Mostro, Aberração... Esses e muitos outros nomes me acompanhavam. Ser uma guerreira tão forte em uma alcateia de lobos machistas como a Lua Crescente havia feito de mim um monstro sem expressão além da indiferença.
Alguns me odiavam pela minha aparência, outros pelo meu ser e havia aqueles que me odiavam somente pela minha existência. 'Sem lobo' ou 'erro' eram apelidos carinhosos para mim, aos 13 anos, perto do que me chamavam agora.
Nunca fui pura, não... Eu sempre soube a minha história, meu passado ia muito além do meu tempo em vida. Ser uma ruiva escarlate de pontas laranjas com olhos âmbar que brilhavam feito ouro derretido tinha lá seus desagrados.
Aos 13, quando em meu aniversário não me transformei, as transgressões verbais machucaram. Mas aos 16, quando os lobos começaram a me caçar como escrava sexual, eu vi minha realidade.
Meu pai havia falecido em batalha protegendo o alfa e, por isso, ele não permitia nenhum lobo a tocar em mim ou minha mãe. Mas duvidava que, se algum conseguisse, ele faria alguma coisa.
Por isso, eu era quem era: intocável não pela proteção que recebia, mas por minha própria força. Eu havia me transformado aos 12, no meio da floresta, e novamente aos 15, no mesmo local.
Na primeira vez, eu havia virado algo muito mais etéreo que um simples lobo: minhas asas longas com penas escarlate, meu bico azulado como de chamas azuis, e a sensação de voar foi tão libertador que não sentia a mínima vontade de voltar.
Eu não sabia o que era e muito menos o que poderia acontecer comigo caso alguém descobrisse.
Aos 15, minha loba surgiu: éramos únicas de todas as formas. Meu pelo brilhava como meus olhos, e a raiz vermelha me tornavam quase uma divindade.
E novamente fui forçada a esconder mais uma parte de mim, não por medo, mas por inteligência. Caso me vissem, o isolamento seria uma benção perto do que fariam, e eu ainda tinha minha mãe a proteger.
Após perder meu pai, a matilha era tudo o que ela tinha, e eu temia que, se fôssemos embora, eu perderia minha única família.
No final, a matilha, a qual ela tanto amava e se dedicava, nos abandonou sem olhar para trás. Meu pai era um beta, e por muitos anos o alfa e a Luna conviveram em nossa casa; eles me conheciam, eram meus padrinhos.
E no final, me viraram as costas, e eu não me importava com isso. Já havia feito meus 18 e, após anos de castigos sem sentido, humilhações e torturas, aquela alcateia já não era minha família.
Mas assim que minha mãe foi mandada para ser guarda da Luna antes de um ataque, após anos fora de serviço, eu deveria ter desconfiado.
Deveria ter previsto que não eles não a iriam proteger de volta. Meus pais haviam sacrificado tudo por essa matilha, inclusive suas vidas.
Então, eu não mais perderia meu tempo fazendo o mesmo. Me tornei uma renegada quando rejeitei minha alcateia e levei o corpo de minha mãe para junto do meu pai.
Me lembro de andar a passos lentos até a clareira de flores lavanda e, ao sentir o aroma das flores, ver passar por meus olhos todos meu pesadelos.
...A noite em que meu pai não voltou para casa. Eu estava com 10 anos e minha mãe estava desesperada.
— Onde está ele? — perguntei, sentindo o medo crescer dentro de mim.
— Ele foi lutar, filha — respondeu minha mãe, tentando esconder a dor.
— Mãe? — perguntei.
— Não — gritou ela chorando.
Foi quando eu entendi. Eu sabia que meu pai era um guerreiro forte, mas também sabia que os vampiros eram perigosos.
Dias se passaram e meu pai não voltou. Eu não me preocuparia mais; minha mãe havia me dado a resposta à minha primeira pergunta de forma dolorosa.
E então, ouvimos o barulho. Um barulho de gritos e de uivos.
— Mãe, o que é isso? — perguntei.
— É o retorno dos guerreiros — disse ela.
Mas meu pai não estava entre eles. Nós nos movemos para a praça central, à espera da notificação, na esperança de ser um erro. Mais minha mãe já não sentia mais o laço, e isso já nos dera um motivo para não duvidar.
— Sinto muito — disse um dos guerreiros.
Minha mãe desmoronou. Eu também.
— O que aconteceu? — Gritei.
— Ele protegeu o alfa — disse o guerreiro. — Ele morreu para salvar nossa matilha.
Eu senti uma dor profunda, uma dor que nunca mais iria embora. Meu pai havia se sacrificado por nossa matilha, mas eu sabia que isso não era o suficiente.
Então, eu os odiei pela primeira vez, aquela maldita matilha.
Meu coração estava cheio de raiva e dor. Eu sabia que nunca mais seria a mesma.
Eu me lembro do funeral, do cheiro de incenso e da dor nos olhos de minha mãe.
Eu me lembro do silêncio, do vazio que se seguiu.
E eu me lembro da promessa que fiz a mim mesma: nunca mais seria fraca.
Nunca mais seria controlada.
Nunca mais seria uma prisioneira daquela matilha.
Depois da morte do meu pai, apos não me transformar no meu aniversário de 13 anos eu fui humilhada e perseguida pela matilha.
Eles me chamavam de "Sem Lobo", dizendo que eu não era digna de fazer parte da matilha.
Aos 12 anos, eu me transformei pela primeira vez em uma fenix, mas ninguém sabia. Era meu segredo.
Aos 15, eu me transformei em loba, mas isso também foi um segredo.
A matilha não sabia sobre minhas transformações. Eles apenas sabiam que eu era diferente.
Eles me torturaram, me humilharam e me chicotearam em praça pública.
"Eles queriam quebrar minha força... bom, que continuassem tentando", rosnei.
Minha mãe estava desesperada, mas eu sabia que não podia ceder.
— Ayla, você precisa ser cuidadosa — dizia ela.
— Eu não tenho medo — respondia.
Mas eu sabia que minha mãe estava certa. Eu não era bem vinda.
E então, veio o dia em que minha mãe foi chamada para servir como guarda da Luna.
Eu sabia que era um erro. Eu sabia que ela não voltaria.
Mas eu não podia impedi-la. Ela estava determinada a proteger essa matilha.