Depois de derrotarem a criatura, o corredor pareceu mudar. As paredes deixaram de se mover, e uma luz fraca começou a surgir à frente, como uma vela tremulante no meio da escuridão. O grupo avançou, ainda recuperando o fôlego, as marcas em seus pulsos agora mais fracas, como se precisassem de tempo para recarregar.
— Estamos no caminho certo? — perguntou Diego, olhando por cima do ombro. A tensão em sua voz era evidente.
— Não sei mais o que é certo ou errado — respondeu Letícia, com a mão firmemente segurando o símbolo no pulso. — Mas não temos escolha. Precisamos continuar.
Eles caminharam por mais alguns metros até chegarem a uma nova sala, maior que a anterior. No centro, uma estátua grotesca de uma figura encapuzada erguia-se sobre um pedestal, as mãos segurando um livro aberto. Inscrições cobriam as paredes, e um brilho azul emanava do livro na estátua.
Rafael se aproximou lentamente, a respiração pesada. — É outro teste… Tem que ser.
De repente, a sala foi preenchida por uma risada baixa e gutural, como se viesse de todos os lados. O grupo se juntou instintivamente, formando um círculo defensivo.
— Vocês são mais fortes do que os outros… — disse a voz, ecoando pelo ambiente. — Mas ainda não entenderam o preço de carregar a marca.
— Quem é você? — gritou Clara, a voz tremendo. — Por que estamos aqui? O que quer de nós?
A risada cessou, e a voz respondeu, agora mais próxima. — Vocês já sabem. Cada provação que enfrentam os aproxima do limite. Este mundo… esta sombra… ela existe porque vocês a alimentam. Suas culpas, seus medos, suas falhas. Vocês me criaram.
As palavras fizeram o grupo gelar. Rafael olhou para os outros, tentando encontrar alguma explicação. — Isso é mentira. Nós não criamos nada. Encontramos aquele livro. Foi ele que nos trouxe aqui.
— Ah, o livro… — disse a voz, zombeteira. — Ele foi apenas o caminho. Vocês sempre tiveram a marca dentro de si. A escuridão estava esperando para ser libertada.
Letícia deu um passo à frente, os olhos fixos na estátua. — Chega de enigmas. O que você quer?
A voz riu novamente, agora soando diretamente da estátua. — Quero que escolham. Este é o verdadeiro teste: sacrificar… ou ser sacrificado.
As paredes da sala começaram a tremer, e o chão se rachou, revelando um abismo negro que pulsava como se estivesse vivo. Do pedestal, o livro começou a brilhar mais intensamente, e a estátua virou sua cabeça, agora encarando o grupo.
— Apenas um pode abrir a Segunda Porta completamente. Apenas um de vocês será digno de sobreviver. O resto… será consumido.
— Isso é loucura! — gritou Diego, recuando. — Não vamos nos virar uns contra os outros.
— Vocês já fizeram isso antes, mesmo sem perceber… — respondeu a voz, zombando. — Pensem nas decisões que tomaram, nas vezes em que se colocaram acima dos outros. A marca sabe. A escuridão sabe.
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O Dilema
As palavras da entidade lançaram uma sombra ainda maior sobre o grupo. Cada um começou a olhar para os outros, não com desconfiança, mas com medo do que teria que fazer.
— Não vamos seguir o jogo dele — disse Rafael, com firmeza. — Isso é só mais uma provocação. Estamos juntos nisso.
— Mas e se ele estiver falando a verdade? — perguntou Clara, a voz baixa. — E se não pudermos abrir a porta sem um sacrifício?
Letícia olhou para o livro brilhante no pedestal. — Talvez não seja um de nós que precisa ser sacrificado. Talvez haja outra maneira.
Antes que pudessem discutir mais, o chão começou a se desfazer sob os pés deles. O abismo crescia, devorando a sala. O pedestal permanecia intacto, mas tudo ao redor estava desaparecendo.
— Temos que decidir! — gritou Marcos. — Ou todos nós vamos cair!
Rafael correu até o pedestal, tocando o livro. No instante em que seus dedos o encostaram, ele sentiu uma onda de dor atravessar seu corpo, e imagens começaram a inundar sua mente: os amigos gritando, sendo arrastados para a escuridão, enquanto ele permanecia sozinho. A voz voltou, agora dentro de sua cabeça:
— É você, Rafael. Sempre foi você. A liderança, a força, o orgulho… Você pode salvar todos… ou se salvar.
Ele soltou o livro, cambaleando para trás. — Não posso. Não vou escolher.
As rachaduras no chão começaram a se aproximar do grupo, e Letícia gritou. — Se ninguém fizer nada, todos vamos morrer!
Rafael olhou para os outros, o pânico crescendo. Ele sabia que a decisão recaía sobre ele. Então, Clara deu um passo à frente.
— Não… — disse ela, com determinação. — Se é sacrifício que precisa, então que seja o meu.
— Clara, não! — gritou Letícia, correndo para segurá-la, mas Clara afastou sua mão.
— Não temos tempo! Não vou deixar todos morrerem. Talvez… talvez eu consiga vencê-los do outro lado.
Ela correu até o pedestal e colocou as duas mãos no livro. O brilho azul se intensificou, cegando a todos. A sala inteira tremeu, e a voz riu triunfante.
— Tão nobre… tão tola…
A luz se apagou abruptamente, e Clara desapareceu. O chão parou de desmoronar, e o abismo desapareceu, deixando a sala intacta. O grupo ficou em silêncio, tentando processar o que acabara de acontecer.
— Ela… se foi? — perguntou Diego, com a voz embargada.
O livro agora estava fechado, e o símbolo da Segunda Porta brilhava intensamente. A voz falou uma última vez, baixa e ameaçadora.
— A escolha foi feita. A porta está aberta… mas o preço ainda não foi pago por completo.
A porta negra se abriu completamente, revelando um corredor ainda mais escuro que o anterior. Sem opções, o grupo, agora menor, avançou, cada passo mais pesado que o último.