Maia corria pela praia, os pés afundando na areia molhada enquanto o céu se coloria de tons rosados e alaranjados, anunciando o início do entardecer. Ela sentia o vento frio chicotear o rosto e o sal do mar misturar-se ao seu cheiro, inconfundível e acolhedor. Naquele instante, tudo parecia sereno e familiar, como se o mundo ao seu redor fosse um reflexo da paz que havia dentro de si. Com passos leves, ela se aproximou da enseada escondida onde gostava de passar horas, aquele pequeno refúgio só seu.
Assim que chegou, respirou fundo e, ao olhar para o horizonte, sentiu uma pontada de nostalgia. Aquela paisagem de ondas quebrando suavemente nas pedras e pássaros voando rente à água era parte de sua vida desde sempre. Maia sabia que a praia tinha um significado especial para ela, embora nunca tivesse compreendido exatamente o porquê. O barulho do mar, o cheiro da água salgada, a força das marés... tudo parecia despertar nela algo antigo e misterioso, uma espécie de memória distante, como se uma parte dela já tivesse vivido ali em outra época.
Ela tirou os sapatos e se sentou à beira da água, deixando que as ondas molhassem seus pés. Fechou os olhos e se entregou ao som do mar, deixando-se envolver pelo murmúrio suave das ondas. À medida que sua respiração se acalmava, ela sentiu o coração desacelerar e, por um momento, parecia que o próprio oceano pulsava em sincronia com ela.
Era assim desde que se lembrava. Cada vez que se sentia perdida, irritada ou triste, uma ida à praia parecia restaurá-la, renovando-a por dentro. "Eu sou parte disso", pensava ela, deixando escapar um sorriso leve, quase imperceptível. Mas logo descartava esse pensamento como uma simples fantasia.
Ainda absorta em seus devaneios, Maia foi interrompida por um grito animado atrás dela. "Maia! Ei, Maia!"
Ela abriu os olhos, sorrindo ao ver Tomás, seu melhor amigo, correndo em sua direção com o entusiasmo de sempre. Os cabelos cacheados dele, desarrumados pelo vento, balançavam enquanto ele acenava para ela com um sorriso largo e travesso.
"Demorei, mas cheguei!" disse ele, ofegante, jogando-se ao lado dela na areia.
"Você sempre demora," respondeu Maia, brincando. "Acho que seu relógio funciona de um jeito próprio."
"Ah, é a sua enseada secreta! Ela me confunde," disse Tomás, piscando. "Mas eu te achei, não foi?"
Ela revirou os olhos, mas o sorriso traía seu afeto. Tomás era um amigo leal, sempre disposto a acompanhá-la, mesmo em suas aventuras mais estranhas, como passar horas olhando o mar sem falar nada.
"E aí, algum peixe novo por aí?" ele perguntou, tentando fazer graça.
Maia balançou a cabeça. "Não, só o mar... e essa paz."
"Você e o mar, sempre tão inseparáveis," observou Tomás, com uma expressão que misturava curiosidade e admiração. "Já pensou que você é como aquelas pessoas das histórias, que têm um segredo e ainda não descobriram?"
Ela riu, mas algo naquelas palavras reverberou. "Quem sabe," respondeu, com um ar brincalhão. "Mas acho que, se tenho algum segredo, nem eu mesma sei o que é."
Os dois ficaram em silêncio, e Maia percebeu que a conversa havia despertado uma nova inquietação dentro dela. Quantas vezes já não sentira que havia algo adormecido em si, uma voz antiga e profunda que ecoava toda vez que mergulhava no oceano?
Enquanto refletia, começou a chover levemente. As gotas caíam devagar, suaves, quase como um sussurro. Mas logo a chuva aumentou, tornando-se uma tempestade repentina. Tomás se levantou, espantado.
"Vamos, temos que sair daqui!" ele exclamou, olhando para o céu escuro.
Mas Maia não conseguia se mover. Sentia que as gotas de chuva tocavam sua pele como se fossem parte dela, como se ela e a água compartilhassem uma mesma essência. Por um instante, ela fechou os olhos, e em sua mente surgiram imagens desconexas, vagas e distantes. Um oceano escuro, criaturas marinhas que pareciam sussurrar seu nome, uma energia pulsante que parecia querer se manifestar.
"Maia!" gritou Tomás, sacudindo-a. "Vamos!"
Ela piscou, voltando à realidade. "Desculpa, estava... distraída."
Os dois correram de volta para a cidade, encharcados e ofegantes. A tempestade parecia seguir cada passo deles, com trovões e relâmpagos cortando o céu.
Quando chegaram ao abrigo da loja de peixes do pai de Maia, ela notou que ele a olhava com uma expressão estranha.
"Onde vocês estavam com uma tempestade dessas?" ele perguntou, preocupado, enxugando o rosto com um pano. "Achei que vocês soubessem que essas chuvas vêm de repente."
Maia abaixou a cabeça. Ela sabia que as tempestades eram comuns na cidade, mas algo naquela parecia diferente, como se estivesse conectada ao seu humor. Antes que pudesse responder, sentiu uma leve tontura e precisou se apoiar no balcão.
"Está tudo bem, Maia?" perguntou o pai, com uma expressão de preocupação.
Ela tentou sorrir. "Sim, só... acho que a chuva me deixou meio tonta."
"Você tem que ter cuidado, filha," ele murmurou, estendendo uma toalha para ela. "O mar pode ser seu amigo, mas também pode ser traiçoeiro."
Aquelas palavras pareciam carregadas de significado, mas Maia não conseguiu entender completamente. Ela subiu as escadas para seu quarto, sentindo o cansaço tomar conta de si. Deitou-se na cama, com os cabelos ainda molhados, e, antes que percebesse, adormeceu profundamente.
Durante a noite, ela teve um sonho. Estava no fundo do mar, rodeada por uma escuridão serena, quando uma figura surgiu diante dela. Era uma mulher com longos cabelos azulados, que flutuavam como algas na corrente. Seus olhos brilhavam, refletindo o mistério das profundezas, e sua presença emanava uma autoridade suave e acolhedora.
"Maia," chamou a figura, com uma voz que parecia ecoar pelas águas.
Maia tentou responder, mas as palavras não saíam. Ela sentia-se segura, mas uma dúvida tomava conta de seu coração. Quem era essa mulher? Por que ela parecia tão familiar?
A mulher estendeu a mão, e, ao tocá-la, Maia sentiu uma onda de energia correr por seu corpo, uma conexão intensa, que fez seu coração bater mais forte.
"Você não é apenas Maia," disse a mulher. "Você é a guardiã das águas, a essência do mar e das chuvas. Lembre-se, minha filha, você sempre foi parte deste ciclo."
Quando Maia acordou, o sol já estava nascendo, e ela se sentia diferente, como se algo dentro dela tivesse despertado.
O primeiro raio de sol atravessava a janela de Maia quando ela despertou, com o coração ainda acelerado pelo sonho. Tentou afastar as imagens da mulher misteriosa e das profundezas do mar, mas, ao se sentar na cama, um turbilhão de sentimentos tomava conta de sua mente. A sensação de que aquela figura e o sonho traziam algo familiar era tão forte que quase parecia real.
"Foi só um sonho... só um sonho," ela murmurou para si mesma, esfregando os olhos. Mas no fundo sabia que aquilo não era algo que ela pudesse esquecer facilmente.
Maia desceu as escadas para a cozinha, onde seu pai já estava preparando o café da manhã. O cheiro de pão quente e café fresco preenchia o ambiente, criando um contraste confortável com o mistério que ainda pairava sobre seus pensamentos.
"Bom dia, filha," disse ele, com um sorriso caloroso. "Dormiu bem?"
"Mais ou menos," ela respondeu, distraída. "Tive um sonho estranho... com o mar."
O pai de Maia riu levemente enquanto servia uma xícara de café. "Sempre o mar, hein? Não sei de onde veio essa sua fascinação. Eu mesmo prefiro ficar bem longe da água."
Ela deu um leve sorriso, mas a pergunta a incomodava. Nunca soube por que o mar exercia tanta atração sobre ela. "Talvez eu tenha nascido para isso," ela murmurou.
O pai apenas balançou a cabeça, como se achasse a resposta divertida, e foi até o balcão para atender um cliente que acabara de entrar na loja de peixes. Maia se sentou à mesa, perdida em pensamentos enquanto olhava pela janela para o oceano, cintilando ao longe.
Assim que terminou o café, ela decidiu ir para a escola. Enquanto caminhava pela rua, notou que havia uma brisa suave que parecia segui-la, agitando levemente seus cabelos. Sentia-se estranhamente energizada, e cada passo que dava parecia fortalecer a conexão com o sonho. E foi ao passar por uma pequena fonte no caminho que a estranheza a cercou completamente.
Ao chegar perto da fonte, a água, que estava calma, começou a se agitar de maneira incomum. Pequenas ondas surgiram, como se uma corrente oculta estivesse se formando. Maia franziu a testa, observando com atenção. Seria só uma coincidência?
Ela respirou fundo, e a água se acalmou. Olhou ao redor, mas ninguém parecia ter notado. "Está tudo na minha cabeça," sussurrou para si mesma, tentando ignorar a sensação de que algo muito maior estava acontecendo.
Na escola, Maia tentou se concentrar nas aulas, mas a imagem da mulher marinha continuava a assombrá-la. Cada vez que fechava os olhos, ela se via novamente no fundo do mar, sentindo-se envolta em uma calma que contrastava com a inquietação que lhe dominava o peito. Quando tocou o pulso, como fazia quando estava nervosa, sentiu algo diferente – como se houvesse uma energia sutil, mas presente, fluindo por suas veias.
"Maia, está tudo bem?" A voz de Tomás a trouxe de volta à realidade.
Ela piscou, confusa. Estavam no refeitório, e Tomás a observava com uma expressão preocupada. "Você está quieta hoje. Aconteceu alguma coisa?"
Maia olhou para ele e tentou sorrir. "Só estou distraída," respondeu, buscando uma explicação para o que sentia. "Acho que ando pensando demais."
"Ah, vai ver é só o efeito daquelas tempestades malucas de ontem," brincou ele. "A propósito, você viu como o mar ficou agitado de repente?"
Ela assentiu, lembrando-se da tempestade que parecia ter seguido cada emoção sua. "É... como se tivesse sido trazida pelo vento."
Tomás riu, tentando fazer graça. "Você e essas suas teorias doidas. Vamos, deixe de ser misteriosa e venha para o grupo de estudo de hoje à tarde. Precisamos de ajuda para aquela prova de matemática."
Maia hesitou, mas, depois de pensar por um instante, aceitou. Talvez fosse bom distrair-se e esquecer aquele sonho. Poderia focar nos estudos, rir com os amigos e, quem sabe, as dúvidas sumiriam.
No entanto, ao final das aulas, Maia sentiu uma inquietação tomar conta de si. A escola estava começando a esvaziar, mas ela resolveu caminhar até a praia antes de ir para o grupo de estudos. Queria clarear a mente, e o som das ondas sempre a ajudava.
Chegando à praia, ela tirou os sapatos e se aproximou da água. Sentiu a areia fria sob os pés e a brisa que vinha do oceano, e, sem perceber, começou a murmurar baixinho: "Eu sou parte disso..."
O mar parecia responder a seu chamado, com ondas que vinham e iam em um ritmo harmonioso. Maia fechou os olhos e, em sua mente, as palavras da mulher do sonho ecoaram mais uma vez.
"Você é a guardiã das águas."
Subitamente, uma onda mais forte a atingiu, molhando-a até a altura dos joelhos. Maia ofegou, surpreendida, e deu um passo para trás. A água escorreu pela sua pele, mas a sensação não era fria – era quase reconfortante, como um abraço suave.
"Eu... eu não posso estar imaginando isso," murmurou para si mesma. Fechou os olhos mais uma vez e se concentrou, tentando sentir o fluxo das ondas, como se pudesse fazer parte daquele movimento.
Para sua surpresa, a água respondeu. Pequenas ondas formaram círculos ao redor dela, como se obedecessem a seu comando. Maia sentiu o coração bater acelerado. "Será possível...?"
O som de passos a despertou do transe, e ela virou-se rapidamente. Era Tomás, que a observava à distância com uma expressão confusa. Ele deu alguns passos em sua direção, franzindo a testa. "O que você está fazendo?"
Maia se afastou da água, sentindo-se exposta. "Nada... eu só... queria sentir o mar," respondeu, tentando agir casualmente.
Tomás olhou para o mar e depois para ela, com uma sobrancelha erguida. "Você é mesmo esquisita, sabia? Parece que... sei lá, você estava falando com o oceano."
Ela soltou uma risada nervosa. "Você vê coisas demais, Tomás. Acho que já está na hora de ir para o grupo de estudos."
Tomás ainda a olhava com certa dúvida, mas, depois de um momento, pareceu desistir de fazer mais perguntas. Os dois caminharam de volta para a cidade em silêncio, mas Maia sabia que aquele momento havia mudado algo dentro dela.
Aquela noite, enquanto tentava dormir, as palavras da mulher do sonho voltaram a ecoar em sua mente. Ela sabia que, de alguma forma, sua vida não seria mais a mesma.