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Chapter 149 - CXLVIII. CEDO

Na manhã seguinte, salpiquei água no rosto e desci com passos pesados. O salão da taberna do Grilo começava a se encher de pessoas em busca do café da manhã, e alguns estudantes, particularmente desconsolados, já iniciavam a bebedeira do dia.

Ainda com os olhos vermelhos pela falta de sono, acomodei-me à minha mesa de praxe, no canto, e comecei a me inquietar com a entrevista que se aproximava.

Kelvin e Lal Mirch não me preocupavam. Eu estava preparado para as perguntas deles. O mesmo se aplicava, em grande parte, a Armin. Mas os outros professores eram graus variados de mistério para mim.

A cada período, cada professor expunha uma seleção de livros na seção de Tomos, o salão de leitura do Arquivo. Eram textos básicos para o estudo dos A'luns de nível mais baixo, com volumes progressivamente mais avançados para os A'scores e os A'vóres. Esses livros revelavam o que os professores consideravam conhecimentos valiosos. Eram as obras que um aluno inteligente estudaria antes do exame de admissão.

Mas eu não podia circular pela seção de Tomos como todos os demais. Era o único estudante banido do Arquivo em 12 anos, e todos estavam cientes disso. Tomos era a única sala bem iluminada de todo o prédio, e, durante o período das entrevistas de admissão, sempre havia pessoas por lá, lendo.

Assim, fui obrigado a encontrar exemplares dos textos dos mestres enterrados no Acervo. Você se admiraria ao saber quantas versões de um mesmo livro podem existir. Se eu tivesse sorte, o volume que encontrasse seria idêntico ao que o professor separou nos Tomos. Mais comumente, as versões que eu achava eram ultrapassadas, expurgadas ou mal traduzidas.

Eu havia lido o máximo possível nas noites anteriores, mas caçar os livros consumia um tempo precioso e eu ainda me sentia tristemente despreparado.

Perdi-me nesses pensamentos angustiados quando a voz do Grilo me chamou a atenção.

— Na verdade, o Vanitas está bem ali — disse ele.

Levantei a cabeça e vi uma mulher sentada no bar. Não estava vestida como estudante. Usava um sofisticado vestido cor de vinho, de saia longa, cintura fina e luvas vinho que lhe subiam até os cotovelos.

Com movimentos resolutos, ela conseguiu descer da banqueta sem prender os pés e veio andando até parar junto à minha mesa. Seu cabelo loiro estava cacheado com esmero, e os lábios eram pintados de vermelho-escuro. Não pude deixar de me perguntar o que ela estaria fazendo em um lugar como aquele.

— Foi você que quebrou o braço daquele moleque do Drazno Grozzi? — perguntou.

Falava aturiano, com um sotaque sereniano carregado e musical. Embora isso a tornasse um pouco difícil de entender, seria mentira dizer que não a achei atraente. O sotaque sereniano praticamente exala charme.

— Fui. Não foi inteiramente proposital. Mas fui eu.

— Nesse caso, você tem que me deixar comprar-lhe uma bebida — disse ela, com o tom de uma mulher que costuma conseguir o que quer.

Dei-lhe um sorriso, desejando ter acordado mais de 10 minutos antes, para que meu raciocínio não estivesse tão embotado.

— Você não seria a primeira a me oferecer uma bebida por isso — comentei, com franqueza. — Já que insiste, vou tomar um hidromel de Graysdale.

Observei-a fazer meia-volta e retornar ao bar. Se era estudante, era uma nova aluna. Se ela tivesse passado mais de alguns dias por ali, eu teria sabido pelo Leif, que vigiava de perto todas as garotas mais bonitas da cidade e as cortejava com ingênuo entusiasmo.

A sereniana voltou um minuto depois e se sentou de frente para mim, deslizando um caneco de madeira pela mesa. O Grilo devia ter acabado de lavá-lo, pois os dedos da luva cor de vinho estavam molhados onde seguravam a alça.

A mulher ergueu seu copo, cheio de um vinho tinto escuro.

— Ao Drazno Grozzi — disse, com súbita ferocidade. — Que ele caia num poço e morra.

Levantei o caneco e bebi um gole, tentando imaginar se haveria alguma mulher a menos de 80 quilômetros da Academia a quem Drazno não tivesse tratado mal. Enxuguei discretamente a mão nas calças.

A mulher tomou um gole grande de seu vinho e pousou o copo com força. Suas pupilas estavam enormes. Por mais cedo que fosse, ela já devia ter bebido um bocado.

De repente, senti um aroma de noz-moscada e ameixa. Cheirei meu caneco e olhei para o tampo da mesa, achando que alguém devia ter derramado uma bebida. Mas não havia nada.

A mulher à minha frente irrompeu subitamente em lágrimas. E não era um choro suave; foi como se alguém tivesse aberto uma torneira.

Ela baixou os olhos para as mãos enluvadas e balançou a cabeça. Tirou a luva molhada, olhou para mim e soluçou uma dúzia de palavras em sereniano.

— Desculpe — falei, sem jeito. — Eu não falo...

Mas ela já estava se levantando e se afastando da mesa. Enxugando o rosto, correu para a porta.

O Grilo me olhou de trás do bar, assim como todas as outras pessoas no salão.

— Não foi minha culpa — declarei, apontando para a porta. — Ela endoidou sozinha.

Eu a teria seguido e tentado entender tudo, mas ela já estava do lado de fora, e faltava menos de uma hora para minha entrevista de admissão. Além disso, se eu tentasse ajudar todas as mulheres que Drazno havia traumatizado, não sobraria tempo para comer ou dormir.

Olhando pelo lado bom, esse encontro bizarro parecia ter desanuviado minha cabeça e deixado de lado a sensação de cansaço e embotamento. Resolvi que podia aproveitar a oportunidade para tirar logo do caminho o exame de admissão.

Quem cedo começa, cedo termina, como dizia meu pai.