Flores desabrocham dos fios em seu cabelo à medida em que as emoções afloram. Uma característica notável, chamativa demais para um cientista. Nesse dia em questão haviam orquídeas Aganisia cobrindo quase toda sua cabeleira, era o estresse matinal tomando conta. Seu nome era Clancy, um rapaz alto e de pele bronzeada, os olhos eram cansados e a feição de alguém quase que perdido naquele ambiente. Ele seguiu seu caminho até o laboratório enquanto evitava cruzar os olhos com o de qualquer outro ser vivo. Trabalhava no Centro de Estudos Relativistas da Terra (CEAT), era do departamento responsável pela aplicação de partículas subatômicas em "ambientes relativistícos".
Hoje o local estava mais cheio do que de costume, devido a nossa mais nova descoberta. O CEAT ia exibir para o público, pela primeira vez, uma máquina que usa matéria escura como combustível para explorar os últimos estágios do universo. Vários comentários podiam ser captados no ambiente, desde os mais céticos, achando que isso era impossível; até aqueles mais paranoicos, temendo um buraco negro que sugaria tudo e todos. –Ai! – Clancy sentiu uma das orquídeas sendo puxada, ao se virar para trás, tudo que viu foi um garoto de aparentemente uns 5 ou 6 anos. A criança o cumprimenta dando um pequeno sorriso. Sua primeira reação imediata é ríspida: –Não encosta no meu cabelo. Nem nas flores. – A mãe da criança veio logo atrás, ela tinha praticamente a altura dele, um longo vestido prata, que combinavam com seus cabelos grisalhos. Ela puxou a orelha da criança enquanto se desculpava. Clancy dá um pequeno suspiro, fazendo as murcharem um pouco e acaba aceitando as desculpas. Mas antes que ele pudesse sair, ela torna a falar. –É que ele nunca tinha visto um dos seus antes. – Suas sobrancelhas arqueiam, evidentemente confuso; uma das agisinia caiu, dando lugar a uma coroa de cristo. –Como é? – A medida que pensa sobre aquilo, começa a compreender, suas orquídeas vão caindo enquanto as coroas de cristo afloram pelo seu cabelo. –Eu sou tão humano quanto vocês. – Ele murmura, embora por vezes também tivesse suas dúvidas. A cena chama um pouco de atenção, enquanto a criança petrifica por alguns segundos e sua mãe tenta responder: –Não, eu sei...o que eu quis dizer é que ele nunca tinha visto alguém com... –
Antes que ela pudesse terminar a frase, Clancy sentiu seu ombro ser puxado por alguém significativamente mais forte que ele próprio. Era Murphy, uma mulher vinda de uma Terra distante que jamais cessava de falar. Ela era a chefe do laboratório de Clancy."Deixe para lá, madame," Murphy interveio, "ele está apenas empolgado com a grande revelação, certo?" –Isso...perdão. – Ele desvia a cabeça para o lado enquanto diz, notando que muitas pessoas pararam para ver a cena.
Ambos seguem para o laboratório, com a moça ocupando a única cadeira disponível, enquanto ele acaba se acomodando no chão. Antes de começarem a conversar, Clancy passa os dedos entre seus fios de cabelo, percebendo a presença dos espinhos das coroas de cristo enroscadas neles. Seu dedo anelar acaba espetando em um dos espinhos, e então, Murphy toma a palavra: –Quer que eu os tire para você? – Ele suspira e acena com a cabeça, concordando. –Sim. – Ela move sua cadeira para trás dele e começa a desembaraçar os fios do meu cabelo. Aquilo durou um pouco mais de cinco minutos, preferiram não comentar sobre o incidente no corredor. –Você sabia que...devido as pequenas quantidades de compostos gasosos presentes no vácuo do espaço, existe uma pequena chance de alguma forma de vida microbiana ter passado por um sistema evolutivo de alimentação escassa e se desenvolvido completamente fora do nosso radar? – Ela ri um pouco, levemente confusa. –Como é? – Clancy entrelaça os dedos, encarando o chão, pensando em como tentar explicar isso de maneira mais clara. –Bem...com a descoberta dos neutrinos, a ideia de matéria escura passou a ser mais apoiada. Não só a ideia dela, como também uma dúvida, sobre qual o possível nível de influência dessa matéria em nós. Matéria escura, ou matéria oculta, é algo com baixa ou nenhuma interação com a força eletromagnética, certo? – Ela concorda com a cabeça, embora ele não veja. –E existem compostos químicos como carbono, nitrogênio e por aí vai. Em um universo primitivo, quando as estruturas galácticas estavam apenas se formando. Um conjunto desses compostos pode ter sido agrupado em uma forma parecida com a de um pequeno bolsão de ar, aquilo fermentou por alguns anos, fazendo alguns microorganismos se formarem. A maioria teria morrido, mas talvez alguns deles podem ter se adaptado, consumindo materiais como neutrino e fazendo suas próximas gerações terem cada vez menos interação eletromagnética. Seriam "invisíveis", mas estariam lá. –
Murphy já tinha ouvido falar de algo assim, geralmente vinda de algum ufólogo especializado em filosofia científica. Sua área de atuação era física de partículas, antes de tudo, então ela passou a maior parte do seu tempo trabalhando com uma das áreas mais concretas da ciência. Era difícil para ela ouvir essas especulações sem embasamento ditas com tanta convicção. Suas respostas para isso sempre são as mesmas: "Você tem algum dado que corrobora minimamente essa ideia? Talvez alguma amostra de vida microbiana que desenvolveu algum tipo mínimo de reação a neutrinos?". Mas dessa vez ela respirou fundo antes responder. –Sinceramente, embora eu ache a ideia instigante, ela é fantasiosa demais. Eu gosto de pensar mais em coisas como as que fazemos aqui. –
À primeira vista dava para dizer que ambos não se entendiam, ela era um tipo de pessoa sistemática, realista e objetiva. Já ele era mais levado pelo momento, sonhava com o momento em que viajariam no tempo e tinha a tendência de escapulir do laboratório para ver jogos de basquete universitário. Mesmo assim eles gostavam de conversar. – Porque essa ideia é fantasiosa? – Ela franziu a testa, puxando uma das coroas de cristo com força. O pequeno gemido de dor de Clancy lhe tirou um leve sorriso. –O tipo de aparato que precisaria para checar essas ideias não foi nem inventado ainda. Precisaríamos...eu não sei, fermentar vida artificial e bombardear eles de neutrinos? Ou então supor o tipo de alimento deles e tentar caçar por reações? Tudo isso me parece muito impossível...– Murphy deslizou os dedos nas mechas de cabelo dele, para garantir que nenhum havia sobrado. –Descarte a segunda ideia, pegue a primeira. Se nós pegarmos certos tipos de microorganismos e certos quantidades de neutrinos, ou alguma outra partícula de matéria escura. Não parece uma ideia tão ruim. Mas na verdade, tem um jeito mais fácil de fazer isso...partículas específicas tem propriedades específicas. Pense que hoje, temos a radiação cósmica de fundo passando por aqui, e que no futuro, alguém em algum canto do universo vai poder "ver" nosso registro na história. Toda a história da humanidade é uma oscilação específica alí. Esse tipo de acontecimento também teria sua própria oscilação e... –
Silêncio. Murphy parou um tempo para processar o que ele disse. Clancy era o tipo de pessoa que viajava em sua própria mente, mas não costumava falar essas coisas sem pelo menos ter tido alguma ideia. Ela acaba perguntando; –O que isso significa, exatamente? – Ele sorri, virando sua cabeça na direção dela, seus olhos se cruzam enquanto algumas margaridas parecem se formar da ponta do cabelo de Clancy. –Se eu não estiver louco, talvez nós consigamos. – Ainda com dificuldade para digerir aquilo, Murphy fica em silêncio.
Enquanto os dois cientistas conversavam, a multidão ao redor estava cada vez mais inquieta para testemunhar a tão aguardada Athena. As vozes e passos ecoavam pelo corredor enquanto as pessoas se aglomeravam perto da área de exibição, que se tratava de uma plataforma de lançamento enorme. Seus motores de dobra estavam aquecendo, faltavam apenas alguns minutos até o lançamento. Clancy, ainda sorrindo, disse: –Talvez isso pareça um pouco absurdo, Murphy, mas imagine o que isso poderia significar para a humanidade. Descobrir vida microbiana em lugares onde nunca ousamos procurar. – Murphy permaneceu cética, mas a paixão nos olhos de Clancy a fez reconsiderar sua posição: –Talvez você tenha razão. E se houver uma maneira de verificar essas oscilações na radiação cósmica de fundo? Afinal, somos uma física e um astrônomo, certo? A maior parte do que fazemos é questionar o impossível. – Clancy assentiu. –Nós poderíamos começar pesquisando registros astronômicos de oscilações anômalas e compará-los com nossos dados. Se encontrarmos algo consistente, teríamos um ponto de partida. – Murphy concordou, finalmente vendo alguma lógica na ideia. Clancy sorriu novamente, e desta vez margaridas floresceram de seu cabelo, espalhando uma fragrância doce pelo laboratório. Enquanto eles continuavam a discutir os detalhes do plano, a multidão de curiosos começou a se dispersar, percebendo que os motores da Athena estavam ligando.