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Chapter 2 - 2 - Causa e Efeito

Imaginem os pilares da criação, lar de um conjunto incontável de estrelas, cuja as formações gasosas se assemelham a literais pilares. Ela ganhou esse nome por sua aparência e ser justamente um berço de incontáveis estrelas. E se eu lhes contasse que esse é o lar de algumas das civilizações mais inteligentes do universo, o povo de Goratt? Em seu primeiro milênio, eles haviam alcançado o tipo de civilização que nós chamamos de tipo 1. Mas e se os pilares da criação fossem ser destruídos hoje? A informação viaja em algo que chamamos de velocidade de causalidade, que é igual a velocidade da luz no vácuo. Então se existisse alguma criatura ou civilização capaz de destruir todos aqueles pilares em um piscar de olhos, nós apenas saberíamos depois de quase sete mil anos. — Quem dizia isso era o Doutor Sérgio Fraga, um homem esguio e de pele bronzeada, cuja barba grisalha só não se destaca mais do que suas olheiras. Ele tinha uma feição desgostosa enquanto falava, bastante rabugenta, embora quem o conhecesse de verdade saberia que isso era apenas seu jeito. Assim como Murphy, o Doutor Fraga também vinha de "outra Terra".

Este talvez seja o melhor momento para explicar o que são essas "Terras". No século passado o povo da Terra desenvolveu tecnologias e métodos eficientes para começar a povoação de Marte e Vênus (Marte primeiro do que Vênus) e isso foi feito ao tentar resolver os problemas distintos de ambas. Enquanto em Vênus os dias são extremamente longos e as cidades precisaram ser feitas nas nuvens, as pessoas lá desenvolveram algumas mudanças sutis na altura, tom de pele fortemente bronzeado e a caracterização de profundas olheiras. Marte tinha domos artificiais e apostou em experimentos genéticos para criar pessoas capazes de sobreviver naquelas condições. E com essas diferenças, cresceu uma forte divisão cultural entre esses povos. Os líderes da Terra, então, decidiram chamar todos esses planetas de "Terras", para criar um senso maior de união e, desde então, projetos vem sendo feitos para criar laços entre as três Terras.

Foi nessas condições que o CERS nasceu, esse centro de pesquisa reunia cientistas de ambas as "Terras" em prol dos seus estudos. O anúncio de hoje tinha grande pressão externa para existir e, certamente havia sido muito criticado desde o princípio.

–A humanidade é limitada, nós sempre soubemos disso. Quanto mais longe olhamos, mais percebemos nossa insignificância frente a imensidão das coisas. A velocidade da luz é pequena para a vastidão do universo e, a medida que nossa sede por conhecimento cresce, ela se torna pequena demais para acompanhar a nossa evolução. Foi pensando nisso que o conceito de motores de dobra se formou.– A cada pausa, seus olhos passeavam brevemente pela plateia em busca de olhares de aprovação ou negação, era uma tensão quase palpável.

Enquanto isso, do outro lado da instalação, a dupla continuava indo até os velhos registros de "Marte". Era um longo corredor, que continha apenas uma porta no seu fim. –Você acha mesmo que tem alguma coisa relevante vinda daqui? – Murphy deixou os olhos correrem pelo ambiente, como se estivesse relembrando da existência dessa área. Clancy seguiu na frente, já familiarizado com o que tinha ali. –Existia um pesquisador em Marte que tinha algumas hipóteses sobre isso, ele achava que havia mais do que "só" a Terra, algo mais antigo. Acho que ninguém nunca parou para ver a seção astronômica de Marte, ou melhor, "Terra II" – Seu comentário encerrou com ele colocando a mão na maçaneta e girando, finalmente, ao abrir a porta, eles puderam vislumbrar. Uma sala grande e empoeirada, com duas únicas colunas de armários, cujos gavetões estavam cheios de arquivos mortos, muitos deles já haviam começado a se decompor pela má conservação. –Que... ambiente úmido, e abafado também.– Embora Murphy estivesse visivelmente incomodada, ele parecia sentir aquele ambiente como agradável e as orquídeas se formando ao entorno dos cachos transpareceu isso bem. –Bem, já que você está tão aconchegado, pode começar pela direita que eu vou vendo o que que sobrou aqui na esquerda. – Dito e feito, os dois começaram sua busca.

No pátio do CERS, uma figura estranha chegava, com um longo casaco branco que descia até os pés, a pele pálida, com um conjunto peculiar de cabelos esverdeados. Seus olhos eram mórbidos e os lábios finos. Ele praticamente se arrastava pelo recinto enquanto mais acima nos céus, era possível ver alguns arcos de relâmpago serpenteando de dentro da área de apresentação para os céus. Athena estava operacional. –Se o espaço pode se expandir mais rápido do que a luz, então nós podemos, em teoria, usar ele para ultrapassarmos essa barreira física que conhecemos como velocidade de causalidade. – Fraga comentou, pausando em seguida, pois todos os sons seguintes foram abafados pelos motores de Athena. Na visão de todos ali, a região em torno da nave se distorcia, a luz começou a apresentar propriedades estranhas, as cores e intensidades de luz variavam na visão de cada um, aqueles mais próximos sentiram um vento gelado, como se o calor da luz estivesse sendo puxado para Athena. Ela começou a subir lentamente, então, de maneira repentina, seu som se tornou opaco e fraco; algo parecido com uma bolha estava formado nos arredores da nave. –Esse é um passo único na história da exploração espacial, certamente.–

As flores emaranhadas nos cabelos de Clancy exalavam uma fragrância doce, misturando-se ao ar abafado da sala. Margaridas floresceram, e, ao observar a descoberta no mapa, uma coroa de cristo substituiu as orquídeas. O silêncio se instalou na sala, na multidão e na imensidão do espaço. Através das janelas, relâmpagos serpenteados dançavam no céu. E então, em uníssono, como se o universo esperasse, todos os olhares se voltaram para a próxima etapa da jornada.