PONTO DE VISTA DE MARIO ALENCAR
Eu ofegava, era como se algo estivesse puxando a força o ar de meus pulmões. Meu olhar vidrado na mulher a minha frente, uma gota fria de suor escorre pela minha testa. Oque ela quer dizer com 'herói'? Penso para mim mesmo.
Isso tem que ser uma pegadinha, não tem outra explicação, como que a gente saiu da porta do fliperama para este lugar que mais parece um... castelo? Minha cabeça latejava, e perguntas inundavam meus pensamentos.
Eu me encolho atrás dos meus amigos, o nervosismo tomava conta de mim. E meus pais? Com eles ficam com tudo isso? A angústia era aparente, eu hiperventilava, minha visão ficando turva. Eu tenho certeza que não sou somente eu que está com a mente cheia de dúvidas.
"Não há motivo para se esconder atrás de seus companheiros herói," a doce voz da loira parecia falar diretamente comigo e seu olhar era penetrante.
Isso é impossível, tem que ter algum engano, não, não, de jeito nenhum eu sou o 'herói' que ela está falando. Eu olho para meus amigos, seus olhares vidrados em mim, porque logo em mim?
Com um nó na garganta, encaro todos de volta. Surpresa, espanto, medo, é isso que está estampado em seus rostos enquanto me secam.
"E-eu...?" minha voz falha, como de as palavras estivessem presas em minha garganta. Eu engulo seco.
"Sim, você mesmo," se aproximando cada vez mais de mim, seu rosto a centímetros de mim.
Eu tento desviar meu olhar do dela, mas eu não conseguia, eu não podia e ela sabia disso. Um sorriso se formava no canto de sua boca. Os lábios tingidos de vermelho contrastavam com o azul de seus olhos.
"Eu sinto um poder latente dentro de você," cara a cara, minha respiração irregular soprava no rosto dela. "Sem sombra de dúvidas você é o herói que nosso reino precisa."
Minha boca se abriu, mas nenhum som saiu. Isso nunca foi uma pegadinha. Meus amigos me encaravam, minha cabeça baixa evitando seus olhares. Mesmo sem ter certeza ainda, algo já estava claro.
A mulher se levanta, se afastando de mim enquanto se vira. O decote em seu vestido revelando suas costas, seu cabelo loiro caía pouco abaixo de seus ombros. Que linda. Seus passos ficando mais distantes.
"Espera aí!" eu ouço o João gritar por ela pronto para se levantar e ir na sua direção, seu olhar de raiva buscava respostas.
A beldade parou onde estava mesmo e nos olhou por cima do ombro, com desdém. O olhar fixo no João à minha frente, seus olhos antes como um rio, agora pareciam refletir um oceano profundo, parecendo me sugar cada vez mais para seu abismo.
"Precisa de algo?" sua voz me faz arrepiar, meu corpo estremece conforme ela vai se virando lentamente.
Nós congelamos, uma pressão forte toma conta do lugar, como se o ar fosse quase palpável. Eu arfava puxando o máximo de ar que conseguia para meus pulmões, as mãos pressionadas contra meu peito.
Isso dói! Aperto meu peito com tanta força que chega a machucar. Por favor para... Lágrimas escorriam pingando no longo tapete vermelho.
Com dificuldade, dirijo meu olhar para meus amigos. Mateus permanecia caído, enquanto tinha dificuldade para respirar, sua expressão de dor, o mesmo servia para Lucas. O João permanecia na nossa frente, eu via suas costas e seus ombros tremendo incessantemente.
"E-eu... quero... respostas", sua voz trêmula e falha ressoam pelo salão. "Se 'ele'... é o herói... que seu reino precisa, p-porque NÓS estamos aqui?!"
"Vocês vieram para auxiliar o herói em sua jornada, é óbvio", eu não sabia dizer se ela estava falando sério, seu tom parecia quase um deboche, como se ela tivesse ensaiado de antemão e João parecia ter notado pela forma como ele abaixou a cabeça.
"Mais duas... perguntas," de cabeça baixa, eu mal conseguia ouvir sua voz. "Onde estamos e... quem você é?"
"Vocês estão no Reino de Lunafall", a ficha caiu, eu ria na minha própria mente, risadas de desespero e angústia enquanto lágrimas escorriam, realmente não era uma pegadinha... "E eu sou a princesa herdeira desse reino, Diana Lunafall."
Todos pareciam ter entendido, o que já alguns já suspeitavam se concretizou como realidade. Nós não estávamos na Terra. Um lugar desconhecido, princesa, reino, era muita informação para eu entender de uma vez. Tudo já indicava isso, pessoas de armadura e manto branco, as varinhas e cajados em suas mãos.
A pressão que antes nos impedia de respirar, aos poucos foi se cessando. Eu puxo de uma vez o máximo de ar que meu pulmão pode suportar, como se estivesse prendendo o fôlego abaixo d'água e finalmente emergisse na superfície.
Vidrado na princesa, seu olhar de descaso mirava fixamente na gente, fixamente em mim. Porque eu...? Eu ainda me questionava. Eu já havia entendido que não era para eles terem vindo comigo, eles apenas deram azar, todos eles. Eu deixo escapar um suspiro seguido de uma risada abafada.
João olhava para o chão fixamente, não sei se por conta do choque de realidade ou por ter suas perguntas respondidas.
"HA HA HA HA HA HA!" me assustando e surpreendendo todos nós, João ri histericamente, sua voz tremia e falhava em meio as risadas e soluços.
Seus punhos golpeavam o chão com violência, amassando o tapete a cada impacto. Lágrimas caiam e pingavam. Eu queria consolá-lo, mas eu não podia, ele estava aqui por minha causa, por minha culpa ele estava passando por tudo isso. Não só ele, mas Lucas e Mateus também. Eu cerro meus punhos, os nós dos meus dedos ficando brancos, mordendo minha língua, um gosto metálico impregna minha boca.
"Herói, peço que você me siga", sua postura esbelta segue passando por mim, ao nosso lado. "Para os demais, os guardas irão guiá-los para seus aposentos."
Todos me olham. Parecia que eu vestia uma roupa feita inteiramente de chumbo. Eu abro a boca para me desculpar com eles, mas as palavras ficam presas na garganta. Seus olhares fixos em mim.
Eu estou realmente triste por eles terem vindo comigo? Não... eu me sinto aliviado, aliviado por não estar sozinho neste mundo. Me virando de costas para eles, sem nem ao menos olhar em seus olhos, fico de pé. Eu me odeio por me sentir aliviado, em meio a um sorriso de nervoso, eu vou até a princesa.
Ela me esperava na frente de uma grande porta dupla de madeira, que parecia ter mais de 3 metros de altura, todo seu entalhe era algo de se admirar, desenho de uma coruja em cada uma das portas, os olhos brilhando em azul davam um contraste com sua cor de mogno.
Minha garganta permanece seca, nem mesmo engolindo minha própria saliva parecia resolver. De entreolho eu vejo diversas pessoas vestindo armaduras se aproximando dos três. Me desculpem... Penso para mim mesmo, se serve como forma de consolo.
Ela abre a grande porta, revelando um grande e sinuoso corredor que parece se bifurcar mais à frente, "Vamos".
Soldados portando lanças permanecem estacionados no decorrer do corredor e pessoas caminhavam, nem sequer me importei de olhar para elas. Todos se curvam no momento que a princesa aparece, meu corpo rígido, sigo ela poucos passos atrás.
Seus passos delicados mal fazem som no chão de mármore. Um silêncio constrangedor se instaura além dos cochichos das várias pessoas que passeavam por aqui. Eu tenho várias perguntas para fazer, eu quero perguntar, mas tenho medo. Eu não sei para onde estou indo, se eu sequer tenho escolha para onde ir aqui. Posso muito bem estar sendo guiado para uma sala de tortura e nem saber.
De qualquer forma, que escolha eu tenho... se ela quisesse me matar, ela já poderia ter feito. Minha mão inquieta, eu aperto meus dedos entrelaçados até os nós ficarem brancos.
Diversos quadros de uma pessoa barbada segurando um cajado enfeitam o corredor. Minutos que mais parecem horas seguem passando, minha perna já cansada. A frente, ela parecia despreocupada, seu vestido revelava um decote em sua nuca. Por um momento eu fito o decote, meu olhar vidrado em sua pele branca intocada. Eu deixo escapar um suspiro.
Nem uma palavra esse tempo todo, minha boca coçava para perguntar coisas como: "Para onde estou indo?", "Porque eu sou o herói?", "Porque seu reino precisa de mim?", mas não acho que ela se daria o trabalho de responder qualquer uma delas.
Distraído, eu bato nas costas dela com meu corpo por causa de sua parada repentina, dando um passo a trás, observo o motivo da pausa brusca. Uma outra porta, desta vez mais simples que a anterior, mas ainda assim exuberante.
Com a mão já na porta, "Chegamos, é aqui que seu primeiro passo será dado na sua jornada", abrindo a porta, um feixe de luz irradia na minha cara, me impedindo de enxergar por um momento.
Cobrindo meus olhos com a mão até me acostumar com o sol na minha cara, eu olhava sem reação para o que estava a minha frente, ainda com a visão turva por causa da luz. A princesa toma a dianteira, fazendo um sinal para eu segui-la, e relutantemente eu faço.
PONTO DE VISTA DE JOÃO RIBEIRO
Eu balanço meu braço, me soltando do aperto deles. "Eu não preciso de ajuda para levantar, sei muito bem fazer isso sozinho", cuspo os olhando com raiva.
Eu bufo, ainda fervendo de raiva por causa de tudo o que está acontecendo. Lucas e Mateus acabam de serem levantados, nossos olhares se encontram. Estalo minha língua e fito os soldados.
O mais baixo deles se vira e começa a caminhar em direção a mesma porta pela qual Mario e a princesa foram, "Iremos guiá-los a seus respectivos aposentos. Peço que me sigam".
E que outra opção nós temos? Olho para os dois que permaneciam de pé sem saber o que fazer, com nossa única escolha sendo seguir a pessoa de armadura.
"É muita coisa para processar...", a voz do Mateus soa baixa ao meu lado, um tom pesado nela me faz refletir.
"Sim, quem diria né", o que parece uma risada escapa da boca de Lucas, seu olhar vidrado no chão enquanto seguíamos o soldado.
Caminhando pelo corredor, poucas pessoas passavam por nós, algumas vestindo roupas que se assemelhavam a empregados. Já outros, apenas pela vestimenta eu poderia dizer que eram nobres, roupas abobadadas, cheias de adornos e seus narizes empinados.
Eu pego meu maço de cigarro e encaro ele por um tempo, apenas um cigarro restante, várias memórias vêm a minha mente. Talvez eu apenas devesse aceitar isso como minha nova vida? Reflito antes de pegar um cigarro e o acender com meu isqueiro.
Dou uma tragada forte e sopro para o lado a fumaça.
"Vai nem oferecer?" O mais alto, seu cabelo loiro bagunçado, pergunta me olhando de lado, sua mão estendida.
"Este foi o último", dou uma balançada no maço de cabeça para baixo indicando que acabou. "Deveria ter pedido antes."
Ele dá um suspiro obviamente falso, o que me tira um sorriso de canto sincero. "Que pena, pelo visto vou ficar sem fumar", ele dá de ombro e dá um sorriso para mim.
Às vezes eu queria saber como ele faz para ficar tranquilo assim, nossa vida mudou de ponta cabeça e ele parece estar tranquilo com tudo isso. Ele parecia estar cochichando algo com Mateus, não que eu estivesse curioso, mas ele ficou cabisbaixo depois. Fiz uma anotação mental para perguntar mais tarde o que Lucas tinha cochichado.
O tempo passa tranquilamente, meu cigarro já estava perto de terminar. Lucas permanecia em silêncio estudando o corredor que passávamos, eu nem liguei. Do que ficar vendo quadros e mais quadros da mesma pessoa velha iria ajudar em algo? Mateus pelo contrário parecia nervoso, suas mãos se mexiam sem parar uma com a outra e de tempo em tempo ele olhava para o lado.
Meu cigarro acaba, o restante eu jogo no chão e piso. Meus dois amigos me olham, mas eu dou de ombros, não me importando.
Ainda não havia compreendido o quão grande esse lugar realmente era, foram pelo menos 5 minutos de caminhada pelos corredores até chegarmos em um lugar sem saída.
Os guardas param. Na nossa frente, entreaberta, uma porta de madeira rústica, bem bonita para meus padrões, mas levando em consideração o tanto que andamos, nós estávamos em um lugar mais afastado do castelo.
Eu olho para o lado, meus amigos me olhando também. Voltando minha atenção para os soldados.
"Estes serão seus aposentos durante sua estadia aqui no castelo", o mais alto fala, seus olhos castanhos nos encarando pela fresta do seu elmo, o olhar nem um pouco amigável.
Mais nada nem menos, nenhuma outra instrução, fomos apenas largados aqui. Os três soldados se afastam, sem nem ao menos olhar para trás, afinal, porque eles iriam se dar ao trabalho de qualquer forma? Nós somos apenas intrusos neste mundo.
Um minuto constrangedor de puro silêncio se passa.
"Pelo visto é isso", eu falo, a cabeça doendo um pouco depois tudo, ela latejava e eu podia sentir minha pálpebra ficando pesada.
Tomo a dianteira, e coloco a mão na maçaneta da porta me preparando para abrir. Me viro para trás, uma última olhada para meus amigos antes de entrar no quarto. O de olhos verde acena com a cabeça e Mateus faz o mesmo.
Inspiro fundo... e abro a porta, "Mas que...", eu fico sem palavras.
O que eu pensava ser apenas um simples quarto se mostrou um cômodo de luxo, com camas de sobra para nós três, um lustre similar ao que iluminava o salão do trono, as pedras azuis nele iluminavam um pouco a sala. A janela aberta deixava entrar uma brisa que balançava suas cortinas brancas como a neve.
Estantes cheias de livro e um tapete de algum animal da fauna própria desse mundo cobria o chão de mármore liso. Virando meu corpo para trás, noto que ambos tinham reações similares, surpresa e admiração.
Voltando minha atenção para o quarto, dou meu primeiro passo com a perna direita, e vou em direção a uma das várias camas. Meu corpo pesado, a mente exausta, eu me jogo no colchão. Como se algo me puxasse, nunca em minha vida deitei em nada tão confortável.
"Você mal chegou e vai dormir?" Ouço a voz do Lucas me perturbando enquanto ouço seus passos e o do Mateus adentrando o quarto e a porta se fechando.
"Depois de tudo que passamos, preciso urgente de um cochilo", brinco com ele me virando de barriga para cima observando o teto.
Um teto que não é o da minha casa, uma cama que não é a minha e um mundo que não é a Terra. É difícil de aceitar, mas eu tenho. Pensamentos da minha família invadem minha cabeça... me desligo do mundo por um tempo, deixando o cansaço ganhar.
As vozes do Lucas e do Mateus vão ficando cada vez mais baixas, cada vez mais distantes. Eu solto um bocejo. Colocando o braço na frente dos meus olhos tampando minha visão, eu durmo.