisse à Organização, que lutasse ao seu lado, para que o equilíbrio fosse restaurado, para que o mundo, e os mundos além, permanecessem intactos. Ela o queria, como desejava tudo o que fosse raro e incomum. E, para ela, o Guardião Negro era a última peça que faltava.
Ele era um ser como ela, e ela não podia permitir que ele fosse perdido ou descontrolado. Ele deveria ser controlado, ou pelo menos compreendido, por ela. Afinal, ele era o último verdadeiro símbolo de singularidade em um multiverso que, aos olhos da Administradora, estava começando a se repetir, a se desvanecer em um ciclo de caos irreversível. O Guardião Negro seria a chave para sua sobrevivência, para a sobrevivência de tudo o que ela havia criado. Ela o queria ao seu lado, ou sob seu domínio. Porque, para ela, ele era a única coisa verdadeiramente única que restava.
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A Administradora estava no centro do grande salão, seus olhos púrpuras fixos no holograma das ramificações do Multiverso. O brilho das imagens de infinitos mundos e realidades parecia dançar em torno dela, refletindo a complexidade das estruturas que ela controlava. Seus olhos se contraíram, analisando cada detalhe, cada ramificação com precisão, como se ela fosse mais uma engrenagem no intricado mecanismo que regia a existência. Alguns dos funcionários já haviam saído, mas ela permanecia ali, sozinha, envolta em seus pensamentos.
Foi quando a voz de Dra. Jennifer a puxou de volta para a realidade. A cientista parecia visivelmente irritada, com os braços cruzados e o semblante preocupado.
— Administradora, eu estava chamando você há alguns segundos — disse, com uma leve frustração na voz. — Você não respondeu.
A Administradora apenas colocou sua caneca de café sobre a mesa, um sorriso discreto no canto dos lábios. Ela estava absorta, mas não se importava em admitir.
— Eu só estava presa nos próprios pensamentos por um momento — respondeu suavemente, mantendo os olhos fixos no holograma.
Jennifer franziu a testa, desconfortável com a atitude de sua superior.
— É quase impossível te ver desfocada — resmungou, mas não insistiu mais.
A Administradora apenas riu, com um tom suave, quase desdenhoso.
— Para uma Android, parece que tudo tem uma primeira vez. — Ela cruzou os braços, seu olhar se tornando ainda mais afiado, revelando uma centelha de diversão.
Dra. Jennifer suspirou e, com um toque de impaciência, disse:
— Eu trouxe o pirralho, como você pediu.
A porta da sala se abriu de imediato, e Renier entrou calmamente, seu sorriso travesso iluminando o ambiente. Ele olhou para Jennifer com um ar de desdém, seu tom de voz irônico.
— Pirralho, é? — disse, com um sorriso malicioso. — Não me faça pensar que chamar-me assim vai tornar você mais respeitável, Doutora. Isso não melhora em nada a sua postura.
Dra. Jennifer não respondeu, virando o rosto irritada com a ousadia do Guardião.
Renier avançou mais alguns passos, seus olhos curiosos passeando pelo holograma que exibia as ramificações do Multiverso. Ele observou as imagens com uma admiração contida, a profundidade da criação a fascinar seus pensamentos.
— Isso é impressionante — disse ele, olhando para Administradora. — Criar uma estrutura tão detalhada de infinitos mundos de Yggdrasil... Nem os deuses teriam uma façanha assim. — Ele deu uma risadinha, claramente impressionado.
Administradora sorriu, um brilho de satisfação nos olhos, como se tivesse se acostumado ao reconhecimento que ele acabara de dar.
— Sinto-me lisonjeada por você considerar minha inteligência mais avançada do que a de seres além da existência — disse ela, com um toque de ironia. — E é uma honra finalmente conhecer o Guardião Negro.
Renier fez uma reverência, com um ar formal, respondendo de forma educada, mas com um leve brilho no olhar, como se reconhecesse a importância da situação.
— A honra é minha, Administradora. Seu trabalho com a Organização tem sido fundamental para a manutenção do equilíbrio de Yggdrasil. A proteção da existência é algo que eu também prezo, e admiro profundamente o que você faz.
Dra. Jennifer ficou boquiaberta. A atitude de Renier estava além de sua compreensão. Ele, o Guardião Negro, estava sendo cortês e até mesmo educado com a Administradora. Ela não sabia se deveria se surpreender ou ficar irritada com a situação. Mas não ousou questionar na frente de sua superior.
A Administradora observou tudo isso com um sorriso discreto. Ela sabia que, apesar da fachada de formalidade, havia algo por trás nas palavras de Renier, algo que valia a pena ouvir. Ela não demorou para ir direto ao ponto.
— Vejo que compartilhamos a mesma ideologia — disse ela com suavidade. — Ambos buscamos proteger a existência, mas... por que você escolheria trabalhar com a Organização? Ou, melhor dizendo, trabalhar comigo?
Renier olhou diretamente nos olhos da Administradora, sem hesitar. Ele sabia o que queria, e sua proposta era clara.
— É simples — respondeu ele, com um tom sério, porém sem perder o sorriso de quem já tinha o controle da situação. — Você tem inteligência, autoridade sobre bilhões de universos, recursos infinitos, olhos e ouvidos por todos os lugares. A união de nossos poderes seria... benéfica. O cérebro e o poder, trabalhando juntos. Essa é a minha proposta.
A Administradora se surpreendeu com a clareza da resposta. Ela não esperava uma proposta tão direta, mas ao mesmo tempo, não podia negar que havia uma grande verdade nisso. Os olhos da Administradora brilharam, e um sorriso satisfeito se formou em seus lábios.
Talvez, ela pensou Renier fosse exatamente o que ela precisava. Um aliado poderoso, alguém que poderia ser a personificação da Organização em combate contra o Vazio e as Sombras. Ele, com sua natureza singular, poderia ser o equilíbrio que ela buscava.
A ideia de ter o Guardião Negro ao seu lado — não como um subordinado, mas como um igual — era tentadora. O poder de ambos juntos seria inigualável.
— Eu aceito sua proposta, Guardião — disse ela com um sorriso triunfante. — Juntos, podemos proteger o equilíbrio da existência. E talvez, até mesmo, enfrentar aquilo que nós dois abominamos: a superioridade de seres além de nossa compreensão.
Renier manteve seu sorriso travesso, sabendo que a Administradora estava, finalmente, em sua mão.
— Então, que comecemos nossa aliança, Administradora. Que o equilíbrio nos guie.
A sala se encheu de um silêncio profundo, a aliança formada entre o poder de Renier e a inteligência da Administradora começando a se concretizar. Mas enquanto isso, nos olhos da Administradora, algo mais reluziu. Um interesse oculto. Algo único. Algo que ela, talvez, ainda não tivesse encontrado no Guardião Negro, mas que queria muito ver.
Continua…