O mar refletia o céu azul, e as ondas quebravam suavemente na areia branca, criando uma música tranquila ao fundo. O som das risadas de Sari e Yara ecoava pela praia deserta enquanto brincavam com um menino de cabelos escuros, seus pés descalços tocando a água fria. O vento suave bagunçava os cabelos de Sari, e ela não podia evitar o sorriso que brotava em seu rosto ao ver Yara tão radiante, seus olhos cheios de alegria.
— Corra, mamãe! — o menino gritava, puxando-a pela mão.
Sari se sentia leve, como se o peso do mundo não existisse mais. Yara estava ao seu lado, viva, feliz. Era tudo o que ela sempre quis. Mas, de repente, Yara parou, o sorriso desaparecendo de seus lábios. Ela olhou diretamente nos olhos de Sari, a expressão séria.
— Acorda, Sari — sua voz era suave, mas cheia de urgência.
Sari franziu o cenho, confusa.
— O que você disse?
— Acorda — Yara repetiu, sua voz ficando cada vez mais distante, como um eco. O brilho do dia começou a se dissipar, e a areia, antes quente e acolhedora, agora parecia fria sob seus pés.
— Não... — Sari tentou alcançá-la, mas o cenário ao redor começou a se desintegrar, transformando-se em uma névoa densa.
— Acorda!
**Quebrando o Sonho**
Sari abriu os olhos bruscamente, seu corpo coberto de suor. Estava deitada no chão do que antes era o aconchegante apartamento que dividia com Yara. Agora, pilhas de papéis amarelados e livros antigos cobriam o chão, enquanto móveis revirados criavam um cenário caótico ao seu redor. A luz fraca do fim da tarde entrava pelas cortinas desbotadas, lançando sombras inquietantes pelo ambiente.
Do outro lado da porta, Cristal batia com força, sua voz áspera cortando o silêncio.
— Sari, abre essa porta! — Cristal gritava, a impaciência evidente em seu tom. — Já se passaram três anos. Você tem que superar. Está na hora de sair daqui.
Sari piscou, ainda tentando se afastar do sonho. Ela olhou ao redor, as folhas espalhadas pelo chão cobertas de anotações desconexas sobre a deusa Zhara. Desenhos antigos, símbolos que Sari agora conhecia de cor. A imagem de Yara sorrindo em um dia ensolarado, com o vento brincando em seus cabelos, surgiu em sua mente. Era essa a memória que a mantinha presa.
Ela esfregou o rosto, lutando contra a crescente sensação de vazio que a consumia. Yara... e o menino. Eles nunca estiveram ali, a não ser em seus sonhos.
— Eu sei que você está aí! — Cristal insistiu, sua voz firme, mas com um toque de preocupação. — Hoje é o memorial de Yara. Por favor, Sari, não me faça te arrastar à força.
Sari levantou-se lentamente, os músculos rígidos pelo tempo que havia passado deitada no chão. Ela olhou para a porta, mas não se moveu. A dor da perda ainda era um buraco profundo, impossível de preencher. Desde o dia em que Yara foi assassinada, nada parecia real. A obsessão pela deusa Zhara a isolava, mas era a única coisa que a mantinha viva.
Do outro lado da porta, Cristal bateu novamente, desta vez com mais força.
— Sari, eu entendo. Você acha que isso vai mudar alguma coisa. Que vasculhar cada página, cada livro, vai trazer Yara de volta. Mas, por favor... — a voz de Cristal vacilou levemente. — Você não pode viver assim. Eu não vou perder você também.
Sari fechou os olhos por um momento, lutando contra as lágrimas. A memória de Yara era um estilhaço que a atravessava. Ao abrir os olhos novamente, olhou para uma foto em uma mesa, onde Yara sorria, cabelos ao vento. A dor cresceu como uma onda, quase a submergindo.
**A Escolha de Sari**
— O que você quer que eu faça, Cristal? Deixar a memória de Yara se apagar? — Sari gritou, a dor em seu tom transparecendo.
A expressão de Cristal mudou, e ela hesitou, sabendo que a luta de Sari era também uma luta dela. Elas haviam compartilhado segredos, risos e a dor de uma vida marcada pela violência e perda.
— Sari, eu não vou deixar você morrer junto com ela — Cristal disse, sua voz firme, mas a preocupação brilhava em seus olhos. — Você merece viver.
Sari respirou fundo, a mente um caos. Observando as pilhas de papéis, os desenhos antigos que Yara havia feito sobre Zhara, sentiu um nó se formar em seu estômago ao lembrar do sorriso de Yara, de como ela sempre a apoiava. Lembranças de risadas e abraços inundaram sua mente, misturadas à dor insuportável.
Cristal bateu uma última vez, com mais urgência.
— Sari, abre essa porta agora. Vamos juntas ao memorial, ou eu juro que vou arrombar essa porta e te arrastar pelos cabelos até lá.
Sari finalmente se moveu. Suas mãos trêmulas giraram a fechadura, e a porta se abriu com um rangido. Cristal estava ali, vestida de preto, o rosto contido, mas seus olhos azuis estavam fixos em Sari com uma mistura de tristeza e determinação.
— Você está um caco — Cristal disse, olhando de cima a baixo para Sari, que ainda vestia a mesma roupa de dias atrás. — Mas nada que um banho e um café não resolvam. Vamos?
Por um momento, Sari não respondeu. Então, finalmente, ela assentiu. Sabia que, em seu coração, ainda não estava pronta para abandonar sua busca, mas a determinação de Cristal a tocou. Enquanto caminhavam para o memorial, Sari sentiu uma pequena centelha de esperança. A deusa Zhara, o mito da morte, ainda era a única esperança que ela tinha. E, mesmo que estivesse quebrada, Sari faria qualquer coisa para trazer Yara e o filho que nunca conhecera de volta.