Lin Ziyu se recostou contra a moldura da janela, seus olhos vagando pelo jardim congelado à sua frente. O silêncio do lugar era profundo, quase sobrenatural, interrompido apenas pelo ocasional som de gelo rachando sob o peso de flocos de neve acumulados. Este era seu refúgio, um espaço selado por uma formação de matriz que ele mesmo criara, impenetrável para qualquer um que não fosse ele. Em sua quietude, o jardim parecia congelar o tempo, uma metáfora perfeita para o estado atual de sua mente, presa entre decisões difíceis e responsabilidades esmagadoras.
Lin Ziyu esfregou a testa com os dedos, tentando afastar a exaustão mental. Seu novo discípulo, Xue Chongzi, havia chegado até ele em uma situação inesperada, mas o jovem não parecia destinado a ser um desastre ambulante. Ele era promissor e certamente abalaria os céus e a terra. Um desvio de Qi tão grave quanto o que ele sofreu era raramente visto, e mesmo com toda sua experiência em cultivo e medicina, Lin Ziyu se viu impotente diante da situação.
Os métodos convencionais de cura haviam falhado miseravelmente. Elixires refinados por alquimistas renomados da Seita Tianhuan, conhecidos por sua eficácia em estabilizar o fluxo de Qi, foram inúteis. As formações de cura que ele próprio desenhou, utilizando técnicas ancestrais do Pico da Névoa Silenciosa, também não surtiram efeito. Até mesmo as raras pílulas de fortalecimento corporal, refinadas com essências de ervas espirituais colhidas nos picos mais altos do mundo do cultivo, não conseguiram conter a deterioração do núcleo espiritual de Xue Chongzi.
Para piorar, uma tentativa de proteger o núcleo do discípulo havia levado a uma reação catastrófica: o poder latente do corpo do jovem se manifestara em um frenesi incontrolável, quase destruindo sua fundação espiritual. "Se eu usar meu próprio Qi para estabilizá-lo", pensou Lin Ziyu, "isso só agravará a situação. Seu corpo frágil não suportará a força de um cultivador no meu nível. Creio que nenhum cultivador do mundo mortal suportaria."
Desesperado, Lin Ziyu havia improvisado. Ele vasculhou sua coleção de ervas, reunindo plantas espirituais de origem celestial e mortal, misturando-as sem qualquer método específico, apenas guiado por sua intuição. Entre as ervas, estavam a Flor do Lótus Estelar, conhecida por purificar impurezas do núcleo espiritual, e o Ginseng Negro, famoso por revitalizar meridianos danificados. Para completar, ele acrescentou folhas da Árvore das Mil Eternidades, um ingrediente tão raro que sua presença em um reino mortal era quase impossível. Quem era Lin Ziyu afinal? E o que ele vivenciou naquela época quando se perdeu nas regiões do Rio Negro?
Jogando Xue Chongzi em uma banheira improvisada cheia de água infundida com essas ervas, ele ativou uma formação de matriz menor para amplificar os efeitos. Enquanto recitava silenciosamente um cântico de estabilização, Lin Ziyu percebeu que o corpo de Xue Chongzi começou a responder. O Qi caótico começou a se reorganizar em seus meridianos, enquanto o núcleo espiritual rachado se recuperava lentamente.
— Bem — murmurou Lin Ziyu para si mesmo, — parece que meu "Banho de Ervas Divino" funciona. Não vou perder tempo dando a isso um nome mais sofisticado — ele suspirou, aliviado.
Ele riu suavemente, mas o som não alcançou seus olhos, que permaneceram sérios. O que ele havia feito era improvisação pura, algo que jamais ensinaria formalmente a outro cultivador. Ainda assim, a técnica funcionou, e Xue Chongzi sobreviveria — ao menos por enquanto.
Pensando em seus métodos criativos, sua mente voltou para outra técnica que ele havia desenvolvido anos antes: a Técnica da Dominação dos Céus. Criada em meio a uma batalha contra um cultivador demoníaco de nível superior, a técnica era baseada em uma filosofia simples, mas revolucionária: o corpo humano era capaz de se fortalecer indefinidamente através do uso repetido de Qi em situações extremas. Porém, ele nunca revelou essa técnica a ninguém, nem mesmo para Yi Meixue. E mesmo que Tianhuan também tivesse técnicas como essa, a sua certamente as superava milhares de vezes.
A técnica forçava o corpo do praticante a absorver as energias do céu e da terra, transformando-as em uma força interna que aumentava a resiliência física e espiritual. No entanto, o preço era alto: o praticante precisava constantemente desafiar os próprios limites, enfrentando batalhas e situações que testassem sua vida. "Quanto mais usada, mais forte ela se torna," pensou Lin Ziyu. "Mas também é uma faca de dois gumes. Um passo em falso, e o praticante pode perder tudo."
Agora, com a vida de Xue Chongzi temporariamente estabilizada, Lin Ziyu se permitiu um momento de introspecção. Ele fitou o céu cinzento e suspirou profundamente, o vapor de sua respiração se misturando com o ar gelado. O peso da responsabilidade sobre seus ombros parecia mais pesado do que nunca. Não apenas a Seita Tianhuan enfrentava uma pressão constante de facções externas, como a iminente Competição Mundial das Sete Seitas também exigia que ele treinasse discípulos que pudessem representar Tianhuan com dignidade e força.
"Será que eu fiz a escolha certa ao aceitar Xue Chongzi como meu discípulo, mestre?" pensou Lin Ziyu. Ele balançou a cabeça, afastando a dúvida. "Não. Não é uma questão de escolha. Agora que ele está sob minha tutela, farei o que for necessário para moldá-lo em um verdadeiro cultivador."
O som suave de neve caindo o trouxe de volta ao presente. Ele observou a neve acumulando-se lentamente nas flores congeladas do jardim. Por mais belas que fossem, ele sabia que, como cultivador, sua vida jamais seria como aquelas flores: imóveis e intocadas. Cultivadores estavam destinados a enfrentar tempestades, crescer através da adversidade e alcançar alturas que mortais jamais poderiam imaginar. Contudo, Lin Ziyu já havia atingido o pico mais alto, nunca revelando seu verdadeiro potencial. Se o fizesse, tanto o mundo mortal quanto o celestial, não suportariam sua força.
Ele suspirou novamente, mas desta vez, um pequeno sorriso tocou seus lábios. Mesmo que a estrada à frente fosse difícil, Lin Ziyu estava determinado a percorrê-la. Afinal, este era o caminho que ele havia escolhido para viver uma vida longa — o caminho do cultivo.
Lin Ziyu estalou os dedos, um gesto simples, quase displicente, mas que reverberou com um poder profundo. O ar ao seu redor se distorceu por um breve instante, como se a realidade hesitasse sob o comando daquele movimento. Não demorou muito para que uma força imponente, embora curiosamente restrita, se fizesse presente. Ele manteve os olhos fixos no horizonte congelado, ouvindo o leve som do vento cortante que carregava consigo uma presença antiga.
De repente, um rasgo dourado cortou o céu opaco. Como uma chama viva que ousava desafiar as sombras, uma pequena fênix irrompeu das nuvens. Suas asas batiam com força controlada, e seus movimentos deixavam um rastro de calor que fazia a neblina retroceder. Suas penas cintilavam em tons de escarlate e dourado, tão vibrantes que pareciam conter o próprio brilho do sol. Quando a fênix finalmente pousou no ombro de Lin Ziyu, o contraste entre sua majestade flamejante e a serenidade do jovem cultivador tornou-se uma visão de rara harmonia.
— Mestre, o que exatamente você está fazendo? Está mesmo tentando salvar seu discípulo ou pretende preparar uma sopa? — A voz da fênix era aguda e cortante, carregando uma mistura peculiar de sarcasmo e sabedoria.
Lin Ziyu não desviou o olhar do horizonte. Sua expressão permaneceu serena, embora seus olhos brilhassem com uma quieta irritação.
— Xue Chongzi está vivo, não está? — Sua voz era baixa, mas carregava um peso que parecia fazer o ar ao redor dele ficar mais denso. — E quanto ao meu método... funcionou. Isso basta.
A fênix inclinou delicadamente a cabeça, seus olhos brilhantes como rubis cintilando com uma grande sabedoria, e Lin Ziyu detestava quando ela fazia isso. Suas garras reluzentes repousavam com uma suavidade surpreendente sobre o ombro de seu jovem mestre.
— Vivo, sim, mas o preço foi alto, não? Jogá-lo em uma banheira improvisada, abarrotada de ervas raras que sequer existem no reino mortal... — Ela deu um riso leve, mas afiado. — Não é algo que muitos mestres fariam.
Lin Ziyu finalmente virou a cabeça, com movimentos lentos e controlados. Seus olhos, gélidos e impassíveis, encontraram os da pequena criatura. O frio em seu olhar parecia rivalizar com o ar congelante que permeava o jardim ao redor, uma frieza que não refletia desdém, mas uma distância impenetrável, como se nada no mundo fosse capaz de tocar sua verdadeira essência.
— Xiao Wu, poucos mestres conseguem sequer compreender a essência do problema, muito menos resolvê-lo — ele fez uma pausa, como se pesasse as próximas palavras. — Os meridianos de Xue Chongzi estavam selados por um feitiço familiar. Não era algo forte, mas o suficiente para restringir seu potencial. Quando seu Qi despertou naquela noite, foi devido ao extremo estresse emocional. Isso rompeu o selo, mas também causou um desvio severo de Qi.
Xiao Wu piscou lentamente, como se analisasse a explicação de Lin Ziyu.
— Um feitiço familiar, você diz? Interessante. E você acha que quem lançou o feitiço fez isso para protegê-lo? — Xiao Wu perguntou, inclinando levemente a cabeça enquanto uma faísca de curiosidade surgia em seus olhos flamejantes.
Lin Ziyu fechou os olhos por um momento, com sua expressão tornando-se mais sombria.
— É cedo para dizer. Mas algo me diz que não foi uma medida de proteção — sua voz tornou-se mais fria. — Não há altruísmo nas ações de quem manipula um espírito dessa forma.
A fênix permaneceu imóvel, com sua postura altiva irradiando uma dignidade inata. Por alguns instantes, o silêncio entre ela e Lin Ziyu se tornou mais denso. Então, soltou um suspiro — um som baixo e ressonante que, de maneira estranha, parecia carregar o calor de um sopro de fogo, trazendo consigo a sensação de brasas vivas se lançando suavemente no ar.
— E agora? O que pretende fazer com ele?
Lin Ziyu voltou a encarar o jardim, o gelo refletindo sua figura de forma distorcida.
— Agora que os meridianos estão desbloqueados, ele poderá cultivar. Contudo, sua fundação está comprometida. Vou supervisioná-lo pessoalmente até que seu corpo se estabilize. Uma das técnicas que criei deve ajudá-lo a fortalecer sua base com o tempo. Mas a responsabilidade de sobreviver no caminho do cultivo é dele.
Xiao Wu soltou um riso suave, porém, havia uma ponta de melancolia em sua voz.
— Você é implacável, mestre. Não há sequer uma fagulha de compaixão em seu método.
Lin Ziyu lançou um olhar penetrante para a criatura.
— No caminho do cultivo, a compaixão é um luxo que muitos não podem pagar — ele inclinou a cabeça levemente, com um sorriso frio curvando seus lábios. — Se ele sobreviver às adversidades, será mais forte por causa disso. Se não... então nunca deveria ter caminhado por essa estrada.
Xiao Wu balançou as asas, soltando uma pequena chuva de faíscas que desapareceram antes de tocar o chão.
— Talvez seja por isso que A-Xue está sempre fugindo de suas ordens, mestre. Ela busca algo que você nunca ofereceu: liberdade, mas também o seu amor não correspondido.
Lin Ziyu levantou uma sobrancelha.
— Ah, é? E onde ela foi agora?
A fênix deu um pequeno salto, pousando no parapeito próximo, como se quisesse se afastar para observar melhor o mestre. Ou se afastar antes de sofrer uma retaliação que poderia arruinar sua vida para sempre.
— Pelo que ouvi, ela saiu em uma missão com a discípula de Wang Lin. Parece que seu Shixiong está cada vez mais ousado em agir pelas suas costas.
Lin Ziyu permaneceu imóvel, e havia uma intensidade crescente em seus olhos. Algo que o tornava mais misterioso e incomodado.
— Wang Lin... Ele nunca foi de seguir ordens cegamente, mas se isso for útil para o crescimento de A-Xue, então não importa o método que ele use.
— Talvez, mestre, você devesse passar menos tempo se preocupando com o controle e mais tempo entendendo as pessoas ao seu redor. Afinal, o cultivo não é apenas sobre força. É também sobre aqueles que caminham ao seu lado.
Lin Ziyu não respondeu. Ele permaneceu em silêncio, os olhos voltando a se fixar no horizonte distante, onde a neblina pálida do jardim se misturava ao brilho opaco da manhã. Seus pensamentos eram como folhas soltas no vento, espalhando-se em direções incertas, perdendo-se em memórias que o próprio tempo parecia ter tentado apagar.
O jardim estava mergulhado em um silêncio profundo, um vazio quase sufocante, quebrado apenas pelo som melancólico do vento sibilando entre os galhos cobertos de gelo. O som parecia trazer consigo uma sensação de solidão que penetrava até os ossos. Porém, no meio desse silêncio, um leve movimento rompeu a quietude, suave como uma ondulação em um lago calmo. O som foi sutil, quase imperceptível, mas suficiente para puxar a atenção de Lin Ziyu. Sua cabeça girou levemente, e o frio de seu olhar, afiado como a lâmina de uma espada, encontrou a origem do distúrbio.
Dentro da banheira ornamentada de mármore branco, cercada por flores de gelo que pareciam eternas, Xue Chongzi estava parcialmente submerso. A água morna soltava uma leve fumaça, um contraste gritante com o ar gelado ao redor. Os longos cabelos de Xue Chongzi flutuavam na superfície como serpentes negras, e seus olhos semicerrados pareciam pesar de cansaço ou talvez de uma contemplação profunda.
Lin Ziyu manteve o olhar fixo. Não havia nada de óbvio em sua expressão, mas a intensidade que emanava dele era suficiente para transformar o mundo em cinzas. Cada detalhe era absorvido por ele: o brilho suave da água refletindo a luz difusa, o modo como o peito de Xue Chongzi subia e descia de forma ritmada, mas sutil, como se a respiração dele estivesse em perfeita harmonia com o ambiente.
O silêncio entre os dois era mais pesado do que qualquer palavra dita. Era como um fio invisível, tenso, mas ao mesmo tempo impossível de romper. Lin Ziyu não disse nada, mas naquele instante, o peso de sua presença era avassalador, como a nevasca que ameaça cair de repente em um céu aparentemente calmo.
Na superfície da água escura e repleta de ervas, havia uma leve ondulação, como se o próprio Qi no ar ao redor estivesse começando a responder à presença do jovem. O rosto de Xue Chongzi, antes pálido como cera, agora mostrava uma tonalidade saudável, um leve rubor corando suas bochechas. Seus olhos se abriram lentamente, piscando várias vezes, como se ele estivesse retornando de um longo e conturbado sonho. Houve um momento de hesitação, um espaço entre o despertar e a consciência plena, e então ele se esticou, os músculos de seu corpo delgados, mas fortes, estalando levemente enquanto ele se movia. Um suspiro longo e profundo escapou de seus lábios, carregado de alívio.
Xue Chongzi ergueu a cabeça, olhando ao redor. Sua confusão era evidente, e seus olhos se estreitaram enquanto ele tentava assimilar onde estava. O vapor aromático das ervas subia lentamente da banheira, envolvendo-o em um véu translúcido, e a percepção do lugar estranho começou a pesar em sua mente. Então, como um raio, as memórias da noite anterior vieram à tona. Ele se lembrou do Qi descontrolado, do desespero que o consumira enquanto sentia seu próprio corpo se rebelar contra ele. Lembrou-se da dor avassaladora, da sensação de sufocamento enquanto seus meridianos pareciam queimar e se rasgar ao mesmo tempo. Ele se lembrou do rosto de Lin Ziyu, da calma implacável daquele jovem imortal enquanto o liberava de Wei Cai.
Ele se ergueu lentamente, a água escorrendo de seu corpo, os olhos ainda examinando o ambiente, agora com mais clareza. Era uma sala ampla e simples, mas impregnada de uma aura de força e mistério. As paredes pareciam brilhar levemente sob a luz bruxuleante de velas, e o cheiro das ervas no ar era ao mesmo tempo tranquilizante e poderoso. Ele viu Lin Ziyu a alguns passos de distância, a figura imponente do mestre envolta em uma capa de lã negra que contrastava com a brancura quase celestial de sua túnica.
Lin Ziyu percebeu o olhar de Xue Chongzi e se aproximou lentamente. Seu andar era deliberado, e seus passos ecoavam suavemente na sala. Quando chegou ao lado da banheira, ele parou, cruzando os braços atrás das costas e olhando para seu mais novo discípulo com uma expressão séria, mas satisfeita.
— Finalmente acordado — sua voz era baixa, mas envolvida em um tom que exigia atenção. — Como se sente?
Xue Chongzi piscou algumas vezes, ainda se acostumando à realidade de estar vivo e revigorado. Ele tentou organizar as palavras em sua mente, mas tudo o que conseguiu foi um leve gaguejar no início.
— Eu... me sinto... bem — ele respirou fundo, sentindo a energia fluindo em seus meridianos como um rio calmo, mas vigoroso. — Não, mais do que bem. Eu me sinto... inteiro.
Lin Ziyu inclinou levemente a cabeça, e seus olhos fizeram uma longa avaliação de seu discípulo com uma precisão clínica.
— Como deveria — ele gesticulou levemente em direção à banheira. — Aquela mistura de ervas não foi feita para agradar. Foi criada para curar o que nenhum outro método poderia.
Xue Chongzi olhou para a água escura ao seu redor, com um misto de gratidão e curiosidade surgindo em seu rosto.
— O que aconteceu comigo? O que você fez para me salvar, Daozhang?
Lin Ziyu deu um leve suspiro, como se a pergunta fosse tanto esperada quanto desnecessária. É por isso que na maioria das vezes, ele dava desculpas de estar entrando em reclusão para se negar a se envolver com outras pessoas. Ele sempre foi muito distante não gostava de socializar.
— Seu corpo estava à beira de um colapso. Seus meridianos quase estouraram. E quando seu poder começou a despertar, ele rompeu um selo misterioso que o restringia, mas a pressão foi demais para o seu corpo suportar — ele fez uma pausa, com seu olhar sério se aprofundando. — Usei uma técnica improvisada, e mergulhei você nesta mistura de ervas para estabilizar seu Qi e restaurar seus meridianos.
Xue Chongzi parecia confuso, e estava prestes a dizer algo. Mas Lin Ziyu levantou uma mão, interrompendo-o.
— Não se iluda achando que isso foi sorte ou milagre. Seu corpo ainda está frágil, e sua fundação como cultivador foi danificada. A Técnica da Dominação dos Céus que criei pode ajudá-lo a reconstruir sua força, mas isso depende exclusivamente de você.
O jovem engoliu em seco, absorvendo cada palavra daquele homem de beleza celestial. Ele percebeu na mesma hora que Lin Ziyu não parecia ser um homem dado a demonstrações de afeto ou encorajamento, mas mesmo assim, havia algo em suas palavras que fazia Xue Chongzi sentir um estranho senso de segurança. O mesmo que sentiu na presença daquele velho beberrão.
— Obrigado, Daozhang. Darei o meu melhor para tentar recuperar minha estabilidade.
Lin Ziyu soltou uma risada curta, sem humor.
— Seu melhor não será suficiente — ele se virou, caminhando lentamente em direção à porta. — Mas talvez, com o tempo, você possa surpreender até a si mesmo.
A fênix, que até então observava silenciosamente do parapeito, soltou um leve som de deboche.
— Mestre, às vezes penso que você se diverte demais sendo tão severo.
Xue Chongzi ficou em silêncio por um momento, olhando para suas mãos e sentindo o Qi vibrando suavemente em seu corpo. Lin Ziyu lançou um olhar sério para ele, e em seguida disse:
— Você não pretende colocar suas roupas? — seus olhos se fixaram levemente no rosto de Xue Chongzi.
— Huh? — Xue Chongzi olhou para baixo, com o seu olhar demorando um momento para perceber a realidade óbvia, mas constrangedora: estava completamente sem roupas, a água da banheira agora revelando o que antes havia sido escondido. Seus olhos se arregalaram, e num reflexo rápido, ele deu um salto para dentro da água, afundando-se novamente até o pescoço, a pele arrepiada pela fria sensação do ambiente que o rodeava.
— Desculpe... Daozhang — sua voz vacilou, o tom embaraçado se tornando mais claro a cada palavra.
As bochechas de Xue Chongzi, normalmente pálidas como mármore, agora estavam tingidas de um vermelho profundo, como se um fogo invisível tivesse se acendido dentro dele, queimando toda a sua compostura. Ele se encolheu um pouco mais, o corpo tentando se esconder ainda mais nas águas tranquilas, enquanto o rosto expressava a frustração e vergonha que tomaram conta de sua mente.
— Você pode parar de me encarar? — Ele conseguiu dizer, com sua voz soando um pouco mais alta, tentando impor alguma autoridade à situação, embora soubesse que não fazia sentido nenhum. A sensação de vulnerabilidade era esmagadora, e suas palavras, embora firmes, estavam distorcidas pela humilhação.
Os olhos de Lin Ziyu, no entanto, permaneciam imperturbáveis, como se não houvesse nada no mundo que fosse digno de sua atenção além do próprio pensamento. Ele não se mexeu, não esboçou uma reação sequer. O silêncio entre os dois cresceu, pesado e desconcertante.
— Me devolva as minhas roupas... — As palavras saíram mais como um murmúrio, quase inaudíveis, mas a frustração em seu tom ainda era nítida. Xue Chongzi, com a dignidade quase esvaída, tentava manter alguma compostura, mesmo que fosse impossível esconder a profunda sensação de desconforto. Ele nunca havia se sentido tão exposto, tão vulnerável, e a ironia de sua situação — estar ali, à mercê do olhar de Lin Ziyu — não passava despercebida por ele.
— Não seja tão tímido — a voz de Lin Ziyu soou calma, quase desinteressada, um murmúrio de uma brisa suave. Sem esperar qualquer reação, ele fez um movimento sutil com os dedos, e uma energia azulada, luminosa e etérea, surgiu ao redor de sua mão, como um fio invisível de poder.
Com um leve gesto, as roupas de Xue Chongzi, que haviam sido esquecidas em algum canto da sala, começaram a levitar lentamente, deslizando pelo ar com uma leveza quase sobrenatural. O tecido se moveu de forma fluida, até que, com um suave estalo, as vestes caíram sobre Xue Chongzi, que as pegou sem hesitar.
Xue Chongzi rapidamente se vestiu, suas mãos tremendo ligeiramente enquanto tentava recompor a dignidade perdida. Mesmo sob a calma invulnerável de Lin Ziyu, a humilhação não desaparecia facilmente.
— Vista-se rápido, e venha me encontrar lá fora — a ordem foi dada com uma leveza, mas a certeza de Lin Ziyu era absoluta. Não havia espaço para contestação.
O tom, que não deixava margem para discussão, fez Xue Chongzi engolir a frustração e apressar-se, as bochechas ainda coradas de vergonha. Ele não ousou levantar os olhos para Lin Ziyu enquanto se vestia, sentindo o peso da autoridade que emanava dele. Quando terminou, sem mais palavras, se virou em direção à porta, com os passos rápidos e silenciosos, como se desejasse desaparecer na névoa do jardim.
Ao sair da pequena residência, Xue Chongzi deu um leve suspiro, tentando recuperar a compostura enquanto enrolava seus longos cabelos em seu estilo habitual. O movimento fluído de seus dedos indicava uma prática de anos, mas havia uma inquietação em sua expressão que ele não conseguia esconder. Ele assumiu uma postura mais séria, sua face agora marcada pela reflexão, tentando controlar as emoções turbulentas que borbulhavam dentro dele.
Ele não conseguia entender completamente a natureza do jovem diante de si — Lin Ziyu, esse Imortal tão enigmático, tão distante dos cultivadores comuns. O jovem parecia mais com algo além de um simples cultivador, mas Xue Chongzi não conseguia determinar exatamente o quê. Com passos firmes, ele se aproximou de Lin Ziyu, e sua mente ainda estava cheia de perguntas. Sua curiosidade sobre o homem que o salvara, e a estranha sensação de que havia algo mais escondido por trás de sua aparência calma e controlada, o impulsionava a perguntar.
— Onde estamos? Quem é você realmente? — suas palavras estavam carregadas de uma confusão silenciosa, e ele nem se atreveu a olhar diretamente para o jovem enquanto falava.
Sua mente estava presa àquele velho misterioso, e a última coisa que ele queria era ser enganado ou ficar mais perdido do que já estava. Lin Ziyu manteve-se em silêncio por um momento, com a serenidade de sua expressão inabalada.
— Eu sou Lin Ziyu, um cultivador da Seita Tianhuan — ele disse, pausando brevemente antes de continuar. — Quanto ao lugar, estamos em minha residência, situada entre o mundo físico e um subespaço que eu criei. Um lugar à parte, longe da influência do mundo exterior.
Xue Chongzi franziu o cenho, absorvendo tudo da maneira que conseguia, mas a dúvida ainda o consumia. Ele desejava entender mais, algo em Lin Ziyu não se encaixava com o que ele conhecia sobre o mundo marcial. Seus pensamentos foram interrompidos por uma última pergunta, aquela que mais o consumia.
— E o velho? Onde ele está? — a pergunta saiu sem que ele sequer pensasse, o tom de urgência no fundo de sua voz sendo inegável.
Lin Ziyu deu uma leve pausa antes de responder, e seu olhar frio se tornou um pouco mais distante, como se estivesse revivendo uma lembrança que preferiria deixar para trás.
— Meu velho mestre… faleceu há algumas semanas — ele disse, com uma tristeza que, embora contida, não deixava de ser perceptível.
Xue Chongzi ficou paralisado por um instante, e seu coração ficou apertado diante daquela resposta. Ele havia passado apenas alguns momentos com aquele senhor, um homem tão misterioso quanto imponente, mas que se tornara sua única esperança. Agora, saber que ele estava morto, sem sequer ter a chance de aprender mais sobre ele, o fez sentir um vazio que não sabia como preencher.
"Que terrível má sorte..." pensou Xue Chongzi, com a amargura que já havia se espalhado em seu peito. Ele sempre quis ser aceito como discípulo daquele velho, sempre sonhou com a oportunidade de aprender, de crescer sob sua tutela. Mas, agora, aquele sonho estava irremediavelmente partido. O velho se foi, e com ele, qualquer possibilidade de Xue Chongzi seguir esse caminho.
Lin Ziyu, observando a reação de Xue Chongzi, parecia ter entendido a profundidade do impacto que suas palavras causaram. A quietude entre eles aumentou, mas, depois de um momento, ele se virou lentamente para o jovem.
— Como você conheceu meu mestre? — a pergunta surgiu de maneira simples, mas cheia de uma curiosidade sutil.
Xue Chongzi baixou a cabeça, com seus olhos ofuscados pela tristeza. Ele respirou profundamente, tentando reunir as palavras que pudessem transmitir a importância daquele homem em sua vida.
— Ele… ele me salvou quando quase acabei devorado por uma besta — disse, com sua voz embargada, e a lembrança da cena ainda vívida em sua mente. — Eu… eu não sabia de que seita ele era, ou mesmo qual era seu verdadeiro nome. Mas ele me deu uma chance quando todos haviam me abandonado. Eu... — sua voz falhou, e ele se calou por um momento, como se as palavras já não fossem suficientes para expressar o quanto aquele homem significava.
Lin Ziyu permaneceu em silêncio por um momento, os olhos observando o jovem com uma expressão imutável. Então, finalmente, ele falou, cheio de respeito e uma leve sombra de nostalgia.
— O velho… embora parecesse um louco, uma alma perdida que vivia sem se importar com nada, ele era, sem dúvida, o homem mais inteligente e poderoso que já existiu. Acima dele, só eu e o grande mestre Tianlu — a voz de Lin Ziyu foi baixa, mas a gravidade de suas palavras pesou no ar. — O mundo marcial jamais entenderá a verdadeira profundidade dele.
Xue Chongzi ergueu a cabeça, com um misto de admiração e tristeza preenchendo seu olhar. A figura daquele velho, com sua atitude despreocupada e louca, nunca pareceria capaz de carregar tamanha grandiosidade. Agora, com as palavras de Lin Ziyu, ele compreendia que havia perdido mais do que um mentor. Ele havia perdido uma lenda que uma vez abalou o mundo.
Lin Ziyu permaneceu quieto por um momento, o vento suave balançando ligeiramente seus cabelos escuros, seus olhos focados em Xue Chongzi com um semblante calmo, mas carregado de uma gravidade sutil. Depois de algumas respirações profundas, ele finalmente quebrou o silêncio com uma voz suave, porém firme.
— Xue Chongzi — começou Lin Ziyu, sua voz suave como uma brisa tranquila, mas com o poder de uma montanha silenciosa. — Você deseja embarcar no caminho do cultivo? O caminho que transcende os limites do mortal e alcança a imortalidade?
Xue Chongzi olhou para Lin Ziyu com os olhos ardendo de dúvidas e uma sensação de vazio. O peso das perguntas não respondidas, da vida que ele deixara para trás, dos sonhos que ele sempre cultivara desde a infância, parecia finalmente ter encontrado um espaço para se concretizar. Mas o que mais o surpreendeu foi o fato de que Lin Ziyu não era apenas um homem com grande poder, mas um mestre que se preocupava com os caminhos que seus discípulos escolheriam.
— Antes de morrer, meu mestre me disse que eu deveria aceitar um jovem do vilarejo de Qingshui como discípulo. Ao que parece, ele realmente acreditava que um dia você seria capaz de realizar grandes feitos — Lin Ziyu continuou, com seus olhos fixos em Xue Chongzi, como se já soubesse o que se passava na mente do jovem.
Xue Chongzi sentiu o peso das palavras do mestre falecido. Jing Wu Feng era um homem com uma sabedoria e profundidade que transcendiam as fronteiras do cultivo, e que, agora, estava finalmente sendo substituído por Lin Ziyu. Chongzi havia seguido aquele velho por pouco tempo, mas desde o momento em que o havia encontrado até o instante em que o viu desaparecer, o destino o estava conduzindo para outro caminho.
Ele refletiu por um momento, com sua mente agitada por um turbilhão de pensamentos conflitantes. O desejo de seguir os ensinamentos do velho mestre, que o salvara e lhe dera uma nova chance, ainda estava vivo em seu coração, mas o pedido de Lin Ziyu ressoava em seus ouvidos, despertando um novo tipo de esperança.
— Mas... você não é muito jovem para aceitar discípulos? — a pergunta saiu de seus lábios, sem realmente esperar uma resposta. Na sua mente, parecia estranho que alguém tão jovem quanto Lin Ziyu pudesse ser considerado um mestre, um guia para alguém que desejava entender os segredos mais profundos do cultivo.
Lin Ziyu, no entanto, apenas sorriu suavemente, como se as palavras de Xue Chongzi fossem uma provocação despretensiosa, uma dúvida comum que qualquer um teria. Ele não se incomodou com a dúvida do jovem, afinal, ele sabia que o cultivo não se resumia à idade, mas ao entendimento e à prática do Tao, à busca pela perfeição do espírito e do corpo.
— Isso não tem importância — respondeu Lin Ziyu com a mesma calma serena que o caracterizava. — Em toda minha vida, eu aceitei apenas uma discípula. Ela aprendeu tudo o que eu poderia ensinar e, agora, está começando a trilhar seu próprio caminho. Não preciso de mais discípulos, mas, se você aceitar, posso garantir que, em três anos, você ultrapassará o estágio de refinamento de Qi e avançará para o estágio de Formação da Alma. Nesse nível, o cultivador começa a solidificar sua essência espiritual, tornando-se mais forte, mais sábio e mais próximo da verdadeira imortalidade.
A menção do estágio de Formação da Alma fez o coração de Xue Chongzi bater mais forte. Ele tinha um certo conhecimento sobre o mundo do cultivo por causa de seus pais, então certamente estava animado. Chongzi sabia o que aquilo significava: era a primeira verdadeira etapa em direção ao poder imortal, onde as barreiras do corpo humano começavam a se dissipar, e o cultivador se aproximava do estado transcendental, deixando para trás a fragilidade da carne mortal. Para ele, isso não era apenas um objetivo distante; isso representava o poder de reverter a sorte de sua vida, de vingar a queda de seus pais.
Porém, Xue Chongzi ainda estava cético. Como Lin Ziyu poderia prometer algo tão grandioso? Como ele poderia ser capaz de ensinar algo que transcende os limites humanos? Mas, então, ele se lembrou da cena em que Lin Ziyu destruiu o demônio Wei Cai com uma única palavra. Aquela habilidade não era algo que um mero cultivador comum pudesse ter. O poder de Lin Ziyu não era apenas imenso, mas incompreensível.
Lin Ziyu observou os pensamentos de Xue Chongzi passando como uma tempestade silenciosa em sua mente. Ele sabia que o jovem tinha suas dúvidas, seus receios naturais. Não era fácil seguir alguém como ele, um imortal que desafiava as normas do mundo cultivador. Mas Lin Ziyu também sabia que, se ele aceitasse Xue Chongzi como discípulo, seu futuro seria brilhante.
— Então, você está disposto a me seguir? — Lin Ziyu perguntou novamente, seus olhos ainda fixos nos de Xue Chongzi, aguardando a resposta com uma calma imperturbável.
Xue Chongzi olhou para o céu, onde as estrelas começaram a aparecer, e os pensamentos sobre sua vida e os ensinamentos dos seus pais, que pertenciam à agora extinta Seita Yusheng, começaram a se consolidar. Ele lembrava-se das histórias de seu pai, um cultivador de grande renome, e de sua mãe, que sempre o ensinou a ser justo e a buscar a retidão.
Eles haviam sido o centro de toda a Seita Yusheng, uma seita de cultivadores puros, dedicados à filosofia e ao cultivo do Tao. Porém, a Seita Yusheng havia caído, destruída pelos cultivadores demoníacos do Lotus Branco em uma batalha devastadora, especificamente pelas mãos de Huang Wuxin. Essa tragédia havia marcado sua vida, e agora ele via uma nova chance de reconstruir seu destino.
Ele sabia que não poderia mais voltar atrás. Seu caminho no cultivo, seus desejos mais profundos, estavam diante dele. Chongzi não queria mais ser apenas um observador do destino; ele queria ser o arquiteto de sua própria vida, e Lin Ziyu, com sua sabedoria incomparável, era a chave para isso.
Após uma longa pausa, Xue Chongzi se ajoelhou, curvando-se perante Lin Ziyu com uma reverência profunda, um gesto tradicional que demonstrava sua aceitação e devoção.
— O discípulo está disposto a seguir o Shizun — ele disse, com a voz firme e resoluta, mas carregada de um toque de emoção. Ele sabia que estava fazendo a escolha certa, a escolha que, talvez, finalmente lhe permitiria alcançar o que sempre desejou.
Lin Ziyu sorriu com satisfação, um sorriso que refletia a confiança que ele tinha em Xue Chongzi. Ele tinha certeza que, com sua orientação, aquele jovem frágil superaria os obstáculos à sua frente e seguiria para um futuro onde sua verdadeira força se revelaria.
— Muito bem, Xue Chongzi. Que seu caminho seja iluminado pelo Tao — Lin Ziyu disse, com sua voz suave, mas imbuída de uma autoridade natural. O destino de Xue Chongzi, que antes parecia incerto e turvo, agora estava definitivamente entrelaçado com o de Lin Ziyu. — Apenas lembre-se dessas palavras, e ouça com atenção. Você deve entender, que sem um recomeço, não há um fim.
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