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Chapter 4 - "The Young Disciple Destined"

O Pó das Ruas e as Estrelas no Céu. Era apenas isso que me atraía neste mundo — Xue Chongzi.

Os dias em Qingshui eram sempre iguais. Começavam antes do nascer do sol, quando o ar ainda carregava um frio cortante, e terminavam com o som das cigarras anunciando o cair da noite. A vila, esquecida até mesmo pelos deuses, repousava nas margens de um rio lamacento, cercada por montanhas que se erguiam como muralhas naturais. Para os moradores, o mundo não se estendia além dessas montanhas. E para Xue Chongzi, o mundo era um espaço ainda menor: os becos poeirentos, o mercado barulhento e a cabana decrépita que ele chamava de lar.

Xue Chongzi era um belíssimo jovem magro, de ombros curvados, um corpo formado pelo trabalho árduo nas montanhas, pele marcada pelo sol e olhos que carregavam uma luz que ninguém parecia notar. Não era brilho de esperança, mas algo mais teimoso — uma determinação quase cruel de continuar, mesmo quando tudo o empurrava para o abismo. Com seus dezoito anos, ele já havia experimentado mais miséria do que muitos poderiam suportar em uma vida inteira.

A vila Qingshui não era gentil com os fracos, e Xue Chongzi, sem talento para cultivo e sem herança familiar, era o mais fraco de todos. Enquanto os jovens das famílias mais abastadas treinavam nas artes do cultivo, cultivando seus dantians com energia espiritual retirada das montanhas, Xue Chongzi carregava sacos de arroz do mercado para as mansões que nunca o acolheriam. Ele trabalhava de sol a sol, varrendo ruas, limpando estábulos e ocasionalmente aceitando tarefas mais humilhantes para ganhar as poucas moedas que mal cobriam suas refeições.

Ele sempre acordava antes do amanhecer. Quando os primeiros raios de luz tocavam as montanhas distantes, Xue Chongzi já estava de pé, recolhendo água do poço ou cortando lenha para a senhora An, uma viúva amarga que comandava sua pequena propriedade com punho de ferro. Seu dia seguia com tarefas que nunca terminavam: ajudar os pescadores a consertar redes, carregar barris para o armazém local, ou, em dias particularmente ruins, lidar com os animais do comerciante Zhou, que parecia gostar de vê-lo coberto de lama e sujeira.

Apesar de tudo, Xue Chongzi nunca reclamava. Ele trabalhava em silêncio, movido por uma força que ninguém entendia, nem mesmo ele. Talvez fosse o hábito, talvez fosse teimosia, ou talvez fosse algo mais profundo — um desejo inconfessável de provar que, mesmo sem talento, ele merecia estar vivo.

A vila não era apenas cruel para Xue Chongzi. Era um lugar duro para todos, um lugar onde os fortes prosperavam e os fracos eram esquecidos. As famílias cultivadoras que dominavam Qingshui controlavam as melhores terras, os melhores recursos e, o mais importante, os melhores mestres. Seus filhos usavam túnicas impecáveis e praticavam sob os olhares atentos de professores que conheciam os segredos do cultivo. Eles caminhavam pela vila com o nariz empinado, ignorando completamente aqueles como Xue Chongzi.

Para ele, a vida era um ciclo interminável de servidão e desprezo. Ele não podia contar as vezes que fora empurrado, insultado ou simplesmente ignorado. Mas isso nunca o quebrava. À noite, depois de longas horas de trabalho, ele se sentava do lado de fora de sua cabana, olhando para as estrelas enquanto comia o que restava de sua magra refeição.

Nesses momentos, Xue Chongzi permitia-se sonhar. Não com glória ou imortalidade — essas coisas pareciam absurdamente distantes. Ele sonhava com coisas simples: um dia em que não precisasse se preocupar com a próxima refeição, um lugar onde pudesse dormir sem medo de que a chuva escorresse pelo teto, uma chance de ser algo mais do que uma sombra na vila.

Havia algo profundamente humano nele, algo que o tornava diferente. Xue Chongzi não era um herói nem um mártir. Ele era apenas um jovem lutando para sobreviver, encontrando pequenas alegrias em meio ao caos: o som das folhas ao vento, o brilho do rio ao entardecer, ou a risada de uma criança no mercado.

Mas havia dias em que até mesmo ele quase desistia. Nos momentos mais sombrios, quando a exaustão e o desespero o esmagavam, Xue Chongzi se perguntava por que continuava. Não havia respostas fáceis, apenas a sensação persistente de que ele ainda tinha algo a fazer, algo a descobrir.

O destino não olhava para ele com gentileza, mas Xue Chongzi olhava para o destino com desafio. Ele não tinha talentos, não tinha aliados e certamente não tinha sorte. Mas ele tinha algo que ninguém podia tirar: sua própria força, sua própria vontade.

E enquanto a vila Qingshui continuava a tratá-lo como pó, Xue Chongzi permanecia. Sempre presente, sempre teimoso, sempre esperando pelo dia em que as estrelas, tão distantes e inatingíveis, finalmente o notassem.

A manhã em Qingshui era um espetáculo silencioso. O céu, tingido de tons suaves de cinza e laranja, prometia um dia de calor abafado e trabalho interminável. O orvalho ainda pairava nas folhas das árvores, e o som do rio serpenteando pela vila preenchia o ar como uma melodia antiga, familiar e ignorada. Para Xue Chongzi, era apenas mais uma manhã.

Com um cesto de vime pendurado nas costas e um facão embainhado em sua cintura, ele caminhava pelo caminho estreito que levava ao rio. Seu destino era a velha canoa do senhor Luo Haoran, o pescador mais experiente de Qingshui. Apesar de ser conhecido por sua língua afiada e temperamento difícil, Luo confiava em Chongzi como poucos.

"Você é inútil para o cultivo, mas sabe segurar uma rede e reparar um barco como ninguém," dissera o velho certa vez, com um meio sorriso que não era exatamente um elogio, mas também não era uma crítica completa.

Xue Chongzi aceitou a declaração como fazia com tudo na vida: com um aceno de cabeça e um silêncio resiliente. Ele sabia que Luo Haoran, como muitos na vila, desprezava sua incapacidade de cultivar, mas ainda assim valorizava suas habilidades práticas. Não era muito, mas era o suficiente para sobreviver.

Os passos de Chongzi eram firmes e calculados, mas seu coração, como sempre, estava inquieto. Ele era esperto, e isso não passava despercebido por ninguém. Desde pequeno, demonstrava uma habilidade natural para aprender coisas simples e complexas: carpintaria, pesca, conserto de ferramentas, até mesmo a leitura dos céus para prever o tempo. E, ainda assim, o mundo do cultivo permanecia para ele um enigma intransponível.

O Caminho do Qi era algo que parecia tão natural para outros quanto respirar, mas para ele, era como tentar agarrar o vento com as mãos. Meditar? Seu Qi não fluía. Visualizar os meridianos? Sempre um vazio escuro onde deveria haver um brilho pulsante. Os outros jovens da vila falavam de como sentiam a energia espiritual das montanhas e do rio, como uma corrente quente percorrendo seus corpos. Para Xue Chongzi, havia apenas silêncio.

Seu fracasso era uma sombra constante, especialmente considerando quem ele era. Filho de grandes cultivadores. Esse título o precedia como uma maldição. Seus pais, renomados pela bravura e habilidade no cultivo, haviam sido heróis locais. Combatendo cultivadores demoníacos em uma batalha há mais de uma década, desapareceram sem deixar rastros, nem mesmo corpos. O vilarejo os reverenciava como lendas, mas olhava para Chongzi com um misto de pena e desprezo.

"Como pode ser filho deles e não ter sequer uma faísca de talento?" Essa era a pergunta não dita que pairava sobre ele onde quer que fosse.

No entanto, Xue Chongzi tinha algo que poucos notavam: uma força de vontade inabalável. Ele podia não compreender os mistérios do cultivo, mas era hábil em compreender o mundo físico. Suas mãos calosas e olhos atentos o tornaram um recurso indispensável para muitos. Quando não estava pescando com Luo Haoran, era chamado para reparar telhados, entalhar madeira ou até mesmo ajudar com problemas mecânicos simples.

— Ah, você chegou, Xiao Chongzi! — gritou Luo Haoran, de pé ao lado de sua canoa maltratada. O velho vestia roupas gastas, mas mantinha um porte firme que desmentia sua idade avançada.

— Cheguei, tio Luo. Onde vamos hoje? — perguntou Chongzi, jogando o cesto ao chão.

— Hoje vamos mais fundo no rio. As redes não têm dado sorte aqui perto. E você — o velho apontou com o dedo enrugado, — precisa consertar o mastro da minha canoa antes de partirmos. Está rachado.

Xue Chongzi assentiu e começou a trabalhar. Suas mãos se moviam com rapidez e precisão, uma habilidade que ele atribuía não a talento, mas a necessidade. Enquanto trabalhava, sua mente vagava. Ele pensava na ironia de sua situação. Cultivar era um caminho para transcender o comum, alcançar o eterno. E, no entanto, ele estava preso à terra, incapaz de sequer tocar a energia espiritual que permeava o mundo.

O sol já estava alto quando Xue Chongzi ajustou a rede sobre o pequeno barco, enquanto Luo Haoran ajeitava o remo com precisão experiente. O rio próximo a Qingshui corria tranquilo, refletindo o céu azul como um espelho quebrado apenas pelas ondulações ocasionais dos remos. O som da água era um sussurro constante, misturado ao canto distante de pássaros e ao coaxar de sapos nas margens.

— Você vai deixar a rede frouxa desse jeito? — a voz rouca de Luo cortou o silêncio, um tanto impaciente.

— Eu sei o que estou fazendo, velho Luo — respondeu Chongzi, amarrando a corda com cuidado.

— É o que você sempre diz, garoto. Mas, veja só, se a rede escapar, você vai pular na água gelada para buscá-la, não eu.

Xue Chongzi esboçou um sorriso cansado. Era uma conversa repetida tantas vezes que já havia perdido o peso de qualquer irritação. Luo Haoran tinha o hábito de reclamar de tudo, mas havia algo paternal em sua maneira de fazer isso, algo que, de certa forma, Chongzi até apreciava. E o próprio velho Luo também, e via aquele jovem como seu próprio neto.

Eles lançaram a rede juntos, com um movimento fluido que falava de prática e rotina. A rede abriu-se no ar como um leque antes de mergulhar na água, desaparecendo sob a superfície. Chongzi sentou-se na borda do barco, seus olhos fixos no rio enquanto esperavam. Ele escorou os braços na beirada do barco, e se deitou sobre seu ombro, colocando os dedos na água, e fazendo pequenos redemoinhos.

— O que você está pensando? — perguntou Luo, após um longo silêncio.

— Nada — mentiu Chongzi.

— Nada, é? Um garoto da sua idade deveria estar pensando em como melhorar sua vida, não em nada — o velho Luo bufou, como fazia sempre que queria iniciar um sermão. — Se você não pode cultivar, então deveria pensar em aprender algo útil. Quem sabe um dia abrir sua própria oficina?

Xue Chongzi não respondeu imediatamente. Seus olhos estavam no rio, mas sua mente estava longe, no dia em que sua vida quase terminou.

Foi há três anos, numa tarde semelhante, quando Chongzi, ainda em seus dezesseis anos, decidiu explorar as montanhas próximas em busca de madeira rara. Foi um erro. Ele não sabia que aquela área era território de uma besta espiritual chamada Tigre das Sombras Gélidas, uma criatura de olhos vermelhos brilhantes e presas como lâminas de jade.

Sob o céu cinzento, o ar estava pesado com o cheiro de terra molhada e folhas secas quando Xue Chongzi tropeçou no chão irregular da floresta. Suas pernas tremiam, e o suor escorria por sua testa enquanto ele tentava manter distância do Tigre das Sombras Gélidas. A criatura era imensa, com um corpo musculoso coberto de pelagem preta marcada por listras prateadas que brilhavam com uma luz sobrenatural. Seus olhos vermelhos eram como brasas vivas, e cada passo que dava fazia a terra tremer.

Chongzi sabia que sua morte estava próxima. Ele não tinha força, nem habilidades, apenas um corpo pequeno e exausto, incapaz de fugir rápido o suficiente. O rugido do tigre ecoou, fazendo os pássaros fugirem em todas as direções.

E então, como se surgido do próprio vento, um velho homem apareceu. Sua figura era esguia, com uma barba desgrenhada e cabelos amarrados de maneira descuidada. Ele vestia um manto branco simples que, em outro contexto, poderia ter sido confundido com o de um mendigo. Na mão direita segurava um jarro de vinho, e seus passos eram tão leves que sequer deixavam marcas no chão encharcado.

"Jovem, como acabou sendo caçado por um tigre desses?" O velho falou com um tom de zombaria, como se fosse uma piada bem-humorada. "Que espetáculo raro."

O Tigre das Sombras Gélidas não perdeu tempo. Ele saltou em direção ao velho, suas garras enormes brilhando com uma energia negra que parecia cortar até o ar. Mas o homem nem sequer se mexeu. Ele deu um gole no vinho e, com um movimento casual, desviou para o lado.

A velocidade do movimento era incompreensível. Um instante o velho estava lá, no próximo, ele estava a vários passos de distância, deixando o tigre acertar o nada.

"Lento demais," murmurou ele, dando outro gole no vinho.

O tigre rugiu de frustração, girando no ar e atacando novamente com ainda mais ferocidade. Suas garras rasgaram o tronco de uma árvore próxima como se fosse papel, mas, mais uma vez, o velho escapou com facilidade. Ele parecia estar dançando, com seus passos leves como plumas, cada movimento executado com uma graça que fazia parecer que ele brincava com a gravidade.

"Você precisa tentar um pouco mais," zombou o velho, balançando o jarro. "Se eu tivesse uma moeda para cada besta que pensou que poderia me acertar…"

Xue Chongzi assistia, paralisado, sem acreditar no que via. Era como se o velho estivesse se divertindo, provocando o tigre sem nenhum traço de medo ou esforço.

O tigre lançou uma rajada de energia negra de sua boca, uma técnica espiritual mortal que destruiu várias árvores ao redor, criando uma onda de choque que fez Chongzi cair para trás. No entanto, o velho simplesmente levantou a mão livre e traçou um círculo no ar. A energia negra foi absorvida por aquele movimento simples, dissipando-se como fumaça ao vento.

"Patético," disse o velho, agora com um tom de tédio. Ele pousou o jarro no chão com cuidado e estalou os dedos. "Já me cansei de brincar."

Antes que o tigre pudesse reagir, o velho desapareceu. Não havia som, nem sombra de movimento, apenas o vazio onde ele estava.

Então, ele reapareceu acima do tigre, como um fantasma materializado. Com um gesto casual, ele ergueu o dedo e deu um leve peteleco na testa da fera.

O som que se seguiu foi como o estrondo de um trovão. O corpo do tigre foi lançado para trás com uma força avassaladora, quebrando árvores enquanto voava por dezenas de metros antes de cair em um estrondo distante. Um rugido de dor ecoou pela floresta, mas a criatura não retornou.

O velho desceu ao chão, pegou seu jarro de vinho e tomou um longo gole, limpando os lábios com a manga.

"Uma fera dessas não devia sair atacando crianças," murmurou ele, olhando para Xue Chongzi, que ainda estava boquiaberto no chão. "E você, garoto, parece que tem um talento especial para atrair problemas."

Xue Chongzi tentou responder, mas as palavras não saíam. O que ele poderia dizer a um homem que acabara de enfrentar um monstro aterrorizante como se fosse uma mosca?

"Levante-se," ordenou o velho, com seu tom mais sério agora. "Pelo que vejo, você tem uma constituição especial. Um dia, pode até se tornar alguém digno de andar neste mundo de cultivadores. Mas por enquanto, aprenda a sobreviver. Esse é o primeiro passo."

E então, sem esperar por agradecimentos ou perguntas, o velho desapareceu tão rapidamente quanto havia surgido, deixando apenas o som do rio e o canto dos pássaros para preencher o silêncio.

Xue Chongzi ficou ali, olhando para o lugar onde o tigre havia sido derrotado com um peteleco. E, naquele momento, algo dentro dele mudou. Ele não sabia como ou quando, mas jurou para si mesmo que um dia teria o poder de moldar seu próprio destino, assim como o velho havia moldado aquele encontro.

Após alguns meses, o velho reapareceu novamente, desta vez no vilarejo Qingshui. Sem ser convidado, ele se instalou na cabana de Xue Chongzi, passando semanas ali. Trouxera consigo uma espreguiçadeira de madeira, que retirou de seu saco de armazenamento. E assim ficou, sentado, sem dizer uma palavra ou se erguer para fazer qualquer outra coisa. Passaram-se dias, semanas, e ele continuava no mesmo estado, imerso em um silêncio absoluto. Não parecia se importar com o mundo ao seu redor.

Xue Chongzi, ao princípio, tentou ignorar a presença daquele velho enigmático, mas a paciência começou a se esvair com o tempo. A tranquilidade da cabana, que antes parecia acolhedora, agora se tornava insuportável, saturada pela passividade daquele estranho. E então, não aguentando mais, Chongzi decidiu que era hora de enfrentar aquele visitante misterioso.

Com um suspiro de irritação, ele aproximou-se da espreguiçadeira onde o velho se encontrava. O ar em torno deles parecia mais denso, como se até mesmo o vento estivesse retido pela aura peculiar do homem. "Senhor," disse Xue Chongzi, com a voz firme, mas carregada de um cansaço crescente, "já faz tempo que você ocupa minha cabana sem dizer uma única palavra útil. Por que está aqui?"

"Nada mais, nada menos. A água que flui nunca estagna; o coração que busca nunca para de crescer," foi a única coisa que ele ousou dizer.

"Quem é você?" perguntou Chongzi, tremendo.

"Alguém que já teve muitos nomes, mas que não carrega nenhum agora." O velho tomou um longo gole de vinho e olhou para o garoto de cima a baixo. "Você tem um corpo peculiar, sabia? Uma constituição especial. Talvez um dia você consiga cultivar. Espere... Eu acho que já disse isso antes."

Os olhos de Xue Chongzi se iluminaram. "De verdade? Eu posso cultivar?"

"Talvez. Se for esperto o suficiente." O velho riu, mas havia algo sério em seu olhar. "Se o destino permitir, você terá um nome que ressoará em todo o Jianghu. Mas destino é uma coisa caprichosa. Não se envolva muito com ele."

Depois daquele dia, Xue Chongzi não ouviu falar novamente daquele velho. Ele desapareceu de vez, e nunca mais voltou para visitá-lo. Dissera que seu destino o levará para um caso de vida ou morte com um velho amigo do passado. E ele realmente não deu sinais de que Chongzi o veria de novo.

O balançar do barco trouxe Xue Chongzi de volta ao presente. Ele não nunca mencionou sobre esse encontro a ninguém, mas as palavras do velho ecoavam em sua mente sempre que pensava no futuro.

— Tio Luo — disse Chongzi, rompendo o silêncio.

— O que foi agora, garoto?

— Você já viu cultivadores voando sobre espadas?

O velho Luo ergueu uma sobrancelha, surpreso com a pergunta. — Claro que sim. Não é algo que acontece todo dia por aqui, mas já vi alguns passando. Eles não têm nada a ver conosco, gente comum. Por que a pergunta?

Chongzi hesitou, olhando para o céu. — Eu só… acho que deve ser incrível. Voar assim, ser tão poderoso.

Luo Haoran bufou, mas não com desdém. Era mais uma espécie de resignação. — Incrível, talvez. Mas sabe o que mais é incrível? Viver. Respirar. Isso já é difícil o bastante sem toda essa conversa de cultivo.

Antes que Chongzi pudesse responder, um movimento no céu chamou sua atenção. Luzes rápidas, como cometas, cortaram o horizonte. Eles se entreolharam, e o velho Luo murmurou: — Foi só falar... Veja só o que apareceu nos céus — o velho Luo bufou, irritado.

Xue Chongzi ficou boquiaberto enquanto as luzes cruzavam o céu. Abaixo delas, ele conseguiu distinguir a forma de espadas longas, tão brilhantes quanto estrelas. Cada cultivador parecia ser uma entidade divina, movendo-se com graça e velocidade impossíveis. Seu coração bateu mais rápido. Ele queria ser um deles. Não importava quanto tempo levasse ou quantos obstáculos enfrentasse, ele queria aquele poder, aquela liberdade.

— Tio Luo — sussurrou Chongzi, sem tirar os olhos do céu. — Eu vou ser como eles um dia.

O velho pescador não respondeu imediatamente. Ele apenas lançou outro olhar cansado para o garoto e murmurou: — Se for assim, é melhor você começar a trabalhar mais duro.

Enquanto as luzes desapareciam no horizonte, Xue Chongzi fechou as mãos em punhos, e sua determinação cresceu mais forte como uma chama. Ele não sabia como ou quando, mas um dia ele teria um nome entre os cultivadores. Um nome que ninguém esqueceria.

Ao longo do dia, eles lançaram as redes, remendaram buracos e recolheram os frutos do rio. Xue Chongzi era eficiente, movendo-se com a graça de alguém que conhecia cada aspecto de sua tarefa. Mas, por dentro, ele se sentia oco. Não era a primeira vez que ele se perguntava: Por que eu sou assim?

Havia histórias que diziam que aqueles incapazes de cultivar eram almas condenadas, carregando pecados de vidas passadas. Outros acreditavam que eram simplesmente desafortunados, abandonados pelos céus. Chongzi não sabia em qual das duas teorias se encaixava, mas uma coisa era certa: ele estava sozinho.

Quando o dia terminou, Xue Chongzi carregou o cesto de peixe de volta para a vila, seus pés descalços levantando poeira no caminho. Ele estava exausto, mas havia algo em sua postura que desafiava o cansaço. Apesar de tudo, ele não se dobrava. E, no entanto, naquela noite, enquanto olhava para as estrelas, uma sensação nova surgiu em seu peito. Uma inquietação diferente, como se algo estivesse se aproximando. Algo que mudaria para sempre o curso de sua vida.

O mundo do cultivo era vasto, complexo e impiedoso. E Xue Chongzi, mesmo sem saber, estava prestes a entrar nele, não pela porta principal, mas pelas sombras que o cercavam.

A noite estava imensa, o céu repleto de estrelas, como um manto de diamantes espalhados sobre a escuridão profunda. Xue Chongzi permaneceu ali, sentado próximo a janela de seu quarto, os olhos fixos nas constelações que brilhavam com uma clareza rara. A noite em Qingshui tinha algo mágico, algo distante da turbulência do mundo que ele ainda mal compreendia. Ele sentia como se aquelas estrelas fossem, na verdade, tesouros invisíveis, relíquias celestes que, de alguma forma, ofereciam consolo ao seu espírito inquieto.

"Talvez eu devesse ser como elas", pensou, "silencioso, distante, mas ainda assim, fundamental para algo maior."

Era um pensamento solitário, mas que trazia um tipo de paz. Ele estava longe de ser como essas estrelas — um simples jovem que lutava para entender seu próprio corpo. Mas as estrelas... Elas não precisavam provar nada para ninguém. Elas simplesmente eram, radiantes em seu silêncio, distantes, mas eternas. Era assim que ele desejava ser, de alguma forma.

No entanto, uma sensação de frustração se formou em seu peito. Ele nunca soubera por que seu corpo parecia incapaz de liberar o Qi, por que seu cultivo estava estagnado. Ele sentia que havia algo ali, algo nas suas veias, que estava esperando para ser despertado, mas ele não sabia como.

Com os olhos lentamente se fechando, ele sussurrou para si mesmo: "Talvez amanhã... talvez amanhã eu acorde e perceba que tudo isso foi apenas um pesadelo." Mas, antes que ele pudesse adormecer completamente, algo estranho começou a acontecer em seu subconsciente. Um peso insuportável se formou sobre ele, como se a própria noite tivesse se tornado densa e fria, a ponto de esmagá-lo.

A sensação foi instantânea, como se algo tivesse se apossado de seu corpo, tornando impossível se mover ou respirar. Seu coração acelerou, e os olhos se abriram, mas tudo estava em um turbilhão de pressão, como se o universo inteiro estivesse se comprimindo ao redor de sua pele.

Era como se estivesse afundando em um mar profundo, a pressão era imensa. Ele tentou se mover, mas seus músculos estavam pesados demais, suas articulações rígidas, e a sensação de sufocamento não dava trégua. Sua mente tentou compreender o que estava acontecendo. Algo o estava atacando, mas o que? Seria um espírito maligno? Ele pensou em um momento, mas imediatamente descartou a ideia. Em Qingshui, raramente se encontravam tais presenças. Mesmo os cultivadores demoníacos evitavam este lugar isolado.

A pressão sobre Xue Chongzi aumentava a cada segundo. O peso parecia esmagá-lo contra a terra, cada respiração se tornou um esforço doloroso, como se estivesse submerso nas profundezas de um abismo sem fim. Ele mal conseguia abrir os olhos, mas o céu estrelado ainda estava lá, distante e inalcançável, como se estivesse observando tudo de um lugar onde não podia alcançar. Sua mente, nublada pela dor e pela pressão, tentava dar sentido ao que estava acontecendo. Ele sabia que não estava sonhando; isso era real, algo palpável e terrível, uma presença fria e opressiva que o consumia de dentro para fora.

De repente, uma risada. Um som distorcido e diabólico que cortou o ar, fazendo o coração de Xue Chongzi acelerar. Ele tentou mover as mãos, seus dedos tremeram, mas não havia força suficiente. Algo ou alguém estava se aproximando, e logo ele sentiu a presença, como um veneno que se infiltrava em sua pele, friamente avançando para sua alma. Então, ele ouviu suas palavras, sussurradas com um prazer maligno, gelando seus ossos.

— Seu corpo é realmente especial — disse o homem, a voz como o farfalhar de um manto escuro, imbuída com uma ameaça iminente. — Aquele velho não mentiu... ele disse que se Lin Ziyu não tivesse interesse em destruir a Seita Lotus Branco, surgiria alguém com um corpo dourado e traria paz... no início eu não acreditei quando ele quase me matou com um único golpe, mas ele estava certo.

Xue Chongzi queria gritar, mas sua garganta estava seca, sem poder. O que ele estava ouvindo? Lin Ziyu? Lotus Branco? Corpo dourado? As palavras pareciam vagamente familiares, mas sua mente estava em um estado de confusão completa. O que diabos estava acontecendo com ele?

O homem sussurrou mais, sua respiração quente contra o ouvido de Chongzi, como se estivesse se alimentando de seu medo. — Eu vou devorar seu corpo dourado e refiná-lo até que ele se integre ao meu. Todo o seu poder será meu. Imagine só, se um cultivador comum puder cultivar um corpo dourado, ele pode reduzir a cultivação em menos de cem anos e alcançar o Pico do Núcleo Dourado. Eu... quero ultrapassar as barreiras... transcender — a risada que se seguiu era cruel, cheia de malícia e desejo. — E você será minha melhor arma. A mais suculenta e preciosa arma.

Xue Chongzi, com os olhos quase fechados, sentiu o pavor tomar conta de seu ser. Não era apenas o medo da morte, mas uma sensação de desespero, como se estivesse sendo consumido não apenas fisicamente, mas em sua própria essência. O que esse homem queria dele? O que ele significava com "corpo dourado"? Quem era esse tal de Lin Ziyu, e qual era a conexão dele com o Lotus Branco?

Mas antes que ele pudesse organizar seus pensamentos, o peso aumentou ainda mais, e o ar ao redor dele se tornou denso como um breu, incapaz de respirar, incapaz de se mover. O cultivador demoníaco estava se alimentando de sua energia, sugando-o sem piedade. Seu corpo parecia murchar, como uma flor sem água. Não havia mais espaço para dúvidas, ele estava em grande perigo.

Então, como se o universo estivesse conspirando a favor dele, uma memória, uma palavra, uma presença. A lembrança do velho mestre. O homem que, com um simples movimento de dedo, havia derrotado o Tigre das Sombras Gélidas. O velho que, com um sorriso sarcástico, havia dado a Chongzi uma última esperança. Um único fragmento de luz em sua escuridão.

"Ele disse que meu corpo tinha algo especial..."

No momento de desespero, quando sua consciência estava prestes a desaparecer, algo despertou dentro dele. Uma chama interior, algo que ele nunca havia percebido de verdade, mas que sempre esteve ali, como um pequeno núcleo de luz. A energia fluiu para fora, como se o próprio Qi do mundo se curvasse ao seu redor, reagindo à sua necessidade desesperada de sobrevivência.

O corpo dourado... aquela memória, o que ele queria dizer com isso? Era algo que ele tinha, mas não sabia usar? Algo que poderia ser o que esse homem procurava? E mais importante, algo que poderia ser sua única chance de escapar?

No limite de seus sentidos, algo começou a mudar. A pressão ao seu redor diminuiu, como se a maré estivesse se afastando. Sua respiração, que antes era pesada e curta, se normalizou, e os sentidos de Xue Chongzi começaram a se aguçar. Ele sentiu um fio de calor, um leve calor, mas que crescia rapidamente, tomando conta de seu peito e se espalhando pelo resto do corpo. Era como se o próprio céu e a terra o abraçassem, envolvessem em uma força que ele nunca sentira antes.

O homem que o atacava, agora visivelmente agitado, recuou. Algo estava acontecendo. O cultivador demoníaco observava, mas não compreendia o que estava ocorrendo, até que seu sorriso de prazer se transformou em um olhar de desconfiança.

Xue Chongzi abriu os olhos com dificuldade, mas sua visão estava mais clara do que nunca. Ele não sabia o que exatamente estava acontecendo, mas sabia que estava em um ponto de virada. Seu corpo estava queimando com uma energia que não era sua, mas que ele não conseguia controlar. Uma força que pulsava, uma energia dourada dentro dele, que começava a moldar seu destino. A resposta a todas as perguntas que ele tinha sobre seu verdadeiro poder estava à sua frente, e ele não sabia como, mas ele sabia que era a chave para sua sobrevivência, para sua ascensão, para sua liberdade.

O cultivador demoníaco, assustado, deu um passo atrás, tentando reverter a situação, mas já era tarde demais. O campo ao redor de Xue Chongzi começava a brilhar com uma intensidade ofuscante, e uma pressão imensa emanava de seu corpo, algo que sequer os céus poderiam conter.

O corpo de Xue Chongzi ainda estava tremendo, a energia do corpo dourado pulsando como um rio violento, incapaz de ser contida. Ele mal conseguia controlar a intensidade do seu próprio poder, e sentia cada fibra de seu ser se expandindo além dos limites, como se fosse implodir de dentro para fora. Foi nesse momento que ele percebeu que não estava mais sozinho. Uma presença incomum se materializou diante dele.

Desceu do céu um jovem de aparência divina, tão etéreo que parecia um ser criado apenas para os céus. Ele era tão belo que, por um instante, Xue Chongzi se perguntou se havia sido transportado para um mundo paralelo, um lugar onde apenas imortais podiam viver. O jovem exalava uma aura de calma e poder, uma mistura irresistível de serenidade e força.

Ao tocar o chão, a terra tremeu, como se um terremoto de imensa magnitude tivesse ocorrido. Xue Chongzi sentiu a reação do seu corpo, uma sensação única, como se sua energia estivesse em sintonia com aquela força. Seu Qi reagiu ao poder do jovem, reverberando de forma selvagem e incontrolável. A sensação era aterrorizante, mas também profundamente sedutora, como se o poder desse ser estivesse convidando Xue Chongzi a mergulhar em algo além do humano.

— Calma — a voz do jovem soou suave, mas com um tom de comando. — Você deve estabilizar seu Qi agora, ou o desvio de energia irá matá-lo.

Xue Chongzi, sem pensar, tentou seguir as instruções, sentando-se imediatamente na posição de lótus. Seu corpo continuava a tremer, e a energia dentro dele não estava disposta a se aquietar. A pressão que ele sentia, tanto interna quanto externa, fazia com que fosse difícil respirar. Mas ele conseguiu se concentrar, procurando através da confusão interna, tentando amarrar os fios soltos do seu Qi. Sua mente estava repleta de imagens de estrelas, de cosmos, como se o próprio universo o estivesse observando. Ele lutava contra a onda de energia, ciente de que se perdesse o controle, sua própria existência poderia ser apagada.

O cultivador demoníaco, que até então parecia ter o controle da situação, olhou para o jovem com um olhar de terror absoluto. Xue Chongzi sentiu que, de repente, algo no ambiente havia mudado. O medo era palpável. Aquele terrível demônio, antes um ser de grande poder, não era mais a ameaça. Ele estava à mercê do jovem que acabara de aparecer. E estava tão aterrorizado que não conseguia nem mesmo falar direito. Seu olhar estava fixo no jovem, e as palavras que ele proferiu saíram como um sussurro desesperado.

— Lin... Baihan... Li... Lin Ziyu... — ele conseguiu murmurar, antes que o olhar do jovem o fulminasse.

— Wei Cai, você se perdeu no caminho demoníaco — a voz de Ziyu soou alta e imponente. — Se eu não matá-lo agora, minha paciência se esgotará.

Lin Ziyu dirigiu um olhar frio e impiedoso para Wei Cai, que parecia derreter sob aquele olhar como se a luz do próprio sol estivesse o consumindo. Ziyu não fez mais nada além de pronunciar uma única palavra, e foi o suficiente para que Wei Cai se desintegrasse no ar. Seu corpo se desfez como se fosse poeira cósmica, e os gritos dele ecoaram por toda a área, distantes e aterradores. O que restou de Wei Cai foi apenas uma vaga lembrança, um eco que logo se dissiparia.

Xue Chongzi estava completamente atônito. O que acabara de testemunhar não parecia real. O poder daquele jovem imortal era incompreensível para ele. A sensação de ver uma existência inteira se desintegrar tão facilmente o deixou sem palavras, mas ao mesmo tempo, algo dentro dele acendeu, como se uma chama de esperança tivesse sido acesa no seu peito.

Lin Ziyu então voltou sua atenção para Xue Chongzi. Ele observou o jovem com uma calma quase melancólica, como se estivesse profundamente cansado. Quando finalmente falou, sua voz era mansa, quase desvinculada do mundo.

— Isso é bom. Finalmente encontrei quem procurava — disse Lin Ziyu, com um suspiro. — Eu já deveria ter feito isso antes, mas as circunstâncias nunca foram favoráveis.

Xue Chongzi sentiu seu coração disparar. A maneira como o jovem falou lhe causou um calafrio. As palavras, e especialmente o tom, eram tão familiares. Eles o haviam encontrado. Mas... quem? Quem era aquele jovem, e por que parecia tão familiar?

Ele olhou para Lin Ziyu com os olhos arregalados, incapaz de processar completamente as palavras. Então, uma voz se formou dentro de sua mente, um pensamento que parecia se conectar com tudo o que ele sentia, como se uma peça de um quebra-cabeça finalmente tivesse se encaixado. "O velho... A maneira como fala... Será possível?"

Aquela fala, suave e cansada, era idêntica à do mestre que o havia salvo anos atrás. O velho beberrão. Aquele homem estranho que havia o ajudado a escapar da morte. Não poderia ser coincidência. Ele olhou para Lin Ziyu com mais intensidade, tentando encontrar uma explicação.

— Você... é o mestre? — Xue Chongzi perguntou, a voz trêmula, mas com uma clareza crescente. — Você é... o mestre que me salvou há três anos?

Lin Ziyu olhou para ele, e pela primeira vez, um pequeno sorriso se formou em seus lábios. — Ah, então foi assim que aquele velho conheceu esse garoto... — Ele pensou em inúmeras possibilidades e situações constrangedoras em que seu mestre poderia ter se envolvido, mas isso durou apenas por alguns segundos. — Seu Corpo Dourado parece ser um dos motivos pelos quais ele me confiou você como discípulo.

— O que? — Xue Chongzi ficou confuso, mas não conseguiu dizer mais nada além disso. Por ter se distraído por um milésimo de segundo, sua energia interna dominou seu corpo por completo. E tudo o que ouviu antes de desmaiar, foi um suspiro de frustração de Lin Ziyu.

Continua...