Os olhos fixos na tumba à sua frente, o medo no semblante dos seus companheiros, o uivo do vento batendo em seus rostos e a infindável neblina espessa de cor acinzentada, cobrindo seus pés, deixavam um tom de voz ecoando no silêncio de paz antes da tempestade que se aproximava.
O cavaleiro destemido, com o capuz enegrecido sobre sua cabeça, fazia com que todos temessem a expressão na face do portador da lâmina de Coldbreath, seu nome: Kelvisk. Um nome que seria conhecido eternamente pelas eras, levando em seu grande significado as grandiosas obras feitas por suas mãos.
O desejo insano de mudar o seu destino era a sua marca de persistência na vida. Boa parte dos que estavam ali presentes sabia que não foi nada fácil chegar até aquele momento, mas agora era crucial a atenção de todos a respeito do sacrifício de alguns.
A guerra era iminente; se assim fosse, então não restava muito resquício de esperança de vencer no final daquele dia. Mas a forte e intensa vontade de lutar era notória na rigidez de suas sobrancelhas, um aspecto perceptível para os que admiravam tal breve acontecimento.
Quando Halayna retirou a lâmina dos espíritos lentamente da bainha, todos pararam o que estavam fazendo, fixando a dúvida na portadora daquela que seria a possível realidade de sobrevivência a todos.
Ao sentir a emanação das ondas de energia esvaindo da mesma, a jovem de dezenove anos podia pressentir o peso da responsabilidade que teria em mãos. Logo, sua determinação seria colocada em teste, e sua disposição seria provada diante de todos os combatentes daquela histórica e implacável guerra.
Agora, a decisão de alguns adormecidos iria mudar o destino de todos.
— Preparada? — questionou, tocando o braço de Halayna, pegando de sua mão a espada e observando com temor. — Sabia que, quando você está pensativa, não consegue piscar nenhum momento?
Com um manejo nos lábios, ela destaca seu agradável contentamento em saber do detalhe imperceptível de sua pessoa.
— Você sempre está bisbilhotando os outros. Sabia que é uma mania que a maioria não consegue controlar? Não deveria partir de você, já que é tão centrado consigo mesmo… — diz, retrucando o que ouviu da parte dele.
— Humpf! Não precisa responder minha primeira pergunta depois dessa resposta… está mais do que preparada.
— Kelvisk? Estamos prontos. — diz Vilkus, retirando os braceletes de Halayna e entregando-os a Kelvisk.
— Afastem-se, por favor. Preciso de espaço para o que vou fazer… — concentrando-se no poder da espada, ele vislumbra a capacidade total que aquela lâmina era capaz de liberar através de si mesma, por meio dos espíritos. — NO ÚLTIMO DIA! RENASÇA LUZIA! OS DISCÍPULOS VIVIAM… DO DESTINO QUE CRIA… OS MORTOS DORMIAM, MAS RESSURGIAM! SE CADA UM ABATIA, E ACORDANDO AGORA, PARA A VIDA NOTÓRIA… DESPERTEM JÁ! PARA O PROPÓSITO PASSAR!!!
— Que medo! — diz Vilkus, se arrepiando todo.
A locomoção da esfera energética da arma era tão estrondosa que o terreno começou a tremer ao redor. Todo o templo balançou, a folhagem das árvores ali presentes se agitou, os pássaros saíram voando em uma algazarra e a força do impacto derrubou todos de joelhos diante da majestosa luminosidade da essência dos espíritos.
— Sarah! Hayaki! Reylta! Heigor! Acordem!!! — diz Kelvisk, com um olhar sério para as tumbas abertas.
— Ora, ora… não é que esse dia chegou. — diz Heigor, levantando-se primeiro que os outros, enxergando o faro de cada um com seu nariz apurado e ouvidos aguçados, um mestre da caça e o único Lycan existente nas terras de Lunizs.
— Heigor?! Me chamo Kelvisk! Preciso da sua ajuda com uma guerra que está para emergir nas poucas horas que se passam neste instante. A Sanja e o Edward estão comigo nessa. Você vem?
— Uma guerra? De qual lado você está?
— Sou do lado de Coldbreath!
— Então pode contar comigo, cavalheiro!
— Nós não! — diz Hayaki, estando em pé ao lado de Kelvisk, com sua irmã Reylta o olhando com braveza.
— Não trabalhamos mais para o Coldbreath! Ele é um tirano sem noção! Um traste sem coração que precisa continuar enterrado onde quer que ele esteja! — fala Reylta, com suor escorrendo de seu rosto belo e encantador.
— Coldbreath não está entre nós. Apenas quero que saibam que estou do lado que deve governar, e não aquele que se opõe ao reinado justo de lei e ordem! — completa o portador da lâmina de Coldbreath.
— Quem é o seu opositor? Estêvão?! — indaga Sarah, indignada.
— Meu filho está do nosso lado. Ele não tem motivos para se opor à revolta. Quem deve ser destronado é o Arkadius! — com rispidez, Sanja declara sua posição e a de seu amado.
— Não me façam perder a cabeça por causa de um fedelho sobrenatural. Quem ele pensa que é para ir contra todos os discípulos de Coldbreath?! Apenas o próprio Coldbreath seria páreo para nos enfrentar todos juntos de uma única vez… — expressa Sarah com grosseria, sem aceitar que exista tal pessoa para causar uma situação como a atual diante de seus magníficos olhos de cor intensa. — O que esse Arkadius tem que exija a presença de todos vocês aqui?
— Ele tem todas as relíquias em sua posse. Além de ser um mago, ele tem a lâmina de Coldbreath… — respondeu Kelvisk, com temeridade e gentileza.
— E daí? Se ele não tiver todas as relíquias em mãos, não será todo poderoso! — com um leve sorriso nos lábios, quase imperceptível, ela cruza os braços.
— Oh, moça! Você não escutou o que o Kelvisk disse. O Arkadius já tem todas as relíquias em mãos. — Vilkus, envergonhado e intimidado pela jovem de beleza esbelta, tenta defender a dama de aparência elegante.
— Eu sou a portadora do cajado! Criadora e mestra de todas as feiticeiras e feiticeiros que existem! Rainha dos feitiços e a espadachim mais hábil das terras de Lunizs! Quem entregou o meu cajado a esse reles Arkadius não sabe que eu posso tomá-lo de volta a qualquer momento que eu desejar… pois o cajado foi criado para mim, a primeira e única feiticeira de mana infinita!
— Eu não disse? A Sarah gosta de se exibir. Não suporto essa garota. E nunca vou suportar… — conta Edward, com deboche.
— Que foi, vampirinho que tem medo da noite? A sua mãe não te contou uma boa história pra você dormir? Não enche a minha cabeça com os seus comentários vazios de beleza. Você apenas usa a sua velocidade, por isso não pensa antes de agir! — com voz autoritária e um tom grosso, Sarah expressa sua repugnância em relação a Edward, mas com uma calmaria invejável.
— Calma, jovenzinha de cabelos arrumados! Não trate o coitado do Edward dessa maneira. Seja mais gentil com os seus companheiros de sociedade! — diz Sanja, contrariando a calmaria de Sarah e invejando seu majestoso cabelo longo de cor escura intensa.
— Sanja, até você não deveria se igualar ao plebeu do Edward. Ele demonstra uma pose de ser da realeza, mas jamais se tornará um. A única coisa que admiro em você é a sua capacidade de refletir e de astúcia. Não me faça perder a pouca admiração que tenho por você.
— Oh! Sarah?! Chama logo o seu cajado e vamos enfrentar o Arkadius. — entediado com o rumo da conversa, Vilkus interrompe a confusão entre os membros da sociedade sobrenatural.
— Cale-se, lobisomem de classe alta! Seu mestre pode tê-lo criado como da primeira linhagem, mas lhe falta conhecimento sobre administração. Se eu chamar o meu cajado agora, o Arkadius terá tempo para se preparar para nos enfrentar. Mas se eu tomar o cajado dele na hora do confronto, ele ficará sem ideias para refletir. Captou?
— Ela tem razão, Vilkus… — diz Kelvisk, mordendo os lábios como se aprovasse a sabedoria de Sarah em suas palavras.
— Gostei dela. Se parece muito comigo, não se deixa ser afrontada por qualquer um… também não levo desaforo pra casa. — fala Halayna, com a sobrancelha levantada, admirando Sarah dos pés à cabeça.
— É meio desconfortável ouvir isso de você, sabia?
— Não comenta, Kelvisk. Vai ser melhor pra você.
A discussão estava ficando acirrada, e quando todos estavam cada vez mais nervosos, Sarah decidiu romper com o conflito desnecessário.
— Ei, vocês! Creio que não nos despertaram para a gente discutir. Pediram a nossa ajuda nessa guerra. Por acaso vocês já têm um plano de ataque para colocar em prática?
— Precisamos que cada um de vocês, discípulos, reúna seus melhores guerreiros para a batalha sangrenta que ocorrerá. — diz Kelvisk, apreensivo.
— Isso não será difícil. Só não sabemos quanto tempo temos à nossa disposição para termos alguma vantagem, se é que existe essa possibilidade a nosso favor. — conta Heigor, analisando a situação e pensando em algumas coisas.
— Thalassa e Nerissa cuidarão do deslocamento de vocês através dos portais. Quando todos estiverem posicionados e prontos, vamos entrar em contato através das bolas de cristal. — conclui Kelvisk, confiante.
— Nos vemos em breve então. Espero que possamos ter alguma boa vantagem a nosso favor, já que a Sarah pegará o cajado. Assim não será extremamente difícil derrotar esse patife Arkadius! — despede-se Heigor, com um sorriso no rosto e esperança nos olhos.
A partir de agora, era responsabilidade de cada um dos discípulos convencer seus subordinados antigos a se unirem na grande batalha que haveria de acontecer.
Alguns provavelmente não pensariam duas vezes em aceitar o convite, enquanto outros, mais conservadores, iriam retrucar a situação e questionar o convite feito. Mas não estamos tratando de simples sobrenaturais, mas sim dos primeiros sobrenaturais existentes nas terras de Lunizs.