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Chapter 4 - café

Maia ainda sentia o peso das palavras de Sofia quando voltou para casa. O dia já começava a clarear, tingindo o céu com tons suaves de laranja e rosa, e a tranquilidade da manhã oferecia um breve consolo em meio à incerteza que rondava sua mente. Apesar de toda a estranheza e os mistérios revelados, sua rotina diária a chamava de volta. Era como se o mundo ao redor estivesse alheio ao que acontecia em seu interior, e Maia, sem ter certeza de como lidar com tudo, se apegou àquela normalidade.

Durante a manhã, trabalhou na loja de peixes do pai, arrumando os produtos e ajudando os clientes. As pessoas da cidade lhe pareciam de repente tão distantes, tão parte de um universo simples e previsível do qual ela sentia que estava se afastando. Ainda assim, a familiaridade da tarefa lhe trazia conforto.

Quando o movimento começou a diminuir, seu pai, João, a chamou para um momento de descanso. Ele era um homem robusto e com um sorriso caloroso que, mesmo em meio ao cansaço do trabalho duro, conseguia sempre arrancar uma risada dela. João parecia perceber que algo estava diferente em Maia naquele dia.

"Você está com a cabeça nas nuvens, minha filha. Algum problema?" ele perguntou, esfregando uma das mãos calejadas e lançando-lhe um olhar preocupado.

Maia hesitou, buscando as palavras certas. Queria contar ao pai, confiar nele como sempre fizera, mas sabia que o que estava prestes a revelar ia muito além do que ele poderia imaginar.

"Pai, você já teve a sensação de que... algo muito grande está para acontecer? Como se... como se o mundo ao nosso redor fosse mais do que parece?" Maia falou em um tom hesitante, tentando medir a reação do pai.

João a olhou por um instante, surpreso, antes de dar um sorriso tranquilizador. "Quando eu era mais jovem, às vezes eu sentia isso também. Acho que todos sentimos. O mundo é cheio de coisas que a gente não entende, Maia, mas você tem algo especial. Sempre senti que o mar te chamava, de um jeito que não chama ninguém."

Maia engoliu em seco, tentando absorver o apoio silencioso que aquelas palavras lhe ofereciam. A conversa a acalmou, mas ela sabia que ainda não estava pronta para revelar toda a verdade.

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À noite, Maia se viu inquieta novamente. Sua mente voltava ao sonho, à figura majestosa da guardiã das águas e às palavras de Sofia sobre forças em movimento. Decidiu sair para caminhar e foi até a enseada. O céu estava escuro, e o mar parecia mais profundo e misterioso sob a luz da lua, como um espelho infinito que refletia tanto as estrelas quanto seus próprios medos e dúvidas.

Ela caminhou pela areia, ouvindo o som das ondas quebrando suavemente na costa. A noite era fria, mas a proximidade do oceano sempre trazia a ela uma estranha sensação de calor e proteção. Sentou-se à beira d'água e estendeu a mão, permitindo que as ondas roçassem seus dedos. A cada toque, sentia uma energia sutil, como se o mar estivesse lhe respondendo, tentando comunicar algo que ainda não conseguia entender.

Fechou os olhos e respirou fundo, buscando se conectar com a força dentro de si, aquela que finalmente começava a aceitar. Pouco a pouco, sentiu o fluxo das ondas acalmar sua mente, até que um silêncio profundo a envolveu.

Mas então, algo interrompeu a paz: passos na areia, leves mas firmes, se aproximavam. Maia abriu os olhos e se virou para ver uma figura alta e esguia, envolta em uma capa escura que balançava com o vento. O rosto era parcialmente oculto pela sombra, mas os olhos brilhavam com uma intensidade assustadora, como se carregassem segredos antigos e perigosos.

A figura parou a poucos passos dela, observando-a em silêncio. Maia sentiu uma onda de medo, mas também de determinação, surgindo em seu peito. Ela sabia que aquela pessoa não era um mero desconhecido; havia algo neles que parecia se entrelaçar com a sua própria história, como se o destino os tivesse colocado ali para confrontá-la.

"Maia," a figura falou, com uma voz que era suave como o murmúrio das águas, mas carregava uma força assustadora. "Você não pode fugir do que é. Sua presença desperta as marés antigas, forças que você ainda não compreende, mas que já estão em movimento."

Maia tentou manter a calma, mas a intensidade da presença daquela pessoa fazia sua pele arrepiar. "Quem é você? Como sabe quem eu sou?"

O estranho inclinou a cabeça, esboçando um sorriso enigmático. "Eu sou aquele que sempre observou o despertar das forças da água. Minha função é garantir que o equilíbrio seja mantido, e você, Maia, é uma peça importante neste equilíbrio."

"O que isso significa?" Maia perguntou, a voz tremendo, mas cheia de curiosidade.

"Significa que você tem um poder imenso, mas também uma responsabilidade. Há aqueles que irão tentar tirar vantagem de seu dom, explorá-lo para fins sombrios. E eu estou aqui para te alertar: prepare-se. Eles virão."

Maia sentiu uma onda de pavor se misturar com a crescente determinação dentro dela. As palavras do estranho pareciam ecoar as de Sofia, mas agora havia uma urgência mais palpável, uma sensação de que seu tempo era curto.

"Como posso me proteger? E quem são eles?" Maia questionou, tentando conter a tensão em sua voz.

O estranho deu um passo atrás, a sombra de seu rosto se aprofundando. "A resposta está no próprio oceano. Ele te ensinará tudo o que precisa saber, mas lembre-se: o poder da água é tanto uma dádiva quanto uma maldição. Você precisará aprender a controlá-lo ou será consumida por ele."

Antes que Maia pudesse responder, a figura começou a se dissipar, como névoa sendo carregada pelo vento. Em segundos, desapareceu na escuridão da noite, deixando-a sozinha com o mar e suas perguntas.

Ela ficou ali, imóvel, tentando processar o que acabara de acontecer. Sentia-se ao mesmo tempo assustada e mais consciente de sua responsabilidade. Aquilo não era mais um sonho, nem um simples mistério; era uma realidade que a aguardava. Fechou os olhos e, em um sussurro, fez uma promessa silenciosa para si mesma: não iria se deixar ser dominada pelo medo. Enfrentaria o que viesse.

Quando finalmente se levantou para voltar para casa, a sensação de que algo novo e inescapável estava para acontecer a acompanhava. Ela sabia que, de agora em diante, cada passo seria dado em direção a um destino que mal começava a vislumbrar. E, pela primeira vez, aceitou seu papel com toda a força de seu espírito, pronta para descobrir até onde seu poder a levaria.Maia caminhava de volta para casa com o coração ainda acelerado, refletindo sobre o que a figura misteriosa dissera. A noite envolvia tudo em um manto de silêncio, mas, na mente dela, as palavras do estranho pulsavam, trazendo consigo uma mistura de temor e expectativa. Ao passar pela estrada que margeava a enseada, olhou uma última vez para o mar, tentando encontrar respostas em suas ondas escuras e imponentes.

Quando finalmente chegou em casa, entrou devagar para não acordar o pai. O silêncio da pequena casa parecia ainda mais denso depois do que vivenciara na praia. Maia deslizou pela sala e foi direto para o quarto, sentindo uma necessidade urgente de se isolar. Fechou a porta, encostou-se contra ela e respirou fundo, tentando acalmar a mente.

Deitou-se na cama, mas o sono não vinha. Em vez disso, seus pensamentos eram preenchidos por imagens e sentimentos que surgiam como fragmentos de um quebra-cabeça antigo: as ondas se quebrando, o som do vento, o brilho da lua sobre o oceano. A presença daquela figura desconhecida voltava a sua mente com um peso inexplicável, como se aquilo fosse apenas o início de algo maior e inevitável.

Em algum momento, a exaustão a venceu e ela caiu em um sono inquieto, repleto de sonhos estranhos e visões fragmentadas. Em um deles, estava submersa nas profundezas do oceano, rodeada por correntes de água que dançavam ao seu redor como criaturas vivas. Podia sentir o peso da pressão ao seu redor, mas também se sentia forte e invencível, como se fosse parte do próprio mar.

De repente, ouviu uma voz chamando seu nome, doce e melodiosa, vinda de algum ponto obscuro das profundezas.

"Maia..."

Ela virou-se, procurando pela fonte daquela voz, e viu uma figura emergir do fundo, coberta por um brilho azulado que iluminava as águas ao redor. A figura parecia etérea, quase translúcida, e trazia uma coroa de corais em sua cabeça. Os olhos brilhavam com uma profundidade que Maia nunca tinha visto, refletindo uma sabedoria antiga e insondável.

"Quem é você?" Maia tentou perguntar, mas sua voz soou distorcida, como um sussurro distante no vasto silêncio das águas.

"Sou a memória que dorme em você, Maia. A parte de você que sempre foi e sempre será. Eu sou a Deusa das Águas, aquela que você está destinada a se tornar."

Maia sentiu um arrepio de medo e maravilha ao ouvir aquelas palavras. Era como se um véu tivesse sido levantado, revelando algo antigo e esquecido, algo que sempre estivera ali, esperando para ser redescoberto. Ela tentou estender a mão para tocar a figura, mas o toque fez a imagem se dissolver, como se fosse feita de névoa líquida.

De repente, tudo ao seu redor começou a se agitar. A água ficou turva, e ela se viu sendo arrastada por correntes furiosas, perdendo o controle de seu corpo. Maia lutou para manter a calma, tentando lembrar-se da sensação de paz que sempre sentia na água, mas o pânico começava a dominá-la.

Acordou de repente, ofegante e com o coração disparado. Olhou ao redor, tentando se localizar, e percebeu que estava de volta ao seu quarto. O sol já começava a iluminar o céu, e o som suave das ondas quebrando na praia chegava até ela, trazendo um conforto sutil. Sentiu-se exausta, como se realmente tivesse nadado em águas turbulentas a noite toda, e, no entanto, o sonho a deixara com uma certeza inabalável.

Ela era mais do que uma garota comum. Algo extraordinário despertava dentro dela, algo que ela ainda precisava compreender.

Maia levantou-se e foi até a janela, olhando para o horizonte, onde o mar se estendia até perder de vista. Sentiu um peso em seu peito, mas, ao mesmo tempo, uma estranha calma tomou conta dela. Ela sabia que o dia de hoje marcaria o início de algo diferente, uma mudança que ela não poderia mais ignorar.

O barulho de passos no corredor a tirou de seus pensamentos. Era seu pai, já acordado e se preparando para mais um dia de trabalho. Maia sabia que ele não tinha ideia do que ela estava passando, e isso lhe causava uma pontada de tristeza, mas também de alívio. Como ela poderia explicar algo tão incompreensível, até mesmo para si mesma?

Maia saiu do quarto e foi até a cozinha, onde encontrou o pai servindo café e assobiando baixinho, com a expressão tranquila que sempre tivera.

"Bom dia, pai," ela disse, tentando soar casual.

"Bom dia, minha filha," ele respondeu com um sorriso caloroso. "Você parece cansada. Não dormiu bem?"

Maia hesitou, buscando as palavras certas. "Tive... um sonho estranho," respondeu, sentindo-se surpreendida pela simplicidade daquelas palavras em comparação com a profundidade do que sentira.

"Sonhos são engraçados," ele comentou, sem perceber o peso na voz dela. "Às vezes, eles nos dizem coisas que não entendemos de imediato. Talvez um dia você descubra o que isso significa."

Maia sorriu, sabendo que aquelas palavras carregavam mais verdade do que ele poderia imaginar.

Enquanto tomava seu café, olhou novamente para o mar pela janela, sentindo que algo grande e desconhecido a aguardava. Sabia que, dali em diante, não poderia ignorar os sinais que o mundo lhe enviava — e, principalmente, que não poderia mais fugir de si mesma.

Depois de tomar café e tentar afastar o peso daquele sonho, Maia saiu de casa com a mochila pendurada no ombro, caminhando em direção à escola. O céu estava limpo e o som do mar a acompanhava, constante e calmante. Mas mesmo enquanto ela atravessava as ruas da pequena cidade, era como se um novo tipo de consciência pulsasse em sua mente, uma lembrança distante que não conseguia alcançar completamente. Tudo parecia igual, mas, ao mesmo tempo, tudo estava diferente.

Na escola, seus amigos a notaram um pouco mais silenciosa do que o habitual. Layla, sua melhor amiga, se aproximou no intervalo com uma expressão curiosa.

"Maia, tá tudo bem? Você parece meio distraída hoje," disse Layla, seus olhos estreitando em preocupação.

Maia hesitou, querendo compartilhar, mas também temendo que soasse absurdo. "Tive um sonho... estranho," ela finalmente admitiu.

"Um sonho?" Layla se inclinou, interessada. "Sobre o quê?"

Maia lançou um olhar para o mar ao longe, visível pela janela da escola. "Era como se eu estivesse debaixo d'água, mas conseguia respirar normalmente. E aí, apareceu alguém... uma espécie de deusa do mar, ou algo assim. Ela me disse que eu era... parte dela, de algum jeito."

Layla soltou uma risada suave. "Uau! Um sonho sobre deuses? Acho que é o que dá passar tanto tempo na praia."

Maia tentou rir também, mas seu sorriso era tenso. Layla não entenderia a estranha mistura de medo e fascínio que aquele sonho trouxera. Ao longo do dia, ela percebeu que a sensação de que algo estava mudando continuava a crescer, como se uma força invisível estivesse empurrando-a para uma nova direção.

Quando a última aula acabou, Maia se despediu rapidamente dos amigos e decidiu ir direto à enseada isolada que tanto amava. Sentia uma atração inexplicável pela água, como se alguma coisa lá a estivesse esperando. Caminhou pela trilha até a praia escondida, ouvindo o som das ondas que se quebravam suavemente na areia. Ali, sob o céu tingido pelo pôr do sol, ela finalmente se permitiu ficar em silêncio, conectando-se com o mar.

Sentou-se à beira da água, os pés descalços tocando a areia molhada, e fechou os olhos, ouvindo o som das ondas ao seu redor. Por um momento, sentiu-se tomada por uma calma profunda, uma paz que não sentia desde o sonho.

De repente, sentiu algo mudar. O ar ficou mais denso, e ela percebeu que a água ao seu redor parecia estar... respondendo. Pequenas ondas se formaram, lambendo seus pés, como se a saudassem. Maia abriu os olhos, espantada, e viu que o mar parecia estar se movendo de acordo com seus pensamentos.

"Não pode ser...," murmurou, estendendo uma mão trêmula em direção à água. No instante em que o fez, uma pequena coluna de água se ergueu, movendo-se com suavidade e graça. Ela olhou para aquilo com os olhos arregalados, o coração batendo tão forte que parecia ecoar pelo corpo todo.

Em pânico e fascínio, retirou a mão, e a coluna d'água caiu de volta, desaparecendo em um segundo. Maia ficou paralisada, o olhar fixo na água. Sentia o corpo trêmulo, mas ao mesmo tempo, uma estranha certeza se instalava nela. As palavras da figura misteriosa vinham à sua mente com uma nitidez perturbadora: "Você é a Deusa das Águas."

Maia se levantou rapidamente, o coração disparado. Precisava contar a alguém, precisava de respostas — mas, acima de tudo, precisava entender o que aquilo significava. Ela correu de volta pela trilha, determinada a encontrar uma explicação.

Em casa, seu pai estava na sala, lendo um velho livro de mitologia que guardava com carinho. Maia entrou rapidamente, interrompendo a calma da casa com a intensidade de sua presença. Seu pai levantou os olhos, surpreso ao ver o estado agitado da filha.

"Maia? O que aconteceu?" perguntou ele, colocando o livro de lado.

Ela tentou organizar os pensamentos, mas as palavras pareciam desordenadas em sua mente. "Pai... você já sentiu... como se algo dentro de você não fosse seu, mas, ao mesmo tempo, fosse parte de você desde sempre?"

Ele franziu o cenho, claramente intrigado. "Maia, do que você está falando?"

Ela respirou fundo, tentando ganhar coragem. "Eu tive um sonho, pai. Um sonho com uma... deusa da água. E hoje, quando fui à enseada, senti que a água respondia a mim. Como se eu pudesse... controlar."

Ele a observou em silêncio por um momento, o olhar distante, como se estivesse recordando de algo que tentara esquecer. Maia percebeu uma sombra em seu rosto, algo que nunca havia visto antes.

"Maia," ele começou lentamente, com uma voz pesada, "há coisas que vão além do que podemos entender. Quando você nasceu, sua mãe e eu... bem, sabíamos que você era especial. Havia sinais. Mas achamos que era apenas uma bênção, um presente do destino."

"Sinais?" Maia repetiu, o coração acelerando. "Que tipo de sinais?"

Ele desviou o olhar, claramente desconfortável. "Sua mãe sempre disse que você tinha uma ligação com o mar. Ela costumava brincar, dizendo que você era filha das águas. Mas... depois que ela se foi, não consegui mais pensar nisso."

Maia sentiu um aperto no peito ao ouvir sobre a mãe. Sempre soubera que havia um vazio em sua história, algo que o pai raramente mencionava. Agora, aquele vazio parecia ainda mais significativo.

"E... o que eu faço agora?" ela perguntou, a voz tremendo com uma mistura de medo e expectativa.

O pai a olhou profundamente, sua expressão suavizando um pouco. "Maia, talvez seja hora de descobrir a verdade sobre si mesma. Mas seja cuidadosa. Poder é uma coisa complicada, e nem sempre é um presente."

Ela assentiu, sentindo uma nova determinação crescer dentro de si. A imagem daquela figura marinha voltava à sua mente, trazendo consigo a promessa de algo que estava apenas começando.