Na cidade de Raven, onde os prédios antigos se amontoam como peças desgastadas de um quebra-cabeça, há um bairro que todos conhecem como "Espectro". Não porque seja sombrio ou perigoso, mas porque é onde Miguel Ashcroft e sua gangue, "Os Espectros", estabeleceram seu domínio. Diferente do que o nome pode sugerir, eles não são apenas uma gangue qualquer — são os guardiões de seu território. Sob a liderança de Miguel, o bairro é um lugar onde as pessoas caminham com tranquilidade e as ruas, ainda que marcadas pelo tempo, têm uma energia de segurança rara em Raven.
Miguel, um jovem negro de 18 anos, carrega nos olhos um peso que poucos entendem. Desde que perdeu os pais em um acidente de carro há quatro anos, ele aprendeu a se virar sozinho. O acidente foi brutal, deixando marcas profundas em sua mente e um vazio que nenhuma amizade, nenhum feito, conseguiu preencher. Mas Miguel não se permitiu desmoronar. Em vez disso, usou sua dor como combustível para construir algo maior. E foi assim que nasceu "Os Espectros".
A gangue, formada por jovens como ele — órfãos, marginalizados, esquecidos pela sociedade —, tomou para si a responsabilidade de proteger o bairro. Eles não toleram tráfico de drogas, extorsões ou qualquer tipo de crime que coloque os moradores em risco. Para muitos, Miguel e seus amigos são mais confiáveis do que a própria polícia. Mas nem sempre foi assim.
No começo, Miguel precisou lutar para ganhar respeito. Ele não era o mais forte fisicamente, mas sua inteligência, carisma e uma determinação inabalável o colocaram à frente. Aos poucos, conquistou aliados e formou um grupo leal. Entre eles estão Sam, um estrategista nato que cresceu roubando para sobreviver; Ellie, uma lutadora habilidosa com um passado que ela raramente menciona; e Lucas, o mais jovem, um garoto que Miguel resgatou das ruas e que agora o idolatra como um irmão mais velho. Juntos, eles mantêm a ordem no bairro, enfrentando qualquer ameaça que apareça.
Mas nem tudo é tão simples. Desde o acidente, Miguel tem visto coisas que não consegue explicar. No início, eram apenas sombras no canto de sua visão, movimentos rápidos que desapareciam assim que ele olhava diretamente. Ele sempre atribuiu isso ao trauma ou à sua imaginação fértil. Porém, com o tempo, essas visões se tornaram mais frequentes e mais nítidas. Ele começou a ver formas humanoides, translúcidas, observando-o das esquinas ou refletidas em janelas. Algumas vezes, ouvia sussurros, vozes distantes chamando seu nome. Era como se algo estivesse sempre à espreita, mas Miguel nunca falou sobre isso com ninguém. Ele tem medo de que, se o fizer, parecerá louco.
Naquela noite, Miguel está sentado no telhado de um dos prédios mais altos do bairro, um lugar onde ele costuma ir para pensar. De lá, ele pode ver as luzes de Raven espalhando-se como uma constelação urbana. O vento frio corta seu rosto, mas ele não se importa. Seus pensamentos estão em outro lugar, voltando ao acidente. Ele lembra do som do metal retorcendo, dos gritos de sua mãe, do silêncio que se seguiu. E então, como sempre acontece, ele lembra da figura que viu no vidro quebrado do carro naquela noite — um homem de aparência estranhamente familiar, com olhos brilhantes e um sorriso cruel. Miguel nunca conseguiu entender se aquilo foi real ou apenas sua mente tentando processar o trauma.
De repente, ele sente uma presença atrás de si. Virando-se rapidamente, encontra Ellie, que sobe no telhado com a mesma agilidade que demonstra nas lutas.
— Pensei que te encontraria aqui — diz ela, sentando-se ao seu lado. — O que está pegando?
— Nada demais — responde Miguel, desviando o olhar. Ele sempre foi bom em esconder suas emoções, mas Ellie o conhece bem demais para ser enganada.
— Você está com aquela cara de quem viu um fantasma de novo.
Miguel não responde. Apenas dá de ombros e fixa os olhos nas luzes da cidade. Ellie suspira e, depois de alguns segundos de silêncio, decide mudar de assunto.
— Sam disse que a gente precisa falar com os caras da Rua C. Parece que estão pensando em começar a vender... coisas que não queremos por aqui.
Miguel franze a testa. Ele odeia quando novos grupos tentam invadir o território com atividades ilegais. Não porque isso ameaça sua posição, mas porque coloca em risco a vida das pessoas que ele jurou proteger.
— A gente vai resolver isso amanhã — ele diz, com a voz firme. — Quero todo mundo lá.
Ellie assente, mas permanece ao lado dele por mais alguns minutos antes de descer, deixando-o sozinho novamente. Miguel volta a olhar para o horizonte, mas sua mente está inquieta. Ele sente que algo está mudando, que o mundo ao seu redor está se transformando de uma maneira que ele ainda não consegue entender.
Mais tarde, Miguel desce do telhado e caminha pelas ruas do bairro. É tarde da noite, mas ele conhece cada beco, cada sombra, como a palma de sua mão. As pessoas o cumprimentam enquanto ele passa — um aceno de cabeça aqui, um sorriso ali. Ele é mais do que um líder; ele é um símbolo de esperança para aquelas pessoas.
No entanto, enquanto caminha, ele percebe algo estranho. As sombras parecem mais escuras do que o normal, quase tangíveis. Ele sente um calafrio subir pela espinha e, por um momento, tem a sensação de estar sendo seguido. Ele para e se vira rapidamente, mas não há nada ali além de um gato que cruza a rua com pressa.
Respirando fundo, ele continua andando, mas agora está alerta. E então, acontece. Ele vê algo — ou alguém — parado no final da rua. É uma figura alta e indistinta, cercada por uma névoa negra que parece se mover como se tivesse vida própria. Miguel pisca, e a figura desaparece, deixando-o parado ali, com o coração acelerado.
"Não pode ser real", ele pensa, esfregando os olhos. Mas, no fundo, ele sabe que é. Desde o acidente, ele sabe que algo está errado com o mundo. Algo que ele está prestes a descobrir.