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Chapter 148 - CXLVII. RAÍZES

Desse ponto em diante, a noite seguiu a esmo.

Monet partiu em busca de pastos mais verdes, enquanto Alastor, Leif e eu nos esforçamos para manter a mesa livre de copos, com os músicos divertidos nos brindando com rodada após rodada de bebida. E que quantidade obscena de bebida era aquela! Muito mais do que eu jamais ousaria esperar.

Tomei souten quase o tempo todo, afinal, levantar dinheiro para cobrir a taxa escolar era a razão principal da minha presença na Foles naquela noite. Alastor e Leif também pediram suas rodadas, agora já conhecendo o truque. Fiquei duplamente grato, pois, do contrário, teria que levá-los embora em um carrinho de mão.

Por fim, nós três nos demos por satisfeitos com a música, os mexericos e, no caso do Leif, com a perseguição infrutífera às moças que nos serviam.

Antes de sairmos, fui ter uma conversa discreta com o homem do bar, mencionando a diferença entre metade e um terço. Ao fim da negociação, recebi em espécie um crimo inteiro e seis iyanes, a maior parte proveniente das bebidas que meus companheiros músicos haviam comprado para mim.

Juntei as moedas na bolsa. Três crimos exatos.

Minha negociação também me rendeu duas garrafas marrom-escuras.

— O que é isso? — perguntou Leif, quando comecei a guardar as garrafas no estojo do alaúde.

— Cerveja ale.

Mudei a posição dos trapos que usava para acolchoar o alaúde, de modo a não arranhá-lo.

— Ale — repetiu Alas, com um tom de desdém. — Isso está mais para pão do que para cerveja.

Leif assentiu, fazendo uma careta.

— Não gosto de ter que mastigar a bebida.

— Não é tão ruim assim — objetei, defensivo. — Nos Pequenos Reinos, as mulheres a bebem quando estão grávidas. O Armin mencionou isso em uma de suas aulas. Elas a misturam com pólen de flores, óleo de peixe e caroços de cereja. A bebida tem toda sorte de nutrientes.

— Vanitas, não estamos te julgando — disse Alastor, colocando a mão em meu ombro com uma expressão apreensiva. — Leif e eu não nos importamos por você ser uma ylliana grávida.

Leif soltou um ronco e riu, surpreso por ter feito isso.

Os três voltamos lentamente para a Academia, atravessando o alto arco da Ponte de Pedra. E, como não havia ninguém por perto para ouvir, comecei a cantar Asno, asno para Leif.

Alastor e Leif foram levemente trôpegos para seus quartos no Cercado. Mas eu não estava pronto para dormir e continuei perambulando pelas ruas desertas da Academia, respirando o ar frio da noite.

Passei pelas fachadas sombrias de boticários, vidreiros e encadernadores. Cortei caminho por um gramado bem cuidado, aspirando o cheiro limpo e terroso das folhas de outono e da grama verde por baixo. Quase todas as hospedarias e tabernas estavam às escuras, mas luzes brilhavam nos bordéis.

A pedra cinzenta do Prédio dos Professores reluzia ao luar. Uma única luz tênue ardia lá dentro, iluminando a janela de vitral que retratava Preccam em sua pose clássica: descalço, à entrada de sua caverna, falando com um grupo de jovens estudantes.

Passei pelo Cadinho, com suas incontáveis chaminés escuras, quase todas sem fumaça, espinhando-se contra o céu enluarado. Mesmo à noite, o prédio exalava o cheiro de amônia e flores carbonizadas, ácido e álcool: mil odores misturados que se infiltraram na pedra do edifício ao longo dos séculos.

Por fim, vinha o Arquivo. Com seus cinco andares de altura e sem janelas, parecia um monólito, um enorme sinal do viajante. Suas portas maciças estavam fechadas, mas pude ver a luz avermelhada das lamparinas de simpatia aumentando em volta das bordas da porta. Durante o período de admissão, Mestre Loran mantinha o Arquivo aberto à noite para que todos os membros do Arcano pudessem estudar à vontade.

Todos, menos um, é claro.

Retornei à Grilo e encontrei a taberna escura e silenciosa. Eu tinha uma chave da porta dos fundos, mas, em vez de tropeçar pela escuridão, segui para a viela ao lado. Pé direito no barril de água da chuva, pé esquerdo no parapeito da janela, mão esquerda no cano de esgoto. Subi em silêncio até minha janela no terceiro andar, abri o trinco com um pedaço de arame e entrei.

Estava escuro e me sentia cansado demais para procurar uma luz na lareira do térreo. Assim, toquei no pavio do lampião ao lado da minha cama, sujando os dedos com um pouco de óleo. Depois, murmurei uma conexão e senti meu braço esfriar enquanto o calor escorria dele. A princípio, não aconteceu nada e franzi o cenho, concentrando-me para superar o leve embotamento do álcool. A friagem se aprofundou em meu braço, fazendo-me estremecer, mas finalmente o pavio se iluminou.

Com o frio aumentando, fechei a janela e lancei um olhar pelo meu quarto minúsculo, com seu teto inclinado e sua cama estreita. Surpreendentemente, percebi que não havia outro lugar nos quatro cantos em que eu preferisse estar. Tive quase a sensação de estar em casa.

Talvez isso não lhe pareça estranho, mas o foi para mim. Crescendo entre os Therion, para mim, casa nunca foi um lugar. Casa era um grupo de carroças e cantigas em volta de uma fogueira de acampamento. Quando minha trupe foi morta, isso foi mais do que a perda da minha família e dos meus amigos de infância. Foi como se meu mundo inteiro tivesse sido queimado até o último fiapo.

Agora, depois de quase um ano na Academia, começava a me sentir como se fizesse parte dali. Era um sentimento estranho, essa afeição por um lugar. Em certos sentidos, era reconfortante, mas o Therion em mim se inquietava, rebelando-se contra a ideia de criar raízes como uma planta.

Ao mergulhar no sono, perguntei a mim mesmo o que meu pai pensaria de mim.