Os primeiros dias de Lian como bebê foram pouco interessantes, considerando a falta de controle sobre o próprio corpo.
Não tinha muito o que fazer além do básico: comer, dormir, chorar quando precisava ser limpo e, ocasionalmente, se entreter agarrando os dedos de quem chegasse perto. Mas, no fundo, ele sabia que isso era só a ponta do iceberg.
Com a ausência de responsabilidades, sobrava tempo de sobra para pensar. E, para Lian, pensar era um passatempo indispensável.
Ele sabia que crianças aprendiam rápido, então decidiu que usaria aquela fase para absorver o máximo possível. Afinal, aquele era um novo mundo, cheio de coisas que ele ainda não entendia.
O primeiro passo? Observar. Sua nova família parecia humana – pelo menos até onde ele podia ver. Nada de chifres, rabos ou orelhas pontudas.
Seu corpo também não parecia tão diferente de um bebê normal, com direito a pulmões funcionando, batimentos cardíacos constantes e... bem, as "partes" no lugar certo.
Mas o que realmente quebrava o molde era a magia. A magia que a velha parteira usou no dia passado o deixou extremamente curioso. Se ela podia fazer aquilo, talvez ele também tivesse uma aptidão para usar aquilo.
Com isso em mente, Lian estabeleceu prioridades claras. Primeiro, ele precisava aprender a língua daquele mundo. Sem comunicação, não tinha como entender nada.
Segundo, ele precisava descobrir como magia funcionava – ou pelo menos seus fundamentos básicos. Não havia tempo a perder. Se ele crescesse sem dominar aquilo, o que restaria? Uma vida limitada, sem qualquer perspectiva de algo grandioso.
Entre cochilos e mamadas, ele ficava atento às conversas ao redor. Quando sua mãe falava com ele, ele analisava cada som, tentando capturar padrões. "Será que isso significa comida? Ou talvez seja só uma forma de me chamar de fofinho." Era um quebra-cabeça que ele tinha tempo de sobra para resolver.
Lian passou seu primeiro dia no novo mundo quieto na cama, ao lado de sua mãe, enquanto seu pai descansava no quarto dos meninos.
O tempo parecia se arrastar, como se as horas se estivessem esticando, e ele aproveitava cada momento para prestar atenção nas vozes ao seu redor. Cada palavra que era dita, ele escutava com uma curiosidade crescente, tentando entender seus significados, procurar algum padrão nas entonações, nos sons que se repetiam.
Nos momentos em que não estava comendo ou tentando chamar atenção para que trocassem sua fralda de pano encharcada, Lian se dedicava ao que, em sua cabeça, chamava de "suas tentativas heróicas". Ele fazia o possível – e o impossível – para lançar dois feitiços que vira Yana usar: Purificatio Totalis e Manus Invisibilis.
Mas era como tentar regar uma plantação sem ter sequer uma gota de água. Não importava quantas vezes ele gesticulasse ou mentalmente ensaiasse as palavras, o resultado era sempre o mesmo: fracasso total. Ele não sentia nem uma fagulha de poder dentro de si, como se sua magia estivesse presa em algum lugar distante, fora de alcance.
Comparando o que viu com as regras que lembrava dos velhos jogos de RPG, ficou claro que esses feitiços exigiam componentes verbais e gesticulais. Mas... isso não podia ser tudo. Não fazia sentido. Havia algo faltando, algo que ele simplesmente não conseguia entender.
E se fosse mesmo necessário falar para usar magia? Esse pensamento o incomodava mais do que queria admitir. Afinal, ele só seria capaz de articular palavras claras depois de muitos meses – ou até anos. A ideia de esperar tanto tempo era sufocante, um peso que sua mente pequena e ainda em desenvolvimento já sentia.
Depois de mais algumas tentativas frustradas, ele percebeu que a ansiedade estava crescendo. O medo do desconhecido e a incerteza do futuro pareciam maiores a cada minuto. Ele sabia lidar com fracassos – sua vida passada estava cheia deles –, mas algo sobre falhar em acessar sua própria magia era profundamente desanimador.
E, como se isso não fosse ruim o suficiente, havia o lado físico de ser um bebê. Fazer cocô e se molhar sem controle era, sem dúvida, uma das piores partes dessa nova vida. A sensação era péssima, quase desesperadora, e depender do choro para que alguém resolvesse isso o deixava ainda mais irritado. Era humilhante, e ele odiava cada momento.
Mas, felizmente, nem tudo era sofrimento. No meio desse caos, havia um ponto de luz: sua mãe, Lia.
Ela parecia incansável em seu esforço para confortá-lo. Toda vez que ele chorava, ela o pegava nos braços com uma paciência impressionante, embalando-o com um carinho que ele não esperava encontrar. Lia murmurava palavras suaves, como uma canção sem melodia, que ele ainda não entendia, mas que pareciam cheias de calor e amor.
Por mais que Lian carregasse um certo preconceito em relação a mães, fruto de sua vida anterior – memórias de uma figura ausente e indiferente –, ele não podia negar que Lia era diferente. Ela fazia com que ele se sentisse amado, protegido, como se fosse a coisa mais importante do mundo.
Enquanto o dia chegava ao fim, a luz da lareira projetava sombras suaves pelas paredes do pequeno quarto. Lian, exausto de suas tentativas fracassadas e do turbilhão de emoções, refletiu sobre o que havia conseguido.
Zero progresso em magia. Zero progresso em linguagem. Mas, surpreendentemente, algo bom tinha acontecido. Pela primeira vez em muito tempo, ele se sentia verdadeiramente seguro, como se o mundo lá fora pudesse esperar.
E ele também aprendeu algo novo.
Enquanto Lia o acomodava na cama, ela se inclinou suavemente sobre ele, ajeitando o cobertor com um gesto carinhoso. E, com uma ternura imensa, sussurrou um nome em seus ouvidos, que soou doce e acolhedor.
"Christian..."
O som da palavra era simples, mas carregava algo mais profundo, algo que ele não conseguia compreender ainda. Era um nome. Seu novo nome. Um vínculo que ele mal conseguia entender, mas que, de alguma forma, já parecia pertencer a ele.
O segundo dia foi, sem dúvida, uma virada de chave no mundo de Chris.
Ele mal podia acreditar no que estava vendo. Sua mãe, Lia, parecia ter recuperado todas as forças de uma vez só. Acordou cedo, com uma energia que surpreendeu até ela mesma. Ela, que havia acabado de dar à luz, não parecia cansada em nada; pelo contrário, estava cheia de gás, como se o descanso nunca tivesse sido necessário.
Chris observou com curiosidade enquanto Lia se vestia. Sua mãe era jovem, bonita, com os cabelos longos, castanhos e amarrados com um nó simples. Quando ela movia-se pelo quarto, sua presença parecia iluminar o ambiente, com a leveza e graça de alguém acostumado a um trabalho árduo.
Com um sorriso cansado, mas satisfatório, Lia vestiu Chris em um pedaço de pano macio, criando um tipo de cinto improvisado. Ele ficava ali, aconchegado contra ela, como um macaquinho seguro nas costas de sua mãe.
Ao sair do quarto, Lia encontrou Zaira, sua filha mais nova, na cozinha. A menina, com seus oito anos e os cabelos castanhos – quase idênticos aos de Lia, mas com fios mais claros – estava com as mãos sujas de farinha, tentando preparar o café da manhã.
"O que você está fazendo, Zai? Já te falei para não mexer na comida tentando fazer algo que não sabe!" Lia disse com uma voz firme, mas com um tom afetuoso, tentando não acordar Lilia, a irmã mais velha, que ainda dormia no quarto ao lado.
"Eu queria fazer uma surpresa… você parecia tão cansada ontem, mamãe," Zaira respondeu com os olhos arregalados, preocupada com a possível bronca.
"Sinceramente..." ela suspirou. "Tá tudo bem, sua pequena diabinha. Vamos, passa isso aqui pra cá," Lia disse, passando a mão pelos cabelos da filha, desarrumando-os.
Lia então se aproximou da lareira e, com um movimento fluido de seus dedos, acendeu o fogo com um gesto preciso.
"Ignis!" Lia sussurrou, e uma chama se acendeu no ar, espalhando uma luz suave que dançava nas paredes e aquecia o ambiente com um toque reconfortante.
"Puta merda, não é possível... magia de fogo!" Chris pensou, atordoado. Um sorriso quase escapou de seus lábios enquanto ele observava o espetáculo.
Era algo completamente novo, diferente da magia que ele tinha visto Yana conjurar antes.
"Querida, abre a janela pra mim?," Lia disse com um sorriso, enquanto Zaira obedecia, correndo para abrir as cortinas remendadas.
Lia retirou vários legumes de uma pequena estufa. Sobre a mesa de madeira, começou a picá-los. Entre os vegetais, Chris reconheceu alguns, como tomates e pepinos, mas eles tinham cores e texturas diferentes. Outros, porém, ele não fazia ideia do que era.
Lia terminou de cortar tudo e despejou os pedaços no pequeno caldeirão de cobre. Logo depois, pendurou-o sobre o fogo usando um gancho de ferro. Em seguida, com um simples estalar de dedos, conjurou água diretamente no caldeirão, enchendo-o com precisão.
Chris ficou imóvel, os olhos brilhando. "Ela... conjurou água sem esforço!" pensou, empolgado. A visão de sua mãe manipulando os elementos com naturalidade reacendeu nele uma esperança. Talvez ele pudesse dominar a magia antes do que imaginava, sem depender de palavras ou gestos complicados.
Zaira, por outro lado, estava maravilhada, os olhos brilhando com uma mistura de orgulho e entusiasmo. "Uau, você é incrível, mamãe!" exclamou, batendo palmas. "Um dia, vou ser tão boa quanto você, pode acreditar!"
Lia sorriu com ternura, seu olhar afetuoso preenchendo a cozinha com um calor reconfortante. "Claro que vai, claro que vai. Mas lembre-se, leva tempo, prática... e muitos pratos de legumes," completou com um tom brincalhão, arrancando risadas da pequena.
Logo, o cheiro do ensopado começou a se espalhar, chamando o resto da família como um feitiço invisível.
Tomy, seu pai, foi o primeiro a aparecer, esfregando os olhos sonolentos, seguido por Lilia e Willy, o irmão mais novo.
Por último, Caliste, o mais velho, surgiu com sua típica expressão carrancuda, mas preferiu ficar em silêncio enquanto todos se reuniam à mesa.
Durante a refeição, Chris manteve-se atento a cada movimento, especialmente ao ver seu pai enchendo os copos de barro vazios com um simples: "Aqua!"
Ele não sabia por que, mas ouvir aquele comando mágico fazia seu coração acelerar. Era como encaixar mais uma peça no vasto quebra-cabeça que se desenrolava diante dele.
Após o café, a todos da casa retomaram sua rotina habitual. Lia, contudo, permaneceu próxima de Chris, carregando-o com cuidado enquanto começava as tarefas do dia. Aninhado em uma espécie de rede improvisada, ele observava tudo ao redor, absorvendo cada detalhe.
Com um simples gestos e a palavra "Vortices!", Lilia invocou pequenas correntes de ar que começaram a circular pela casa, levando o pó acumulado para fora.
Para Chris, era como assistir a um espetáculo de magia diária, onde cada ato, por mais simples que fosse, parecia extraordinário.
Ele também notou algo curioso. Enquanto Lia e os outros usavam magia com frequência, Lilia permanecia alheia a qualquer feitiço. Isso despertou sua curiosidade. Por que ela não conjurava nada? Seria incapacidade ou uma escolha deliberada? Bom, ele guardou a dúvida para si, certo de que descobriria com o tempo.
Quando chegou a hora de dormir, Chris estava tomado por uma ansiedade insuportável para experimentar magia. Ele passou tanto tempo esperando por esse momento, em que suas pequenas mãos e pés estariam finalmente livres para tentar algo novo.
Lia caiu no sono quase imediatamente, mas Chris permaneceu desperto, sentindo que cada minuto se arrastava como horas. A empolgação o impedia de fechar os olhos.
Depois de ponderar durante todo o dia, decidiu começar com magia de vento.
Parecia a escolha mais segura para um iniciante, já que o fogo era arriscado demais, a água poderia acordar sua mãe, e ele não conseguia encontrar qualquer resquício de terra para manipular no escuro do quarto.
Com determinação, ele girou o bracinho e murmurou: "Uuh...". Nada aconteceu.
Chris repetiu a tentativa inúmeras vezes, mas o resultado foi sempre o mesmo: silêncio e frustração. Ele começou a duvidar se seu pequeno corpo de bebê conseguiria resistir ao cansaço por muito tempo.
Decidiu, então, pausar os esforços e refletir.
A magia era algo natural naquele mundo. Sempre que ouvia uma palavra mágica elemental pela primeira vez, sentia algo dentro de si se conectar, como se criasse um elo com aquela energia. Era um sinal promissor, mas que só tornava suas falhas ainda mais frustrantes.
Ele sabia que não deveria esperar sucesso imediato, mas imaginava que ao menos conseguiria um pequeno sinal: uma leve brisa, um sussurro do vento, qualquer demonstração de magia. Porém, até agora, nada.
Então ele lembrou da sensação da magia que Yana usara para limpá-lo. Era algo pulsante, como uma energia viva. Ele não sabia exatamente como descrever, mas parecia uma conexão que se formava e, ao mesmo tempo, escapava de seu alcance. Essa lembrança trouxe uma nova esperança – talvez o segredo estivesse nessa sensação.
Chris inspirou profundamente, deixando o ar entrar em seus pulmões e, ao soltá-lo, sentiu a tensão desaparecer pouco a pouco.
Permitiu que uma calma serena tomasse conta de si, como se estivesse se conectando a algo maior, algo invisível ao redor dele. Dessa vez, não repetiu palavras ou gestos à toa; concentrou-se na ideia de que a magia não era apenas algo externo, mas algo que já fazia parte dele.
Com cuidado, estendeu a mão e pensou internamente:
"Só um pouco... apenas o suficiente, por favor!."
De repente, ele percebeu que o ar ao seu redor parecia diferente. Não era apenas estático; era como se algo nele estivesse vivo, respondendo à sua vontade. Ele estendeu o braço, dessa vez com um gesto mais suave:"Vamos lá... tem que ter algo!".
Houve um leve tremor no ar. Primeiro quase imperceptível, mas então... uma brisa tímida percorreu os fios de cabelo de Chris, fazendo-os balançar. Era tão fraco que poderia passar despercebido, mas ele soube naquele instante: ele fez aquilo, ele finalmente tinha feito aquilo.
Seus olhos se abriram de repente, brilhando de surpresa e alegria. Uma risada escapou de seus lábios, um som estranho e engasgado, típico de um bebê, mas que para ele soava como música.
Ele riu como nunca havia em séculos, mas logo parou, cobrindo-se de cuidado. Não podia arriscar acordar Lia ou Tomy, temendo que interpretassem sua felicidade como algum tipo de infarto ou algo do tipo.
Não foi muito. Apenas uma pequena brisa. Mas era suficiente.
Chris olhou para a pequena mão estendida à sua frente, um sorriso suave iluminando seu rosto.
"Eu fiz. Finalmente, eu fiz."