"Senhor, nossos satélites captaram algo preocupante: um asteroide em rota de colisão com o planeta."
O tom cauteloso do cientista ecoou pela sala, suas palavras foram cuidadosamente escolhidas para minimizar o impacto, mas seus olhos demonstravam o brilho do medo.
"Quão perigoso estamos falando?" O homem à frente dele, de terno impecável e olhar cansado, cruzou os braços, seus olhos fixos no monitor. "Não vou alertar o governo por qualquer coisa. Eles ainda não engoliram os resultados do último teste"
"Estimamos que o objeto tenha entre dois e três metros de diâmetro, senhor. Sua trajetória indica que cairá no mar, entre os dois continentes principais."
"E a possibilidade de alterar o curso de colisão? Não quero lidar com crises agora."
"Há uma chance, mas seria necessário utilizar os mísseis militares, senhor."
O homem sentado finalmente olhou para o cientista ainda em pé, seus olhos calmos o escaneando. "Se cair no oceano, que tipo de efeito estamos esperando? Alguma chance real de mortes ou algo catastrófico?"
"As simulações indicam que o impacto causará alguns tsunamis nas áreas costeiras. Não será devastador, mas existe a possibilidade de perdas humanas em áreas mais vulneráveis."
"Bom o suficiente pra mim." O homem deu de ombros, voltando a olhar para o monitor. "Prefiro lidar com um tsunami do que com os burocratas do governo me enchendo o saco novamente. Não faça alarde sobre isso. Quando cair, apenas finja que não vimos. Afinal, falhas de equipamentos acontecem."
"Entendido, senhor."
O cientista deixou a sala, seus punhos cerrados tremendo ao lado do corpo. Seus passos ecoaram pelo corredor vazio, pesados, como se carregassem o peso da indignação que ele tentava conter.
"Mas que filho da..." Ele murmurou entre os dentes, o rosto vermelho de frustração. "Prefere aceitar algumas mortes em vez de lidar com o governo... Isso não é uma decisão só dele!"
Ainda fervilhando de raiva, ele se sentou na cadeira diante de sua mesa, o olhar fixo em um ponto indefinido. Após alguns segundos de silêncio, seus olhos brilharam.
"Ei, Charlie. Você ainda tem o número do professor Platz?"
"Claro, trocamos mensagens de vez em quando."
"Ótimo." O cientista inclinou-se para frente, seus dedos apressados escrevendo coordenadas em um pedaço de papel. "Faça o seguinte: envie estas coordenadas para ele. Diga para observar com o telescópio da universidade. Explique que..."
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"E essa foi a entrevista com o professor Platz, da Universidade Federal de Distrus. Conforme explicado, ele identificou ontem um asteroide em rota de colisão com nosso planeta. A previsão é de impacto em dois dias."
A apresentadora da TV olhava para câmera, seu tom profissional contrastando com a gravidade da situação.
"Contatamos o governo e solicitamos informações sobre as medidas a serem tomadas, mas ainda não recebemos respostas. A seguir: Tudo sobre a nova turnê do rapper One Eye!"
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"Não, senhor... nossos sistemas não detectaram o asteroide. Tivemos uma falha no equipamento... Sim, mas... Entendido. Farei os cálculos agora mesmo!"
Desligando o telefone, o homem de terno impecável afundou na cadeira, agora parecendo uma sombra de si mesmo. Seu rosto, antes controlado, exibia agora cansaço, olheiras escuras e os olhos sem vida.
Horas se passaram enquanto ele encarava os dados no monitor. Os gráficos e simulações piscavam na tela, mostrando a verdade inegável:
Era tarde demais.
Lançar os mísseis agora não resolveria o problema. Pelo contrário, só tornaria a situação pior. Se atingissem o asteroide, os fragmentos resultantes se espalhariam por todo o continente, transformando a ameaça em uma chuva de destruição.
"Merda... Por que aquele velho tinha que apontar o telescópio justo naquela direção..." Ele murmurou, a voz carregada com uma mistura de raiva e desespero.
Sua mão hesitou antes de alcançar o telefone. O semblante agora refletia tristeza e resignação. Ele sabia que aquela ligação não seria apenas para relatar os fatos. Seria, provavelmente, o início do fim de sua carreira.
"Senhor... Sim... Finalizei as simulações, temo que..."
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"Nossos homens e mulheres do exército já estão trabalhando arduamente para evacuar as áreas costeiras. Este é um momento em que devemos nos unir, estender a mão aos nossos irmãos e irmãs mais necessitados. Solicito a todos que vivem nas regiões litorâneas do norte do continente que deixem suas casas imediatamente..."
A voz firme do homem de cabelos brancos ecoava pela sala de imprensa, carregada de autoridade e um toque de preocupação calculada. Diante dele, milhares de câmeras piscavam, capturando cada expressão e palavra. Sobre o púlpito, um discurso cuidadosamente preparado repousava, mas ele já não precisava olhar para as palavras.
"Agradeço a todos. Que Deus nos abençoe. Boa noite!"
Assim que concluiu, uma onda de flashes tomou o ambiente, uma enxurrada de luz que acompanhava o som incessante dos cliques das câmeras. Jornalistas aglomeraram-se, gritando perguntas enquanto ele deixava o local sem dar mais explicações.
"Essas foram as palavras do nosso presidente." A âncora do telejornal falava em tom sério, seus olhos fixos na câmera enquanto seu semblante transmitia profissionalismo.
"A partir de amanhã, nossa programação especial trará atualizações constantes sobre o caso, além de reportagens exclusivas sobre a evacuação. E na madrugada do próximo dia, faremos a cobertura ao vivo da entrada do asteroide em nosso planeta."
Ela fez uma pausa breve, ajustando a postura.
"Boa noite."
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"Senhora, acho que essa coisa não veio do nosso sistema solar..." A declaração foi feita em tom cauteloso. Diante dos cientistas, um fragmento do corpo espacial repousava dentro de uma câmara selada, cercado por dispositivos de análise.
"Nunca vi uma composição assim em toda minha vida. Há elementos que não existem na nossa tabela periódica, além de... algo semelhante a uma assinatura biológica!" Um dos pesquisadores comentou, a voz abafada pela máscara que cobria seu rosto.
"Alertem o pessoal do governo e continuem os testes. Quero um relatório completo sobre os potenciais riscos dessa assinatura biológica." A mulher, líder do laboratório, ordenou em tom uniforme, seus olhos analisando cada movimento de sua equipe de jalecos brancos.
"Senhora..." Uma cientista, com olheiras profundas, adiantou-se, a voz trêmula pelo cansaço. "Já notamos que o asteroide alterou parte da flora e fauna marinha na área de impacto. Algumas espécies de algas e corais apresentaram mudanças em suas estruturas moleculares."
"Mas ainda não sabemos se essas alterações são positivas ou negativas. Nem se representam perigo para os humanos. Precisamos de mais tempo para monitorar os ratos expostos ao fragmento."
"Continuem os testes. Podemos estar diante de algo que mudará o destino do mundo como o conhecemos." A líder ergueu a voz, fazendo-a ecoar pelo laboratório subterrâneo. Todos os olhares se voltaram para ela. "E lembrem-se: quem vazar qualquer dado deste lugar será punido com pena capital pelo governo, como traidor da nação!" Seus olhos cortaram o ambiente como lâminas, fixando-se em cada cientista presente.
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Seis meses após a queda do objeto interestelar, as consequências ainda eram visíveis. O tsunami devastou grande parte da costa norte do continente Distrus, deixando um rastro de destruição: centenas de casas foram reduzidas a escombros, milhares de pessoas ficaram desabrigadas, e a reconstrução parecia uma tarefa interminável.
Enquanto isso, em um laboratório subterrâneo de uma base militar, o clima era de euforia. Cientistas riam e trocavam olhares de satisfação. Seus rostos exaustos, porém iluminados, refletiam o sucesso das pesquisas conduzidas com plantas e animais pequenos.
"Senhora, os testes são um sucesso!" Um homem avançou, segurando uma prancheta repleta de anotações. Sua empolgação era evidente na voz. "Os resultados da exposição ao fragmento são sem precedentes! Os ratos demonstraram aumento significativo de força, melhorias na cognição e um acréscimo impressionante na atividade cerebral. E as plantas... bem, elas estão produzindo componentes-chave em quantidades muito superiores ao normal. Suas características foram amplificadas."
Os olhos da líder brilharam por um instante, mas sua expressão permaneceu firme, quase fria.
"Se tudo correr bem e o governo liberar a autorização, poderemos iniciar os testes em humanos muito em breve!" O cientista continuou, sua voz transbordando entusiasmo.
"Creio que estamos diante da evolução definitiva da espécie humana! Este pode ser o nascimento de uma nova era para a civilização!"
Mal sabia ele que suas palavras marcavam o prelúdio do fim.