Sentada em uma cadeira giratória de design futurista, a Administradora observava a vastidão do grande salão da Organização dos Seres da Noite. O ambiente hi-tech estava iluminado por luzes suaves que percorriam as paredes, criando um jogo de sombras e brilhos que parecia quase hipnótico. Seus olhos violetas, com íris que se expandiam de maneira quase mecânica, eram fixos na tela holográfica à sua frente, onde informações vitais se deslizavam sem parar. Ela estava atenta às complexas raízes de energia pulsando no centro da sala, o coração da Organização, onde todo o poder estava concentrado.
O som dos teclados preenchia o ar, com funcionários trabalhando incansavelmente ao redor. Não havia muitos humanos por ali, uma constante lembrança da natureza peculiar daquele lugar. Em seu lugar, demi-humanos e seres sobrenaturais de todas as formas e tamanhos, com características únicas, seguiam suas tarefas com uma precisão silenciosa. A falta de humanidade naquele ambiente era algo que, de alguma forma, a Administradora apreciava.
Mas seus pensamentos foram interrompidos quando Dra. Jennifer entrou na sala. Ela se aproximou da mesa, colocando com um movimento firme os documentos sobre a superfície. A imagem de Renier estava estampada na frente, com o número de série da sua "anomalia" e o título Guardião Negro gravado de forma clara. Jennifer não parecia impressionada. Ela resmungou, como se tivesse algo a dizer sobre o assunto.
— Eu realmente não entendo esse pirralho... — Ela começou, sua voz carregada de desdém. — E o que mais me intriga é o fato de você, Administradora, ter me chamado para lidar com ele. Esse tal Guardião Negro trabalhar para a Organização? Isso é impensável!
A Administradora manteve-se calma, seus olhos nunca deixando a tela, como se estivesse absorvendo cada palavra, mas sem realmente reagir. Com um movimento tranquilo, ela pegou sua caneca de café e levou até os lábios, saboreando a bebida com a mesma calma de sempre.
— A ideia de ter o Guardião Negro como meu agente de mudança pelo Multiverso está longe de ser uma questão de "aceitação" — disse ela, sua voz suave, mas carregada de autoridade. — É uma oportunidade única. Algo que não podemos simplesmente ignorar.
Jennifer, embora visivelmente desconfortável com a situação, não pôde deixar de concordar em parte.
— Eu entendo... — disse ela, seu tom mais baixo, mas ainda repleto de ceticismo. — O Guardião Negro é apenas uma criança com poder. Ele deveria ser contido naquela sela até aprender a ter bons modos.
A Administradora não se abalou com as palavras de Jennifer. Com um movimento quase imperceptível, ela corrigiu a observação.
— Não. Está fora de questão. Eu vou aceitar a proposta do Guardião para trabalhar para a Organização. Ele é valioso demais para ser ignorado. Esse garoto tem muito mais a oferecer do que você imagina, Jennifer. É um agente de mudança, algo que nós não podemos permitir que passe despercebido.
Jennifer ficou em silêncio por um momento, como se estivesse ponderando as palavras da Administradora. Ela não estava convencida, mas sabia o suficiente para entender que não estava em posição de contestar. Mesmo assim, não conseguia evitar a sensação de que o Guardião Negro, com sua atitude rebelde e poder imenso, poderia ser tanto uma bênção quanto uma ameaça para a Organização. Ela só esperava que a Administradora soubesse o que estava fazendo.
A Administradora, no entanto, não parecia preocupada. Ela colocou a caneca de café na bancada, voltando a olhar para as informações que ainda passavam na tela holográfica. O futuro estava cheio de possibilidades, e ela sabia que, por mais arriscado que fosse, aceitar a proposta de Renier era uma jogada que poderia mudar tudo.
Jennifer permaneceu em silêncio por um momento, tentando processar as palavras da Administradora. Ela sempre fora uma profissional impecável, respeitosa, mas naquele momento, ela não podia esconder a incredulidade que sentia.
— Longe de mim discordar de você — começou ela, finalmente, sua voz suave, mas carregada de uma sinceridade controlada. — Afinal, você é uma das mentes mais brilhantes do multiverso, a criadora da O.S.N. Mas, ainda assim... o Guardião Negro? Ele é, e sempre foi, uma força de neutralidade, uma força que age sem se importar com o que está à sua volta, só se envolve quando algo não é do seu interesse. Ele é, de certa forma, um agente do caos... apenas porque tem a autoridade de Yggdrasil, a Criadora.
Jennifer fez uma pausa, seus olhos olhando fixamente para a Administradora, esperando sua reação. Ela não queria soar desrespeitosa, mas não podia ignorar a gravidade da situação.
— Esse garoto... Renier Kanemoto... ele passou pelos meus Olhos Místicos. Meus poderes de manipulação mental falharam com ele. E isso me faz desconfiar de suas intenções e decisões dentro da Organização. Eu me pergunto... como podemos confiar em alguém assim?
A Administradora, porém, apenas sorriu, como se estivesse apreciando o desabafo de Jennifer, sem demonstrar qualquer sinal de desaprovação. Ela parecia quase satisfeita com a conversa.
— Ah, os Olhos Místicos de Petrificação, da Gorgona... Um dos dons mais raros e fascinantes do nosso multiverso. Fico feliz que você os tenha, Jennifer. E sim, o fato de falhar em manipular ou controlar a mente de um garoto de 16 anos é... surpreendente — disse a Administradora, sua voz calma e quase lúdica.
Jennifer sentiu uma leve frustração crescer em seu peito. Como a Administradora podia falar sobre isso com tanta indiferença? Ela queria compreender as razões, queria saber o que exatamente fazia o Guardião Negro tão especial para a Organização.
— E você chama isso de "surpreendente"? — Jennifer não conseguiu se conter, sua voz um pouco mais firme agora. — Como podemos ter em nossa Organização alguém que não podemos controlar? Como alguém com tanto poder, com decisões tão imprevisíveis, pode ser parte de um sistema que preza pelo equilíbrio no Multiverso?
A Administradora deu uma risada suave, mas carregada de uma sabedoria profunda. Ela parecia bem ciente da tensão na sala, mas sua calma inabalável não a deixou se mover de sua posição.
— O Guardião Negro, Jennifer, é o equilíbrio na forma mais crua e absoluta da existência cósmica. Ele é o "faz-tudo" da realidade. Sem ele, tudo o que está acima... choraria com tudo o que está abaixo. Ele não é alguém que pode ser controlado, nem alguém que precise ser controlado. Ele é a linha tênue entre a criação e a destruição, e sua existência é necessária para que o próprio tecido do multiverso se mantenha intacto.
Jennifer ficou em silêncio, absorvendo cada palavra da Administradora, mas uma parte de si ainda estava em conflito. Como poderiam aceitar alguém tão... fora de controle, tão imprevisível, em um papel tão crucial?
A Administradora, então, completou com um sorriso que parecia ser mais do que apenas uma simples expressão facial. Era uma afirmação de algo muito maior, muito mais complexo.
— Trabalhar com alguém como Renier Kanemoto... com um ser tão único... Parece uma oportunidade que vale a pena. E, no fim das contas, Jennifer, talvez o que nós precisemos seja exatamente disso. Algo tão único que ninguém jamais poderá prever.
Jennifer observou a Administradora com um misto de respeito e ceticismo. Ela sabia que havia algo mais acontecendo ali, algo que estava além do que ela conseguia entender. Mas uma coisa era certa: a decisão estava tomada. O Guardião Negro faria parte da Organização. E, por mais que ela relutasse, ela teria que aprender a lidar com ele, independentemente de seus métodos e seus poderes incontroláveis.
Continua…