Desde pequena, Sophie viveu sob a sombra dos espelhos, das sapatilhas e das palavras implacáveis de sua mãe, Helena. Ex-bailarina de prestígio, Helena conhecia os aplausos e a glória que o palco podia oferecer, mas também as exigências cruéis do mundo do balé. E agora, tudo isso parecia estar reservado para Sophie— gostasse ela ou não.
"Você precisa ser perfeita, Sophie. No palco e fora dele", dizia Helena, enquanto avaliava cada movimento, cada linha do corpo da filha. Não era apenas a dança que precisava de correção. Era a postura, o porte físico, o peso. "Esses braços estão muito pesados", "Seu salto não é o bastante", "E essa cintura? Está larga demais." Cada comentário era como uma agulha atravessando a confiança da menina.
Enquanto lutava contra o reflexo no espelho e os padrões inatingíveis que Helena impunha, sophie começava a se perguntar: quem era ela além das expectativas de sua mãe? Cada passo na dança parecia afastá-la de si mesma, e o palco, que deveria ser sua libertação, se tornava uma jaula dourada.
Califórnia, 6:30pm
O despertador de Sophie tocou insistentemente, mas ela só percebeu isso quando o som já havia se transformado em uma sequência de alarmes. Os olhos estavam pesados e ela mal conseguia abri-los, mas, quando olhou para o relógio, o pânico tomou conta.
"Merda! Vou me atrasar de novo!" murmurou, se levantando rapidamente da cama. Desesperada, pulou para o banheiro, tentando se arrumar o mais rápido possível. O espelho refletia a expressão cansada e o peso da noite mal dormida. Era assim todos os dias. A pressão constante de sua mãe a deixava exausta, mas ela sabia que não podia falhar.
Com a mochila já jogada nas costas, Sophie pegou um pedaço de pão e saiu apressada para a rua, nem se dando ao luxo de pegar o ônibus e tendo que correr até a escola. Ao chegar, os corredores estavam movimentados, mas ela ainda conseguiu encontrar um lugar para respirar quando entrou na sala de aula.
Se sentou rapidamente entre seus dois melhores amigos, Rafael e Olívia, os únicos que sempre a apoiavam, mesmo que ela nem sempre soubesse como retribuir. Rafael, com seu sorriso fácil e olhar protetor, e Olívia, sempre otimista, tentavam distraí-la, mas Sophie sentia que algo ainda não estava certo.
"Você parece um zumbi hoje, Sophie", brincou Rafael, jogando um caderno em sua direção. "De novo com a cabeça nas nuvens?"
Sophie deu um sorriso forçado, tentando esconder o cansaço. "É só o sono mesmo, nada demais."
Olívia a olhou com desconfiança. "Você está bem? Não parece... com aquela energia de sempre."
Sophie deu de ombros, mas sabia que seus amigos percebiam quando algo não estava bem. "É só a pressão da minha apresentação se aproximando e, vocês sabem como é."
Rafael assentiu com compreensão.
Olívia deu um tapinha no ombro dela, tentando dar um apoio que ela mesma não sabia se ajudaria. "Ei, vai dar tudo certo. Vamos nos concentrar na escola hoje, ok?"
Sophie forçou um sorriso e assentiu, mas, no fundo, sabia que o peso das expectativas de sua mãe a seguiria o dia todo.
"Você tem aula de dança hoje?" Olívia perguntou, baixa o suficiente para o professor não ouvir.
"Tenho sim, vou direto. A academia mudou de lugar, está mais distante agora."
Logo após a aula, seguimos para um restaurante próximo da escola e ficamos conversando até dar o horário da minha aula de dança. Fui até o banheiro do restaurante e vesti minhas roupas de dança. Quando saí do banheiro e voltei para a mesa, percebi que Rafael me encarava, o que me deixou sem jeito.
"Você fica mais bonita nessas roupas", disse Rafael, e suas bochechas coraram logo em seguida.
"Obrigada", disse e sorri tímida, antes de chamar meu táxi.
Sempre fico sem jeito quando ele me encara dessa forma e me elogia. Lembro dos boatos de que ele gosta de mim.
Me despedi deles com um beijo no rosto e segui para a academia de dança. A academia tinha se mudado para um prédio maior, que era inteiro voltado para a dança. No andar de baixo, havia uma academia de boxe.
Entrei apressada no local, olhando a hora no celular, e acabei esbarrando em um homem grande.
"Desculpa", pedi gentilmente. Percebi que ele ouviu, mas fingiu que não viu.
Pensei, "Homem grosso", ao ver que ele tinha me ignorado.
Ignorei a situação e segui meu caminho, subindo as escadas em direção às salas de dança. Adentrei a sala e recebi um olhar de julgamento de algumas meninas, por conta do atraso.
Minha professora se aproximou e disse: "Boa tarde, Sophie."
"Boa tarde, professora, desculpa o atraso", disse, receosa, pois sabia que ela não gostava de atrasos.
"Tudo bem, Sophie, vou deixar passar desta vez. Venha para a barra se aquecer", ela me advertiu.
Eu apenas concordei com a cabeça
Calcei minhas sapatilhas e me juntei ao grupo. No total, éramos oito meninas. Duas estavam mais próximas de mim, as outras formavam uma panelinha insuportável, mas até então fingiam bem gostar de mim. Tirando a Victoria, que eu conhecia há muito tempo por conta da mãe dela ser próxima da minha, ela era a única da turma com quem era mais difícil de lidar. Era uma garota mimada, que queria que as coisas acontecessem do jeito dela, sempre tentando ser o centro das atenções.
Perdi a noção do tempo de quanto tempo fiquei treinando. Estava ficando após as aulas, pois tenho um teste para uma faculdade renomada de dança e preciso que seja perfeito. Sempre fico após o horário das aulas; em casa, tenho um estúdio perfeito, mas prefiro ficar aqui. Em casa, há grandes chances de ter minha mãe me julgando a todo momento.
Quando percebi que já estava tarde demais, peguei minhas coisas às pressas, minhas mãos tremendo enquanto eu tentava me apressar. Desci as escadas correndo, a ansiedade apertando o peito, e corri em direção à porta. Mas o andar de baixo estava implacavelmente escuro, sem uma alma à vista, só um silêncio pesado que parecia engolir o som dos meus passos.
Tentei abrir a porta principal, mas ela estava trancada. Senti uma onda de pânico subir pela minha espinha.
"Meu Deus, e agora, o que eu vou fazer?" pensei, meu coração acelerado, o ar sumindo dos meus pulmões. Um nó apertado se formou na minha garganta e, por um momento, tudo ao redor parecia girar. O medo me invadiu, gelando minhas veias, e eu não sabia o que fazer. Estava sozinha, presa, e o desespero me consumia.
Do nada, vi uma figura se aproximando em meio à escuridão. Como uma sombra, ele se movia em silêncio, até que, repentinamente, entrou na luz. Sua presença parecia dominá-la, como se ele fosse parte da própria escuridão.
"Você sabia que poderia ter ficado presa aqui?" disse ele, com uma voz rouca e grossa, e meu corpo estremeceu instantaneamente. Aquelas palavras saíram de seus lábios com uma autoridade que me congelou por um segundo.
Agora, olhando melhor, percebi que era o mesmo cara rude de mais cedo. O homem que me ignorou, o homem grosseiro.
"Era só o que me faltava", pensei, meu estômago se revirando de frustração e desconforto. Como se o meu dia não pudesse piorar.
Ele era mais alto do que imaginava. Agora, reparando bem, percebi que ele era incrivelmente bonito. Seus olhos verdes brilhavam na luz fraca, e o cabelo negro contrastava com a pele morena. As tatuagens que cobriam seu corpo pareciam brilhar com os músculos fortes e sarados, resultado dos treinos pesados. Seu rosto estava sério, quase sem expressão, o que me deixava um pouco insegura.
"Eu não sabia que tinha horário para fechar", disse, respondendo rápido, tentando manter a calma.
"Agora você sabe. Nas segundas, ela fecha mais cedo, bailarina." Ele me fitou de cima a baixo com um olhar penetrante, como se fosse me devorar a qualquer momento.
"Para você, é Sophie", respondi, tentando esconder a irritação. Não gostava de quando ele vinha com esses apelidos engraçadinhos, se achando.
"Tá bom, Sof", ele falou, em tom debochado.
"Pare com esses apelidos estúpidos", disse, raivosa, mas tentando manter o controle.
Tentei ignorá-lo, mas o táxi nunca chegava. A sensação de estar sozinha, já tão tarde, começava a me incomodar. Eu não queria ficar na rua àquela hora, então fiquei ali, esperando, com medo. Nesse momento, avistei meu táxi virando a esquina e agradeci mentalmente por finalmente me tirar dali.
Chegando em casa, vi minha mãe com a expressão séria de sempre. Entrei rapidamente na casa, já sabendo que ela não iria me deixar em paz.
"Onde está Sophie?", ela perguntou, sua voz fria e implacável.
"Fiquei treinando até mais tarde", respondi, tentando ser o mais tranquila possível.
"Ótimo. Finalmente fez algo que preste, né, minha filha? Felizmente, você precisa treinar mais." Ela não parava de falar, sua voz cortante como sempre.
Concordei com a cabeça, meio sem jeito, e fui em direção à cozinha. Ela me seguiu, e, antes que eu pudesse pegar um copo de água, ouvi sua voz.
"Você ainda está pensando em comer, Sophie? Já disse, você precisa perder cinco quilos se quiser fazer sucesso como bailarina, como eu. Você já viu bailarina gorda? Na sua idade, eu tinha quase metade do seu peso", ela gritou, exagerando como sempre, com aquela expressão histérica.
"Tudo bem, mãe. Só vim pegar água. Já estou subindo, vou descansar", falei, tentando desviar o assunto e escapar do confronto.
Cheguei no meu quarto e me joguei na cama, finalmente, paz. O silêncio era reconfortante, e o peso do dia parecia se dissipar, mesmo que momentaneamente. Olhei para o celular e vi uma mensagem da minha dupla favorita. Olívia estava falando sobre as fofocas da escola, como sempre, tentando me manter atualizada. Rafael também havia me mandado uma mensagem, perguntando como tinha sido o treino. Respondi devidamente aos dois, tentando ser breve, mas, ao mesmo tempo, não querendo parecer distante. Depois disso, desliguei o celular e me entreguei ao cansaço, sabendo que o dia seguinte me esperava e que essa semana seria longa.
Ao fechar os olhos, os olhos dele surgiram na minha mente, incontroláveis. Aqueles olhos verdes penetrantes.
"Só posso estar louca", pensei, virando de lado, tentando afastar a imagem. Mas, no fundo, eu sabia que não conseguiria. Ele estava ali, de alguma forma, me perseguindo até no silêncio da minha mente.