Neve apenas ficou sentada ali, de joelhos, por um longo tempo.
Seus olhos permaneciam em seu colo, com as mãos à frente, imóveis.
O que diabos ela poderia fazer? Como uma pessoa deveria reagir a isso?
Houve apenas outro momento na vida de Neve que a colocou na mesma posição atônita. Mas desta vez, não eram os olhos sem vida de sua mãe que a encaravam, mas os de John e Stella.
Ela poderia ter se movido antes? Deveria ter ficado atrás dos jogadores de alto nível enquanto eles eram atacados? Talvez, mas no momento em que Thomas segurou aquela espada em sua garganta, Neve estava impotente para fazer qualquer coisa.
Essa ideia de consolo, no entanto, não ajudava com a vergonha.
O baixo crepitar das fogueiras que eles haviam feito antes de tudo isso era tudo o que Neve conseguia ouvir por um tempo, junto com sua respiração lenta e constante.
Até que ela ouviu uma tosse à frente.
"Ack!"
"Hã?" Neve imediatamente levantou a cabeça.
[Alguém está vivo?]
Instintivamente, ela se levantou de onde estava e correu em direção à fonte do som.
Era Carson.
O homem tossiu novamente, fazendo com que sangue subisse e manchasse seu queixo e lábios.
Desta vez, os instintos de Neve não a falharam.
Ela imediatamente lançou Solo Curativo nele, tentando ver se poderia fazer algo a respeito.
O homem apenas riu, porém.
"Neve? É você?" Ele perguntou fracamente.
"Você ainda está vivo? Caramba, você está- ei, economize suas forças, já estou te curando."
"Ah, não se preocupe," ele riu fracamente, mas soou mais como um engasgo do que risada. "Seu feitiço é muito fraco."
"Sim, mas…"
"Vou sangrar até a morte muito antes de isso me curar."
"Mas, você ainda está bem, você…"
"Está tudo bem," Carson declarou. Ele tossiu, ofegando. "Está tudo bem."
Apesar do que ele disse, Neve manteve o feitiço. Era sua maneira fútil de tentar compensar sua inatividade anterior. Era inútil, mas ela esperava que trouxesse algum pequeno conforto a ele.
"Me desculpe." Neve pediu desculpas baixinho, com lágrimas surgindo nos cantos dos olhos.
"Eh... não foi sua culpa." Carson balançou a cabeça devagar. "Foi minha. Azarado, hein?"
Ele tentou rir novamente, mas tudo o que conseguiu fazer foi tossir sangue.
"... Não te culpo," ele disse baixinho. "Não te culpo."
Por mais que Neve quisesse acreditar nisso, ela simplesmente não conseguia.
"Deve ter algo que eu poderia ter feito." Olhando para o lado, Neve se engasgou. "Sou uma maldita curandeira e não consegui salvar ninguém."
Carson não disse nada por um tempo. Neve se perguntou se ele havia morrido, mas então seus braços tremeram.
Usando a pouca força que tinha, o homem abriu seu inventário, conjurando a tela holográfica horizontalmente, já que estava deitado na terra.
"… Ajuda."
Neve pegou sua mão direita e a segurou para ele, permitindo que ele tocasse um dos itens com o dedo indicador.
Uma folha de papel dobrada apareceu e caiu sobre seu torso, manchando-se de sangue nas bordas.
Neve pegou para impedir que o sangue se espalhasse pelo papel.
"L... Carta," ele disse, tossindo enquanto a única palavra saía de sua boca. Carson engoliu, olhando de volta para Neve. "Promessa?"
"Eu… claro."
Ela hesitou no início, mas mesmo que não pudesse fazer o que ele estava prestes a pedir, ela não queria que ele se sentisse muito decepcionado com ela.
"Meu f-" ele tossiu mais sangue, "filho... Tente."
"Vou tentar."
"Bom," Carson tentou rir, mas o som foi tão fraco que saiu como um par de suspiros rápidos. "Bom… Você…"
Sua mão, que Neve ainda segurava, finalmente ficou mole.
Neve a apertou.
[… Merda.] Neve pensou enquanto Carson morria. No fim, John não tinha sido o último dos jogadores de alto nível a morrer. Não, esse tanque havia resistido à dor até este momento, quando parecia que ele finalmente poderia desistir. [Eu estraguei tudo, eu… Como eu poderia ter…?]
E assim, ela retomou seu soluço.
Algumas de suas lágrimas se juntaram ao sangue na carta, manchando ainda mais o papel.
Ela não ficou sem interrupções por muito tempo, porém.
"Bem, isso tudo tomou um rumo~"
Olhando para cima, Neve viu Tamira flutuando no ar. A serpente girava devagar, em círculos, mas seus olhos nunca deixavam os de Neve.
"Vá se foder," Neve cuspiu.
A serpente a ignorou. Olhando ao redor, a serpente sibilou algumas vezes.
"É engraçado," Tamira disse. "Os humanos são todos tão únicos, cada um de vocês com pensamentos, desejos e motivações próprios, e ainda assim, vocês podem ser tão previsíveis também."
Furiosa ao ouvir isso, Neve se levantou. Ela puxou seu cajado de seu inventário e o apontou para a serpente.
Tamira parecia totalmente indiferente.
"Vá se foder." Neve a encarou intensamente. "Você sabia que isso ia acontecer. Você literalmente fez tudo o que podia para que isso acontecesse."
"Claro," Tamira respondeu, flutuando mais perto dela. "Isso é o que é um teste, não é? Por que você está tão surpresa?"
"Do que diabos você está falando?"
"Você realmente acreditava que todo o Desafio Final se resumiria a pedir que você eliminasse monstros de dificuldade lentamente incremental?" Tamira riu. Ela girou no ar um pouco mais rápido, claramente se divertindo. "As Provas de Unidade funcionam como seus videogames, mas quão chato seria assistir vocês progredindo através delas se isso fosse tudo o que vocês tivessem que fazer? Claro que é mais do que isso!"
Rosnando quase que ferozmente, Neve se aproximou mais. Tamira não recuou.
"É isso que somos para você, não é?" Ela perguntou. "Apenas um programa de TV ambulante ou alguma merda? Uma fonte de entretenimento?"
"Sim."
Tamira até fez um pequeno aceno com a cabeça de serpente para confirmar isso o máximo que podia.
"Mas," ela acrescentou, "a premissa das Provas de Unidade sempre foi, no final, ser benéfica para ambos os lados."
"Como você pode dizer isso? Você não vê tudo que aconteceu? Como diabos isso é um benefício para alguém?"
"Porque," Tamira respondeu rapidamente, "se a humanidade superar as Provas de Unidade, no final, vocês estarão mais fortes e mais unidos do que nunca. Isso é certo."
O que Neve poderia dizer em resposta àquilo? Tendo visto tanto sofrimento causado por essas mãos e depois ouvindo aquilo, simplesmente a deixava perplexa.
"Você realmente acha que é a primeira civilização a enfrentar as Provas de Unidade?" Tamira perguntou, inclinando a cabeça. "Claro que não!"
"… O quê?"
Essa afirmação deixou Neve atordoada por um motivo completamente diferente.
"Você é apenas os jogadores atuais~ Inúmeras espécies passaram por essas provas. Você está de pé sobre o túmulo de uma dessas espécies agora mesmo."
"O que você quer dizer?"
"Você não deu uma boa olhada nos zumbis que você e os outros enfrentaram antes, não é?" Tamira perguntou, divertida. "Eram zumbis, mas não eram zumbis *humanos*."
Tanto estava sendo dito naquele momento que a mente de Neve mal conseguia processar tudo. Se Tamira simplesmente veio aqui para tentar confundi-la, para que esquecesse sua tristeza, quase conseguiu.
Quase.
"… Apenas vá embora," Neve disse baixinho, virando-se dela.
"Hm… Então, é isso?" Tamira perguntou, voando para o lado de Neve. "Tudo o que aconteceu esta noite, tudo que você acabou de ver, não produziu nada dentro de você? Nenhum sentimento além do desespero?"
"Eu acabei de ver dezenas de boas pessoas sendo massacradas por um bando de covardes. O que exatamente você esperava que eu sentisse?" Neve perguntou, sentando-se no chão sujo, com as costas apoiadas em uma árvore doente e moribunda.
"Hm, bem, vamos ver. Me diga, o que você sentiu quando viu John morrer pelas mãos de um jogador assustado, traiçoeiro e covarde de baixo nível?"
"…"
"O que você sentiu ao perceber que Carson ainda estava vivo, mas que sua vida estava por um fio apenas para finalmente morrer bem na sua frente?"
"..." Neve mordeu o interior de suas bochechas.
Tamira voou na frente dela, encolhendo consideravelmente para que pudesse flutuar diante dela como uma folha caindo.
"E, o que você sentiu agora quando eu lhe disse que tudo isso, sua dor, a dor deles, a dor de todos, era puramente para o entretenimento dos meus superiores? E, em parte, o meu, é claro."
Neve exalou e seu corpo inteiro tremeu.
"Eu senti raiva," Neve respondeu, erguendo a cabeça para olhar nos olhos de Tamira. "Eu senti uma fúria do caralho. Eu senti…" Neve soltou seu cajado e envolveu as mãos ao redor do corpo de Tamira. "Eu senti vontade de pegar você e espremer a vida de você."
"Hmph." Tamira inclinou a cabeça, estreitando os olhos para Neve.
Seu corpo, embora fosse de uma cobra, estava quente nas mãos de Neve.
"A raiva é uma emoção poderosa," Tamira disse suavemente. "Muitas coisas na história da humanidade foram realizadas por meio dela. Guerras foram vencidas pelo desejo de vingança, e invenções foram feitas por um profundo desprezo por diferentes aspectos da vida cotidiana. Agora você tem um dos sentimentos mais poderosos que um ser humano tem à disposição no seu coração e planeja não fazer nada com isso?"
O aperto de Neve afrouxou.
"O que posso fazer?" A fúria de Neve deu espaço por um momento, e ela se sentiu tão fraca. "Honestamente, deveria ter sido eu a morrer. Não eles. Não John, não Carson, não o meu p…"
Uma lágrima escorreu de seu olho esquerdo, mas Tamira esticou-se para a frente e enxugou-a com a cabeça.
"Mas você não foi," Tamira respondeu. "E agora, aqui você está, com um coração inundado de raiva e uma pessoa que merece acolhê-la."
"O quê, você?" Ela disse entre as lágrimas.
"..."
Tamira piscou.
"Oh, não," ela riu. "Claro que não. Embora, você certamente poderia argumentar que eu mereço ser enforcada até a morte por dizer o que disse. Meus superiores ficariam um pouco inconvenientes com isso, mas eles encontrariam outro assistente para você, se você quiser uma substituição."
"Então… quem?" Neve perguntou, e seu choro cessou por um momento.
"O responsável por tudo isso," Tamira respondeu. Os olhos de Neve se arregalaram. "Certamente, você não vai deixá-lo sair impune de tudo isso?"
Neve desviou o olhar.
"Eu sou apenas uma curandeira," ela argumentou. "Nem sei lutar. O que eu poderia-"
"E aquele garoto de mais cedo era apenas um assassino de nível 8," Tamira a interrompeu. "Um que conhecia apenas uma habilidade. {Nas Sombras}, uma habilidade que o permite ficar invisível por 2 segundos e tem um cooldown de 1 minuto. Um homem cujas únicas armas eram duas adagas enferrujadas e uma espada da mesma qualidade. E ainda assim, ele causou tudo isso. É incrível o que um humano pode fazer quando está motivado, não é?"
O lembrete do que Thomas havia feito fez Neve cerrar os punhos. A raiva que Tamira mencionou estava definitivamente lá, fervendo sob a pele dela.
"O que diabos você está fazendo? Por que está até me dizendo tudo isso? Está tentando me motivar?" Neve perguntou com uma risada sem humor. "Você conseguiu o que queria," Neve afirmou. "Nos matamos. Thomas está com a corda toda, então provavelmente vai acabar se matando também, e todos que ajudaram com tudo isso."
"E, se ele não o fizer?" Tamira perguntou.
Neve pausou.
"Vou te dizer o que vai acontecer," ela continuou. "Ele vai ter sucesso, completar o Desafio Final, e será recebido de volta à sociedade normal como um herói. Um dos maiores heróis que já viveu. Ninguém do lado de fora jamais saberá sobre o massacre que ele causou hoje, e seus subordinados levarão esse segredo para o túmulo. E…"
Tamira se aproximou.
"O filho de Carson vai crescer pensando que seu pai era apenas muito fraco, ao contrário de Thomas, que completou o Desafio Final e provou ser forte. É isso que você quer?"
A carta que Carson tinha dado a ela parecia pesar tanto quanto uma barra de ouro naquele momento. Neve olhou para baixo, para ela.
"Não…" Ela disse baixinho.
"Então, pergunto novamente. Essa raiva que você tem no coração, o que você quer fazer com ela?"
Neve abriu a boca para falar. Nada saiu por alguns segundos.
Então, lentamente, ela disse:
"Eu quero matar aquele filho da puta."
"Heh," Tamira recuou. "Então, eu digo, você deveria tentar isso."
A cobra flutuou para trás por uma curta distância, girando.
"Um conselho, seguir em frente e tentar alcançar Thomas é suicídio. Eles já chegaram ao próximo andar. Você está sozinha agora, sem ninguém para ajudá-la. Mesmo que os inimigos neste lugar se ajustem ao seu nível, eles a sobrecarregarão com seus números, assim como os jogadores fizeram aqui. Qualquer plano que você faça, eu recomendaria que não fosse por esse caminho."
"Certo... Então, o que eu posso fazer?" Neve perguntou, com fogo na voz. "O que-"
"Isso é para você decidir," Tamira disse. "Tudo que posso fazer é falar com você. E, ainda poderei fazer isso, caso você queira. Ah, e, para responder à sua pergunta anterior, sobre por que estou tentando motivá-la..."
Tamira cresceu para seu tamanho normal enquanto subia um pouco.
"Eu... não sei," ela admitiu. "Sinceramente, não sei. Talvez seja por tédio. Ver você matar os jogadores de baixo nível seria divertido. Ou, talvez eu apenas queira ver uma conclusão diferente. Tantas dessas tentativas da sua espécie foram da mesma maneira, seria bom ter ALGUMA variação. Mas, não importa, sabe por quê?" Ela riu, girando no ar. "Porque tudo que importa é que você produziu um sentimento em mim. E, eu peguei esse sentimento que estava no meu coração e agi de acordo com ele. Isso é tudo que eu, um humano, ou qualquer outra pessoa, pode fazer."
Sua forma começou a desvanecer.
"Boa sorte, Neve. Você certamente precisará."
E com isso, ela desapareceu.
Mais uma vez, Neve foi deixada com nada além do estalar de uma pequena fogueira, e dezenas de cadáveres, para lhe fazer companhia.
No entanto, agora, havia algo mais aqui.
Algo mais estava dentro dela.
Uma raiva profunda e poderosa, direcionada a uma pessoa.
"… Ele tem que pagar," Neve murmurou através dos dentes cerrados. "Ele tem que pagar. Não me importo se a humanidade tiver seu descanso, ou se seus seguidores todos têm que morrer primeiro antes que eu possa chegar até ele, mas ele *tem* que pagar pelo que fez."
[E...] Ela olhou para baixo, para a carta. [Eu preciso tentar levar isso ao filho do Carson. Ele deve saber quão forte seu pai era.]
"Isso mesmo," Neve disse baixinho. "Eu ainda não posso morrer. Eu ainda não posso morrer."