Esmurrei a porta com uma frenética impaciência, ofegante após a corrida até o terceiro andar do Cercado.
— Leif! — gritei, a voz ecoando. — Abra essa porta e fale comigo!
Portas se abriram pelo corredor, e outros estudantes espiaram, intrigados. Uma cabeça loira e desgrenhada surgiu: era Leif.
— Vanitas? O que você está fazendo? Esta não é nem a minha porta.
Avancei, empurrei-o para dentro do quarto e fechei a porta com um estrondo.
— Leif, o Drazno me drogou. Sinto que algo não está certo na minha cabeça, mas não sei o que é.
Leif riu.
— Eu achava que, para um... — sua voz estancou, dando lugar a uma expressão incrédula enquanto via o que eu fazia. — O que você está fazendo? Não cuspa no meu piso!
— Estou com um gosto esquisito na boca — expliquei, gesticulando.
— Não me importa — ele respondeu, confuso e aborrecido. — Qual é o seu problema? Você nasceu em um celeiro?
Com um movimento rápido, acertei-lhe uma bofetada no rosto, fazendo-o cambalear contra a parede.
— Na verdade, nasci em uma carroça — declarei, com um ar sombrio. — Isso é um problema?
Leif, com a mão apoiada na parede e a outra na face avermelhada, parecia atônito.
— Em nome de Deus, o que há de errado com você?
— Não há nada de errado comigo, mas é melhor você cuidar do seu tom. Eu gosto de você, mas o simples fato de eu não ter pais ricos não faz de você nem um tiquinho melhor do que eu. — Franzi o cenho e cuspi de novo. — Ugh! Isso é horrível! Detesto noz-moscada. Sempre detestei, desde pequeno.
Uma súbita compreensão se espalhou pelo rosto de Leif:
— Esse gosto na sua boca — disse ele — parece ameixa com temperos?
Assenti.
— É nojento — afirmei.
— Pelas cinzas cinzentas de Deus! — exclamou Leif, a voz tingida de uma seriedade lúgubre. — Certo. Você está certo. Você foi drogado. Eu sei o que é. — Ele parou ao me ver virar para abrir a porta. — O que você está fazendo?
— Vou matar o Drazno — respondi, com a determinação estampada no rosto.
— Não é veneno. É... — Leif hesitou, então continuou com a voz calma e pausada: — Onde você arranjou essa faca?
— Eu a carrego amarrada na perna, embaixo das calças. Para emergências.
Leif respirou fundo, soltando o ar lentamente.
— Você pode me dar um minuto para explicar antes de sair para matar o Drazno?
Dei de ombros.
— Tudo bem.
— Importa-se de sentar enquanto conversamos? — ele sugeriu, apontando para uma cadeira.
Suspirei e me sentei, inquieto.
— Ótimo. Mas ande logo. Tenho exame de admissão daqui a pouco.
Leif balançou a cabeça calmamente, sentando-se na beirada da cama, de frente para mim.
— Muito bem. Sabe quando alguém bebe e tem a ideia de fazer uma idiotice? E ninguém consegue convencê-lo do contrário, mesmo que seja óbvio que é uma ideia estúpida?
Ri, lembrando-me de uma situação.
— Como quando você quis conversar com aquela harpista do lado de fora da Foles e vomitou no cavalo dela?
Ele assentiu.
— Exatamente assim. Há algo que um alquimista pode fazer que tem o mesmo efeito, só que é muito mais extremo.
Balancei a cabeça, confuso.
— Não me sinto minimamente bêbado. Minha mente está clara como um sino.
Leif meneou a cabeça.
— Não é como estar bêbado. É apenas essa parte da embriaguez. Não vai deixá-lo tonto nem cansado. Só torna mais fácil cometer idiotices.
Pensei na ideia por um momento.
— Acho que não é isso — afirmei. — Não tenho vontade de fazer nenhuma idiotice.
— Há uma maneira de descobrir — disse Leif. — Você consegue pensar em algo que lhe pareça uma má ideia neste momento?
Passei um instante pensando, batendo a lâmina da faca na ponta da bota.
— Seria má ideia... — minha voz morreu.
Pensei mais um pouco, enquanto Leif me observava com expectativa.
— ... pular do telhado?
Minha voz subiu no final, transformando a afirmação em uma pergunta.
Leif permaneceu em silêncio, mantendo o olhar fixo em mim.
— Estou começando a entender o problema — comentei lentamente. — Parece que não tenho nenhum filtro comportamental.
Leif sorriu aliviado e acenou.
— Exatamente isso. Todas as suas inibições foram eliminadas, e você não percebe que elas sumiram. O restante continua igual: você ainda está firme, articulado e racional.
— Você está sendo condescendente comigo — retruquei, apontando-lhe a faca. — Não faça isso.
Ele piscou os olhos, tentando conter o riso.
— Muito bem. Você consegue pensar em uma solução para o problema? — perguntou.
— Claro. Preciso de uma espécie de parâmetro comportamental. Você será minha bússola, já que suas inibições ainda estão intactas.
— Eu estava pensando na mesma coisa. Então, você vai confiar em mim?
Assenti.
— Menos em matéria de mulheres. Você é um idiota com elas.
Peguei um copo d'água numa mesa próxima, lavei a boca e cuspi tudo no chão.
Leif sorriu, contido.
— Muito bem. Primeiro, você não pode matar o Drazno.
Hesitei.
— Tem certeza?
— Tenho. Na verdade, qualquer coisa que você pensar em fazer com essa faca será uma má ideia. Você deve entregá-la a mim.
Dei de ombros, virei-a na palma da mão e a entreguei a ele pelo cabo improvisado de couro.
Leif pareceu surpreso, mas tomou a faca.
— Ardonai misericordioso — disse, suspirando profundamente e pousando a faca na cama. — Obrigado.
— Isso foi um caso extremo? — perguntei, cuspindo um pouco d'água. — É provável que devamos ter uma espécie de sistema de classificação. Como uma escala de 10 pontos.
— Cuspir água no meu chão é número 1 — disse ele.
— Ah. Desculpe.
Recoloquei o copo na escrivaninha.
— Tudo bem — ele respondeu, descontraído.
— Um é baixo ou alto? — indaguei.
— Baixo. Matar o Drazno é 10. — Leif hesitou. — Talvez 8. Ou 7.
— É mesmo? Tanto assim? Então, tudo bem — concordei. Inclinei-me para frente na cadeira. — Você precisa me dar dicas para o exame de admissão. Tenho que voltar para a fila daqui a pouco.
Leif balançou a cabeça com firmeza.
— Não. Essa é realmente uma péssima ideia. Oito.
— É mesmo?
— É mesmo. É uma situação social delicada. Uma porção de coisas pode dar errado.
— Mas, se...
Leif suspirou, afastando o cabelo claro dos olhos.
— Sou ou não sou seu parâmetro? Isso vai ficar chato se eu tiver que repetir tudo três vezes.
Pensei um momento sobre isso.
— Tem razão, sobretudo se estou prestes a fazer algo potencialmente perigoso.
Corri os olhos ao redor e perguntei:
— Quanto tempo isso vai durar?
— Não mais que oito horas — disse Leif, abrindo a boca para continuar, mas fechou-a.
— O que é? — indaguei.
Leif suspirou.
— Pode ser que haja alguns efeitos colaterais. A droga é solúvel em lipídios, então pode demorar um pouco para sair do seu corpo. Você pode sentir pequenas recaídas ocasionais, provocadas pela tensão, emoção intensa, exercícios... — Ele me lançou um olhar apologético. — Elas serão como ecos disso.
— Com isso, me preocuparei depois — falei, estendendo a mão. — Me dê sua ficha do exame de admissão. Você pode fazê-lo agora. Eu fico com seu horário.
Leif abriu as mãos, desamparado.
— Eu já fiz o exame — explicou.
— Pelas tetas e dentes de Ardonai! — praguejei. — Ótimo. Vá chamar a Faela.
Leif agitou as mãos, em um gesto enfático.
— Não. Não, não e não. Dez.
Ri.
— Isso não pode ser. Ela tem um horário tardio, no dia-da-pera.
— Acha que ela vai trocar com você?
— Ela já se ofereceu.
Leif levantou-se.
— Vou procurá-la.
— Eu fico aqui.
Ele fez um aceno entusiástico e percorreu o quarto com o olhar, nervoso.
— Provavelmente, é mais seguro você não fazer nada enquanto eu não estiver aqui — disse, abrindo a porta. — Fique sentadinho em cima das mãos até eu voltar.